sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Marcelo ajuda a empurrar

(Notas retiradas da  newsletter do Expresso).

“Por que nos estão a empurrar?”, perguntou a ministra da Saúde em entrevista à TVI a propósito das críticas que o atual bastonário dos médicos e cincos ex-bastonários lhe fizeram. Já “existe colaboração com os privados e o sector social”. Se for necessário contratar privados ,“o Estado assim o fará”, frisou, devolvendo uma pergunta: “Por que nos estão a empurrar?” A epidemia em Portugal “não está a disparar”, disse esta noite a ministra da Saúde, “está a crescer”. 

Claro que, em situação de emergência - a tal emergência, que quando surgiu em Março passado, o sector privado não quis acudir porque perdia dinheiro - os doentes não deverão ser as vítimas. Mas a solução passa por um reforço efectivo, substantivo e eficaz da capacidade pública; e não por paliativos, meias soluções, medidas para inglês ver ou boicotadas por cativações orçamentais à la Centeno ou atrasos concursais que apenas reforçarão o recurso ao sector privado, contribuindo para  o financiamento do sector privado, dos investidores que apostam num dos negócios mais lucrativos, depois das armas e da droga (Luz Saúde dixit): viver sobretudo à sombra das ineficiências criadas artificialmente há décadas no sector público, financiado por impostos cobrados aos cidadãos através dos serviços do próprio Estado, através de seguros artificialmente subsidiados pelo Estado (benefícios fiscais) ou através até do sistema de protecção dos funcionários do Estado  (caso da ADSE cujos descontos financiam anualmente o sector privado da Saúde em centenas de milhões de euros como se poder ver aqui). É tudo bom.  

Se a ministra não percebe por que a estão a empurrar, já Marcelo Rebelo de Sousa até "percebe a atitude do senhor bastonário". 

“Percebo a atitude do senhor bastonário da Ordem dos Médicos e de alguns antigos bastonários, preocupados com aquilo que eu entendo que é fundamental que os portugueses tenham a certeza de que existe, que é a capacidade de resposta do SNS e do sistema nacional de saúde em geral”. E até vai falando do "risco de rutura" do SNS, mesmo que, ao falar, afaste o cenário “que permita antever uma rutura no SNS e no sistema de saúde em geral”. 

Claro que Marcelo percebe o bastonário: ainda no ano passado, não foi ele quem dizia que a nova Lei de Bases da Saúde tinha de ser feita necessariamente com a direita, em defesa de um Sistema Nacional de Saúde (com os privados), mesmo que a esquerda estivesse em maioria no Parlamento, para defender o SNS? Que nem iria ler o projecto se não fosse feito com essa direita? Agora, Marcelo - ultrapassando mais uma vez as suas competências e entrando nas de Luís Marques Mendes - adianta mesmo que, como se fosse uma grande novidade, "já há contactos entre o SNS e os privados":

“Sabemos que, se houver um agravamento da situação, já há contactos que permitem a colaboração de outros setores, nomeadamente privado e social, mas privado em particular, com o SNS em termos de internamento e de cuidados intensivos, quer quanto a doentes Covid quer quanto a doentes não Covid". E até dá pormenores: Os "contactos" visam "libertar camas e estruturas de cuidados intensivos para doentes Covid”.

 E até lá volta a insistir com a importância do Sistema Nacional de Saúde“:

"O que me foi dito foi que há condições para alargar os recursos disponíveis no quadro do SNS ou com o contributo nomeadamente do setor privado no quadro do sistema nacional de saúde em geral, que existem e que serão utilizados e disponibilizados à medida das necessidades”, afirmou. 

Ele, Marcelo que - relembre-se mais uma vez o seu passado - nunca ligou peva ao SNS. Mas agora tudo faz no seu macro sistema de pensamento em dar a mão, sempre que pode, aquilo que julga ser o discurso dos interesses de direita. 

9 comentários:

Jose disse...

Realmente a oportunidade é excelente: a UE não chateia com o défice, há dinheiro disponível para empréstimos, há pressão sobre os serviços.
Depois...com os privados a terem de se dedicar ao turismo clínico ou a vender ao desbarato, com a despesa permanente garantida e acrescida pelas justas lutas, o futuro de um país mais saudável e mais falido estaria consolidado.

Anónimo disse...

Só falta dar os nomes dos privados.
Convinha também deixar de chamar sector social às santas casinhas.
São tão privadas como os mellos/cuf.

Anónimo disse...

O cinismo dos governantes portugueses é indisfarçável.

Arber disse...

Por favor, corrija lá a referência à ADSE como sendo um seguro do Estado.
É um erro grosseiro que se vê muito frequentemente repetido.
A ADSE é um sistema totalmente financiado pelos seus beneficiários, funcionários públicos do activo e aposentados, que descontam mensalmente 3,5% dos seus vencimentos ou pensões.
Espero ver a correcção.
Obrigado

Tavisto disse...

A “coisa” já vinha a ser preparada há muito tempo, a pandemia só veio acelerar o processo de transformação do Serviço Nacional de Saúde em sistema nacional de saúde, pondo setores social e privado no mesmo patamar do serviço público (SNS). Não chegou a entrega a estes grupos dos dinheiros provenientes dos subsistemas públicos, dos quais a ADSE representa a maior fatia, agora querem fatias crescentes do orçamento de estado para o sector. Irão até onde lhes for permitido, o que menos conta para quem defende esta via é a universalidade dos cuidados de saúde.

João Ramos de Almeida disse...

Caro Arber,
Talvez não me tenha expressado devidamente: pretendia referir-me ao regime de protecção dos funcionários públicos que, na prática, funciona como um seguro. Já emendei. Obrigado.

JE disse...

Jose bem tenta.

Mas aquele retrato sobre os "pobres privados", surpreendidos pelo "turismo clínico", ou pela venda "ao desbarato", ou esmagados com "a despesa permanente garantida e acrescida pelas justas lutas", faz lembrar ou não aquela sua conversa da treta sobre os "coitadinhos"?

Sem o nomear,não se adivinham as lagrimazinhas e os soluços por tão grandes salafrários? Que se misturam com a baba que se desprende dos abutres que pairam sobre a saúde dos portugueses?

( a referência às "justas lutas" é apenas a marca patronal,imprimida de forma pavloviana por jose. Não é para dar troco. Ele prefere mesmo os porno-ricos... e os seus queridos terratenentes banqueiros)

Arber disse...

Vi a correcção, obrigado.

Anónimo disse...

Não é o cinismo dos nossos governantes, assim dito desta forma asséptica

São os empurrões de Marcelo, ao lado de alguns bastonários, que se colocam ao lado das forças neoliberais que irrompem pela saúde

São os tipos com vários sotaques a pedirem mais PPP e mais transferências do dinheiro público para o bolso dos privados.

Há quem tente apontar com banalidades para esconder a realidade