terça-feira, 24 de novembro de 2020

Honoris causa


Em 2013, fiz o seguinte reparo, pensando no seu responsável, João Duque, que é sempre preciso dar nomes às coisas: 

O que têm em comum Ricardo Salgado, António Mexia e Eduardo Catroga? Para além de serem muito bem pagos, são também Doutores Honoris Causa pelo ISEG-UTL. O primeiro desde ontem, o segundo desde a semana passada e o terceiro desde o ano passado. O que é que um plutocrata e dois videirinhos têm em comum com os verdadeiros Doutores Honoris Causa da distinta história do ISEG nesta e noutras áreas? Não têm nada em comum. 

Em 2020, Ricardo Salgado está entregue à justiça. Catroga e Mexia andam por aí, cheios de honras de páginas de jornal. 

Catroga, para lá da sua agenda telefónica, que sublinha a relação prática entre redes e rentismo, deu um notável contributo para o conhecimento, trazendo para o debate o conceito de “pentelhos”, para já não falar no uso de telemóveis para tirar fotos de negociações orçamentais, o que deu todo um campo visual de aplicações para a política orçamental. 

Agora volta à carga, com a mesma sofisticação e honra de sempre, com o conceito de “vírus ideológico”, todo um programa biopolítico: o BE e o PCP encarnariam tal funesto fenómeno nestes tempos pandémicos. São estes partidos e, imagino, um SNS aprovado apenas à esquerda em 1979. 

Devemos ficar contentes, mas também estar vigilantes. Por um lado, alguma coisa se anda a passar no campo político-ideológico que preocupa esta gente. Por outro lado, Catroga encarna toda uma relação meios-fins problemática. Hoje são metáforas, mas amanhã não sabemos. 

Tudo depende sempre das lutas. Estas são a única coisa que se pode mesmo prever.

5 comentários:

Estevão disse...

O seu modo de cunhar:
https://www.youtube.com/watch?v=ZL4TZoJE7fk

Anónimo disse...

Há mais uma coisa em comum entre eles: a família Mello.
Um tem relações familiares e os outros 2 são funcionários.
Andam por cá desde a Idade Média.
Passaram a monarquia, a primeira república, o estado novo e continuam no chamado Estado Democrático.

JE disse...

Um excelente texto.

(E esse modo de cunhar do Catroga é algo simplesmente repugnante)

Monteiro disse...

Belmiro dizia que nem de borla o queria, qual seria?

Lowlander disse...

Caro Joao Rodrigues,

"Devemos ficar contentes, mas também estar vigilantes. Por um lado, alguma coisa se anda a passar no campo político-ideológico que preocupa esta gente."

O nosso contentamento reside na constatacao por parte das elite se permanente consternacao das mesmas, ja ha imenso tempo, desde pelo menos a Revolucao Francesa, passando pelas proclamacoes de Marx e Engels acerca da inevitabilidade da revolucao e agora mais recentemente re-branded pelo Noam Chomski onde me centrarei um pouco mais a citar, porque o considero um dos mais interessantes filosofos anarquistas (ainda) contemporaneo: o que preocupa "esta gente" e o mesmo de sempre, a fragilidade estrategica de longo prazo em que se alicerca todo o edificio institucional que construiram para exercer poder, para poder mandar.
O problema chama-se: o povo, a "bewildered herd".

A ler "Media Control" do Noam Chomski:

p27
"The bewildered herd is a problem. We’ve got to prevent their roar and trampling. We’ve got to distract them. They should be watching the Superbowl or sitcoms or violent movies. Every once in a while you call on them to chant meaningless slogans like "Support our troops." You’ve got to keep them pretty scared, because unless they’re properly scared and frightened of all kinds of devils that are going to destroy them from outside or inside or somewhere, they may start to think, which is very dangerous, because they’re not competent to think. Therefore it’s important to distract them and marginalize them."

p32
"Democracy was regarded as entering into a crisis in the 1960s. The crisis was that large segments of the population were becoming organized and active and trying to participate in the political arena."

Poderia citar o "Manufacturing consent" mas isto ja vai longo...

O problema, a fragilidade estrategica de fundo e sempre o mesmo: "esta gente" sao poucos, os outros sao mesmo muitos mais - cada vez mais a medida que as desigualdades implicitas nos sistema de controlo em vigor sao concretamente realizadas - (explicitadas?).
Neste sentido diria que nao e uma questao de "devermos ficar contentes" mas sim "um relembrar das razoes do nosso contentamento".

PS
Esta sua passagem e deliciosa:
"para já não falar no uso de telemóveis para tirar fotos de negociações orçamentais, o que deu todo um campo visual de aplicações para a política orçamental.
Agora volta à carga, com a mesma sofisticação e honra de sempre, com o conceito de “vírus ideológico”, todo um programa biopolítico"

Muito, muito bom
:D