E certa comunicação social tende a fazer eco dessa intervenção - seja a de Marcelo Rebelo de Sousa nos assuntos governamentais, seja a de forçar a uma mudança da política do Governo.
Tudo como se fosse o mais natural.O Publico de hoje faz um destaque (paginas 2 e 3) - assinado por Leonete Botelho, jornalista que é presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista - que se assemelha mais a um microfone aberto a Belém do que um artigo de um jornal de referência e ainda por cima num espaço nobre do jornal.
"O Presidente da República decidiu tomar a liderança política do processo e ouvir, em contra-relógio, representantes das duas facções que se vão extremando — os “sanitaristas” e os “des- confinadores radicais” — à procura da convergência possível para a próxima etapa. "
É mesmo essa a clivagem principal?
“Alguém tem de tentar falar com todos, manter pontes e perceber se é possível encontrar um consenso sobre a forma como vai evoluir a pandemia e quais as medidas que as pessoas aceitem e que sejam fundamentais, porque, se não há medidas eficazes, vamos chegar a medidas mais radicais que têm um preço maior em termos económicos e orçamentais”, ouviu o PÚBLICO de fonte próxima do Presidente. Esse trabalho está a ser feito 'em articulação com o Governo', garante a mesma fonte.
Alguém acha que Marcelo está a ouvir as diversas entidades por causa das "medidas eficazes"? É por isso que chama a Belém os vários bastonários da Ordem dos Médicos que protagonizaram um episódio em que quiseram forçar o Governo a contratar o sector privado da Saúde? Como se a direita estivesse no poder, Marcelo chama ainda a bastonária da Ordem dos Enfermeiros - que esteve à frente de uma greve prolongada a operações cirúrgicas apenas no sector público e, mais recentemente, foi abraçar um amigo à Convenção do Chega - e os ex-ministros da Saúde à direita, como Campos e Cunha, Paulo Macedo e - pasme-se! - Maria de Belém Roseira, ligada actualmente ao sector privado da Saúde, além das confederações patronais, sector social e, para compor o ramalhete de barões e corporações, os sindicatos.
Alguém ainda duvida que Marcelo quer decretar o estado de emergência
para - ganhando protagonismo em véspera eleitoral - forçar a adopção de medidas contra a
vontade do Governo (António Costa, na entrevista que deu ontem à TVI, já marcou a sua posição contra)? Pior: quando intervém, fá-lo provocatoriamente de forma desproporcionada, numa deriva securitária - sendo depois obrigado a recuar -, como aconteceu
com os diversos decretos presidenciais em que, a talhe de foice, proibiu o direito à greve e
à participação dos trabalhadores na discussão de diplomas e até o direito à revolta...
Mas para a jornalista a intenção é a melhor e o necessário. Chega mesmo a afirmar pela sua pena:
"É, portanto, previsível que o patamar que se segue seja mesmo a declaração do estado de emergência, apenas para dar segurança jurídica a medidas que possam tornar-se necessárias, como a declaração do recolher obrigatório ou confinamentos cirúrgicos de freguesias ou concelhos. A três meses das eleições presidenciais, o Presidente é, pois, obrigado a expor-se mais do que desejaria [até para levar a vacina da gripe teve de despir-se da cintura para cima] e volta ao ponto de partida, tentando coser um país partido ao meio, agora por causa da pandemia."
É "obrigado a expor-se"? Ele intervém onde não deve, quer ter o protagonismo na vésperas de eleições e a culpa é dos outros? Nem um assessor de imprensa faria melhor.
PS:A imagem desta texto é do filme Eles vivem de John Carpenter, que retrata a resistência humana a uma invasão extraterrestre, já presente nas esferas do poder e da comunicação social e que apenas é perceptível para quem tenha certos óculos escuros.
6 comentários:
Por acaso, desta vez concordo. Agora, deixe lá o seu fascínio pela série B, ainda por cima por um filme medíocre do Carpenter. Já não bastam os vilões de cadeira de rodas a serem despejados pelas chaminés das fábricas, pois não? O assunto é demasiado sério e os 'vilões' desta estória são simplesmente pessoas que calham de pensar diferente de nós...
Caro Jaime,
Algo deve estar errado: andamos a concordar muitas vezes ;-)
E talvez tenha razão quanto à imagem: pode desvalorizar pessoas que pensam de forma diferente. Mas julgamos que lemos um jornalista, e acabamos a sentir a mensagem a correr por detrás, que por acaso já ouvimos noutro lado, que já ouvimos no discurso directo de alguém numa reportagem televisiva... É demasiado esta hegemonia, sem que - parece - outras pessoas a sintam.
"Eles vivem" pode ser série B ou C ou D, mas é capaz de ser melhor que muitas "velocidades furiosas" que por aí andam.
De facto, há um uníssono entre as forças da direita, que se ergueram num clamor para tentar empurrar o venturazinho nas sondagens.
O uníssono tem um paralelo muito vincado com o filme de Carpenter.
A esquerda, não tem força para nacionalizar o sector privado e nem nisso fala.
Aliás dá-lhe mais gozo substituir-se a um sector privado que promoveu para que lhe libertasse meios para outras muitas acções que lhe preenchem a sua 'elevada' sensibilidade social.
Na primeira oportunidade, invariavelmente à conta de dívida, tratam de tornar esses meios privados excedentários e imuteis por entre loas à bondade do Estado e festejos pela destruição de valores privados.
Assim foi no ensino, assim querem nos serviços de saúde.
Vale a pena ler o artigo de opinião do Pedro Tadeu no Diário de Notícias. Claro como a água.
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/pedro-tadeu/podemos-confiar-nos-hospitais-privados-12944409.html
Lembro-me da primeira vez que vi este filme e de ter ficado com essa impressão de entretenimento de baixa qualidade.
Após alguns anos deixei de o analisar através de uma perspectiva cinéfila convencional e concentrei-me na mensagem, muito mais importante que o argumento estafado do herói macho que se envolve numa exageradamente extensa cena de porrada, os efeitos especiais ou a fotografia.
Acho que é óbvio que o filme é, simplesmente, uma ilustração da nossa cegueira e conformismo no que respeita aos "imputs" informativos com que somos bombardeados.
A sua actualidade é evidente nesta época de "pandemia"(como lembra o João) em que todos temos noção de que existe uma narrativa com agenda mal explicada que nos é imposta -até reconhecemos alguns infiltrados (que nem sequer disfarçam)- mas temos medo de colocar os pindéricos óculos de plástico e descobrir o mundo podre que estes nos podem revelar.
Vieira
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