Tão-pouco se trata de uma tentativa política de ilegalização do congresso do PCP, iniciativa que traz consigo aquelas tristes ressonâncias históricas do regime fascista de ilegalizar o PCP e os movimentos sociais por si patrocinados ou apoiados.
A tentativa é bem mais curta. É a de usar aqueles anti-corpos salazaristas aos partidos políticos agora tão em voga (sobre isso ler o post de Porfírio da Silva, deputado do PS) para criar tensão entre o Governo e os seus parceiros parlamentares. E nisso de intrigas, Marcelo Rebelo de Sousa tem décadas de treino.
As hostilidades começaram, de facto, por si. Numa declaração pública, o presidente de "todos os portugueses" e juramentado defensor da Constituição, achou por bem dizer o seguinte:
“É verdade que a lei prevê expressamente que as actividades políticas e sindicais não podem ser atingidas pelo estado de emergência. Está lá um artigo. Mas também é verdade que a percepção (já falei nisso muitas vezes) é que aquilo que é determinado para uns é também determinado para todos”.
Esta estranha posição de um presidente que gosta de ir além dos poderes que a Constituição lhe confere, teve óbvia repercussão na comunicação social. E teve-a igualmente no principal jornal diário - Público. A sua ex-editora da secção Política, Leonete Botelho - que por acaso é presidente da Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas - tem, ultimamente, colado os seus escritos ao discurso do presidente da República. Poderia mostrar-se inúmeros casos, mas para já fica apenas este já abordado neste blogue.
Recorde-se que Leonete Botelho era a editora de Política que recebeu a chamada telefónica de Miguel Relvas, então ministro de Passos Coelho, em que este, aborrecido com as demasiadas perguntas da jornalista da mesma secção Maria José Oliveira sobre as secretas, a ameaçou dizendo que, se ela continuasse, divulgaria aspectos da sua vida privada. A jornalista soube da ameaça pela editora (a qual não a considerou relevante) e denunciou o caso ao Conselho de Redacção do jornal. Mas a Direcção Editorial do jornal dividiu-se sobre o que fazer: proteger a jornalista e denunciar o ministro; ou proteger uma fonte da editora que era... Miguel Relvas. Optou pela segunda opção e a jornalista demitiu-se do jornal. O caso, porém, descontrolou-se quando se tornou pública a acta da reunião do Conselho de Redacção em que o caso fora abordado. Miguel Relvas entrou num turbilhão político e mediático que - juntamente com outros casos - levaria à sua demissão. O jornal acabaria por ir a reboque do turbilhão e... publicou aqueles aspectos que o ministro ameaçara denunciar! A Entidade Reguladora para a Comunicação Social - nomeada pela maioria PSD/CDS - fez um parecer em que "não deu como provado" que "o ministro tenha ameaçado divulgar na internet um dado da vida privada da jornalista", isto apesar de ter sido a própria editora a dizê-lo à jornalista... E que, por isso, "não se verificou a existência de um condicionamento da liberdade de imprensa"!
Agora, volte-se ao caso "Congresso PCP". A mesma jornalista Leonete Botelho faz uma peça desequilibrada em que respalda uma iniciativa política do PSD - através de Paulo Mota Pinto - com a audição de um outro constitucionalista que corrobora a mesma tese. O outro constitucionalista é José de Melo Alexandrino, professor da Faculdade Direito de Lisboa.
Sobre a Faculdade de Direito, talvez conviesse ler primeiro uns posts que António Garcia Pereira escreveu (aqui e aqui). Depois, saber que Melo Alexandrino foi autor de um livro com Marcelo Rebelo de Sousa. O jurista tem criticado o Governo, nomeadamente a ministra da Saúde ou a retirada de medicamentos (novamente um artigo de Leonete Botelho), foi autor de um parecer crítico ao apoio público à comunicação social para a Entidade para a Comunicação Social e voltou a apoiar recentemente a decisão de Marcelo de colocar os confinamentos obrigatórios no âmbito da restrição do direito de liberdade (em mais um artigo de Leonete Botelho).
Mas sobre a biografia do professor citado pelo Público convirá atentar num pormenor: foi autor de uma edição dos escritos completos de Rolão Preto, uma das figuras controversas do fascismo português.
Rolão Preto foi um dos grandes fundadores do Integralismo Lusitano e do Movimento Nacional Sindicalista, inspirado no fascismo italiano, tendo - segundo Fernando Rosas - "a sua actividade de 1918 a 1934, data da ilegalização do nacional-sindicalismo, dominada pela tentativa de subtrair a classe operária portuguesa ao socialismo, anarco-sindicalismo e, mais tarde, ao comunismo". Apoiante do golpe 28 de Maio de 1926 que derrubou o parlamentarismo, Rolão Preto associou-se ao movimento fascista e criou um grupo milicial de apoio ao golpe, com fim de implantar uma Ditadura. Depois, chegou a intentar diversos golpes contra Salazar até o seu movimento ser ilegalizado, passando à oposição ao regime, tendo sido apoiante da candidatura de Norton de Matos, Quintão Meireles e Humberto Delgado. Depois do 25 de Abril, foi dirigente do PPM.
A liberdade intelectual é uma coisa linda, já os ídolos escolhidos são mais discutíveis. Tal como são bastante discutíveis os critérios editoriais da jornalista do Público e presidente da Comissão da Carteita Profisional dos Jornalistas. Mas é destas malhas que a intriga de Marcelo se tece.
5 comentários:
Parabéns pela amálgama. Não percebi nada, excepto a tentativa de atirar o barro à parede para ver se cola, que é mais ou menos do jaez da tentativa de atacar o PCP pela realização do congresso.
Já se percebeu que o João Ramos de Almeida gosta da teoria de que isto anda tudo ligado... Olhe que isso é pior do que chamar o James Bond à colação, esse ao menos é uma personagem de ficção completa...
Já agora, o argumento de que o PCP faz crescer a impressão de que existe uma regra para os políticos e outra para o resto da população, ao não se solidarizar com os sacrifícios dela, é perfeitamente verdadeiro. Mais, é da elementar prudência que todos os encontros que envolvem dezenas ou centenas de pessoas devem ser evitados (Fátima, fórmula 1, etc, etc, incluídos). Foi aliás por isso que o PS e o BE adiaram os respectivos congressos.
Fazer-se política às vezes implica abdicar de direitos para não se passar por arrogante e casmurro...
Um post muito elucidativo
Tanto como o facto de Jaime Santos não perceber nada. Ou dizer que não percebe
Já agora
Como a campanha para as presidenciais se aproxima e dado que a probabilidade de andarmos ainda todos a jogar às escondidas com o COVID-19/20 é alta, é necessário fazer agora o máximo o ruído possível, para que a opinião pública fique saturada e ninguém faça caso dos do que se vai passar a seguir.
Caro Jaime,
O julgamento político da vantagem ou não de realização do congresso é perfeitamente razoável. Pode ter vantagens e inconvenientes. E com certeza que o PCP terá feito as suas contas.
Outra coisa é achar-se que, a cavalo de um julgamento político, se pode subverter a lei. Ou - pior! - como não se pode, que se pode mudar a lei e criar outra com fotografia! E aí o caso pia mais fino.
Mais fino ainda pia quando se trata de um estado de emergência e a tentação deste presidente é a de provocar ao máximo quem pode. No início, provocou os sindicatos, limitando o direito à greve ou mesmo o direito às participação na elaboração da legislação laboral! Acha normal? Até parece que, mesmo que houvesse o argumento da pandemia (que era a propósito disso que se fixava o estado de emergência) essa participação não pudesse ser feita ... por email! :-) Agora, como não pode mais e aquilo não caiu muito bem, provoca o PCP... no momento da aceitação do OE.
Tudo neste presidente parece ser feito com uma ideia diferente daquela que é apregoada. Tem um pendor securitário e desproporcionado, sempre para um dos lados (os mais fracos), mesmo que todos os cuidados com pandemia sejam poucos. Cuidados esses que ele nem teve quando os bichos andavam, já aí a circundar.
E, de facto, há coisas que andam ligadas. Estas estão. Se são importantes ou simplesmente casuais, logo se verá.
Jaime Santos não percebe nada. Está como Bernardo Ferrão, outro leonético comissário, que do discurso de António Costa no sábado também não percebeu nada. Diz bué de si - há gente que nem com boneco.
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