sábado, 10 de outubro de 2020

Combate à crise: endividem-se agora e depois logo se vê?

A dimensão inédita da crise que atravessamos tem exigido um esforço orçamental significativo para lidar com as consequências da pandemia, tentar garantir que as empresas se mantenham à tona e que o desemprego não se alastre. Para muitos países, isso significa recorrer a dívida. Na quinta-feira, a economista-chefe do Banco Mundial, Carmen Reinhart, dirigiu um apelo aos países para que se endividem de forma a financiar os esforços de combate à crise. Embora muitos países em desenvolvimento tenham dificuldade em recorrer a crédito por enfrentarem condições de financiamento desfavoráveis ou já terem dívidas elevadas, Reinhart diz que este não é o momento para hesitações. “Primeiro, preocupas-te em travar a guerra, depois procuras perceber como pagá-la”. Afinal, para a economista, não parece haver grande alternativa: “enquanto a doença se alastra, o que mais é que se pode fazer?”.

À partida, a posição parece sensata. Mas a verdade é que Reinhart ganhou prestígio na academia a defender a posição diametralmente oposta. Há 10 anos, a economista publicou um artigo com Kenneth Rogoff em que defendia que a dívida pública acima de 90% do PIB seria um entrave ao crescimento económico. Em “Growth in a Time of Debt” (Crescimento em Tempos de Dívida), os autores argumentavam que o crescimento médio das económicas com uma dívida pública abaixo de 90% do PIB andavam à volta de 3%/4%, mas que este valor caía para -0,1% quando a dívida ultrapassava os 90%. Além disso, o endividamento excessivo levaria a uma reação dos mercados, que penalizariam o país com taxas de juro mais elevadas e agravariam a sua situação financeira. Tratava-se de um argumento poderoso contra o endividamento público.

Paul Krugman, nobel da Economia, explicou que o artigo do duo “Reinhart-Rogoff pode ter tido um impacto imediato no debate público maior do que o de qualquer outro artigo na história da Economia”, sobretudo por fornecer uma resposta simples aos governos que se viam a braços com a crise financeira de 2007-08. Isto foi antes de três economistas norte-americanos, Thomas Herndon (estudante de doutoramento), Michael Ash e Robert Pollin, descobrirem vários erros metodológicos no tratamento dos dados e em cálculos. Os erros colocam em causa a relação que os autores tinham estabelecido entre o valor da dívida e o crescimento económico dos países e invalidam a sua conclusão. Mas o dano estava feito: durante anos, vários governos e instituições internacionais recorreram ao trabalho da agora líder do Banco Mundial para justificar a necessidade de apertar o cinto, cortar despesas, conter o investimento público e priorizar a redução dos défices e da dívida pública – numa palavra, austeridade. Na Europa, o resultado foi o prolongamento da recessão que dizimou os países da periferia e teve como consequência uma década de estagnação económica. Daí que esta mudança de posição seja, sobretudo, tardia.

Agora, a líder do Banco Mundial reconhece que a dívida é necessária para responder à crise. Mas não é clara sobre a forma de a pagar no futuro. E aqui as coisas complicam-se, porque a tentação para regressar a medidas de austeridade quando o vírus estiver contido é demasiado grande. Se é certo que, nas economias avançadas, a resposta tem de passar pela redefinição do papel dos bancos centrais e pelo financiamento monetário da despesa, também é certo que isso não reduz a necessidade de debater a reestruturação da dívida, sobretudo a de países em desenvolvimento. Em ambos os casos, o essencial é que o endividamento no presente não seja assumido com a contrapartida de imputar os seus custos aos mais vulneráveis através de nova vaga de austeridade no futuro. Dada a importância que o Banco Mundial pode ter nesta mudança de orientação, talvez seja uma boa oportunidade para se perceber se aprenderam verdadeiramente com os erros do passado.

21 comentários:

Anónimo disse...

Num ocidente desindustrializado, a única forma de obter lucros é pela especulação financeira, praticamente limitada a comprar e vender obrigações dos estados.
As ações das empresas privadas são um mercado pouco recomendável.

Jose disse...

Tudo se configura para que os países com moedas com curso universal emitam toda a moeda necessária para si e para acudir a todos.
O que parece certo é saber-se o que não se quer como consequência; qual seja a inevitável consequência ninguém se ocupa em esclarecer.

Para a Posteridade e mais Além disse...

com a dívida enorme que temos se esta crise durar 3 ou 4 anos dificilmente poderemos sustentá-la (â dívida) sem auxílios da comunidade e do BCE

Anónimo disse...

Não ocupa em esclarecer?

Ocupa, ocupa. Este tem andado distraído desde que andou a vender troikices sobre o TINA

E mais além

JE disse...

Pimentel ferreira vê mais além.

O que fazer?

Aproveitar a crise para ver ainda mais além do que a posteridade do pimentel ferreira

Sem néscios holandeses nem trafulhas alemães


Jose faz uma curiosa referência a um "acudir a todos". Relevemos o facto porque o facto não tem ponta por onde se lhe pegue.
Já a "inevitável consequência" merece mais atenção.Aquela que resultou da governação da dupla Passos/Portas e apêndices austeritários?

É aproveitar o balanço e acabar com esta agiotagem exploradora

Jaime Santos disse...

Os credores aceitam normalmente a reestruturação da dívida quando percebem que essa é a solução menos má para eles (melhor do que um default descontrolado) e não o fazem sem condições (leia-se austeridade). Se alguém espera que quem empresta dinheiro o faz por motivos altruístas, está redondamente enganado.

Daí que a solução possa passar precisamente por se evitar a contração de dívida. É curioso que aqueles que à Esquerda defendem o endividamento com o argumento dos juros baixos, caiam precisamente no erro dos que pensam que o futuro será mais ou menos como o passado. Normalmente é pior. De onde a prudência recomendaria que não se contraísse dívida...

Anónimo disse...

Krugman que apelava ao banco central do Japão para implementar o quantative easing, para estimular a economia, quando o Japão já havia tentado estimular a dita com o dito e tudo tinha falhado.
E tinha falhado porque os empresários JAPONESES já estavam suficientemente endividados e evitaram pedir mais aos bancos, para o que teriam de dar garantias colaterais e, provavelmente, acabar a dormir na rua.
Se calhar, não seria bem a economia que o krugmanzito queria estimular.

Ana Maria disse...

Vicente Ferreira partilha do seu dogma de que a dívida e o défice são assuntos menores e à conta desta cantiga de embalar incautos já vamos com mais de 130% de dívida. Qual seria o limite aceitável para Vicente Ferreira? 180% como tem a Grécia? 200% como tem o Japão, embora neste caso seja maioritariamente detida por nacionais? E porque não dá Vicente Ferreira o exemplo da Estónia, que já nos ultrapassou em PIB per capita e tem apenas 8% de dívida? É um dogma achar que o país só se desenvolve estourando dinheiro a crédito. E dar voz a Vicente Ferreira é perigoso, pois foram estas ideias que nos levaram à bancarrota várias vezes. É sinal que somos estúpidos enquanto coletivo, pois não aprendemos com os erros do passado. Vicente Ferreira deveria perceber que o que se paga de juros é proporcional ao valor da dívida, e quanto maior o encargo com juros mais dificil é libertar-se do garrote.

Geringonço disse...

Artigo de hoje de Bill Mitchell

“Quando o desastre atinge as nações mais pobres, o FMI garante que agravará a situação”

“Se tudo isto não nos diz que o sistema neoliberal passou dos limites da decência e rebelião é necessária então o que mais é necessário?”

“Deve ser dissolvido (o FMI) imediatamente através da remoção de fundos dos Estados nacionais e uma nova instituição progressista multilateral deve ser criada com a função de ajudar as pessoas, não para as punir.”

“A longa e sórdida história das “políticas de ajustamento estrutural” do FMI mostrou que foram um desastre. O FMI e o Banco Mundial são instituições que servem para facilitar o movimento de rendimento dos pobres para os ricos.”

“Os países em desenvolvimento que procuram financiamento do FMI e Banco Mundial foram forçados a adoptar políticas neoliberais que incluíam duras medidas de austeridade como condição para o apoio internacional”

“E agora na pior crise que atingiu atingiu a humanidade de que há memória, os funcionários do FMI, confortáveis nos seus empregos bem pagos, estão repetindo esta fórmula, que terá resultados terríveis semelhantes.”

“Claramente, o FMI e o Banco Mundial ultrapassaram o seu propósito original e deixaram de desempenhar qualquer papel positivo na gestão dos assuntos mundiais.”

“Em vez disso, suas intervenções minaram a prosperidade e empobreceram milhões de pessoas em todo o mundo.”

http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=46098


“Dada a importância que o Banco Mundial pode ter nesta mudança de orientação, talvez seja uma boa oportunidade para se perceber se aprenderam verdadeiramente com os erros do passado.” - Vicente Ferreira

Não Vicente, não aprenderam nem querem aprender. O FMI e Banco Mundial são ferramentas de opressão, tal como é a Comissão Europeia e a Zona Euro. E os seus “erros” não são erros são actos de vandalismo económico deliberado, a Troika (BCE, FMI, Comissão Europeia e governos nacionais) sabia muito bem o que estavam a fazer.
Tal como Bill Mitchell diz, estas organizações não servem o propósito do progresso humano, servem o propósito decadente das classes dominantes, isto é muito claro no caso da União Europeia e Euro desde a sua implementação com o Tratado de Maastricht.

Geringonço disse...

Ò " Ana Maria" para quando a bancarrota do Japão?

E não meta a Grécia, Portugal e qualquer outro país da zona Euro no mesmo grupo de países monetariamente soberanos como o Japão!

E diga lá "Ana Maria" quando é o que défice e a dívida são problemas para os EUA quando decidem começar uma guerra "humanitária" no Médio Oriente?
Para quando a bancarrota dos EUA "Ana Maria"?

Ana Maria disse...

Geringonço questiona-se "para quando a bancarrota do Japão?"

Não só a maioria da dívida japonesa é detida por nacionais, ao contrário da nossa, como o Japão tem crescimentos anémicos desde há décadas, aliás como nós. O que nós pagamos de juros é equivalente a um SNS por ano. Quer pagar ainda mais?

Geringonço disse...

"Ana Maria", tenho que insistir, quando é que o Japão, EUA, Reino Unido, Canada, países que criam dinheiro do nada para se financiar, entram em bancarrota?

"Ana Maria", dê-me uma data para a bancarrota destes países!

E já agora, o Japão certamente terá os seus problemas mas entre o Japão e o Chile (país exemplo dos neoliberais) qual é o mais o mais desenvolvido?

Para um país tão longo como o Chile (que os neoliberais tanto adoram) um comboio bala, como o do Japão dava jeito, que pena o "sucesso" neoliberal chileno nunca ter produzido tal coisa...

E nem o desenvolvimento do Japão se deveu seguindo as políticas da Troika, um facto inconveniente para as "Ana Marias"...

Paulo Marques disse...

Mais uma defensora da ideia que os capitalistas japoneses não gostam de ganhar dinheiro e não querem actuar para ter rendas. Certo. Quando a dívida desaparecer por o juro ser 0% há anos, será também milagre, de certo, e converter-se-â ao Shintoismo.

Ana Maria disse...

Geringonço, não compare laranjas com tomates. O Chile é o país socialmente mais próspero da América do Sul, estando no topo no índice de desenvolvimento humano na América do Sul.

Esses países não vão à falência porque criam dinheiro, certo. Mas a esquerda em Portugal a única coisa que pede é mais despesas públicas que geram mais déficit e mais dívida.

Geringonço disse...

O Chile denuncia sempre o Pimentel, a tentação que o Chile do Pinochet-FMI exerce nos neoliberais é irresistível!

Ana Maria disse...

Geringonço, foi V. Exa. que trouxe o Chile a propósito. Os factos estão aí: o Chile - esse inferno neoliberal - está em primeiro lugar no índice de desenvolvimento humano da ONU na América do Sul.

E lembra-se do tempo que que tínhamos soberania monetária e o Banco de Portugal fazia exatamente o que refere? Tivemos também duas intervenções do FMI e a inflação era um problema grave (em 1984 foi de cerca de 30%). Na sua ideia, como resolvemos então o problema da inflação? Sinceramente parece-me que estamos todos mal habituados a não ter de lidar com os graves problemas da inflação e em como esta depaupera salários, pensões e rendimentos.

A esquerda política em Portugal, como tem consciência de que não há inflação, insistentemente provoca aumento da despesa pública, que gera défice, que gera dívida, que gera dividendos para o grande capital e para os agiotas. Na prática e de facto é isso que se passa, independentemente da ideologia que cada um apresenta, temos a esquerda parlamentar a promover os dividendos dos grandes agiotas e dos grandes capitalistas que vivem dos rendimentos gerados pelos juros da nossa dívida gigantesca.

Esse é o segredo que ninguém lhe conta!

JE disse...

O tal que passava aqui o tempo a citar ( mal ) Bill Mitchell, aparece agora com o nickname de "geringonço". Destapa-se a panela

Que não é outro senão joão pimentel ferreira.

João pimentel ferreira por acaso também usa o nickname de "ana maria"

"Ana maria", que é joão pimentel ferreira, "dialoga" com "geringonço" que é também "joão pimentel ferreira".

Ou seja, joão pimentel ferreira debate com joão pimentel ferreira, aproveitando as dicas que joão pimentel ferreira dá


É baixo? É. É de neoliberal sem escrúpulos

JE disse...

Sobre o Chile veja-se a propósito o que outros nicks de joão pimentel ferreira disseram...

Agora repescados desta forma fofinha por "ana maria", aliás JPF. Que responde ao "geringonço", aliás JPF.

https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2019/11/explicacoes-ha-muitas.html

O paleio é o mesmo. O cheiro fétido também


JE disse...

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2018/07/urgente-clarificacao.html

Eis um link para se verificar que afinal a "ana maria" é uma catatua que repete o mesmo, algum tempo depois de ter dito as mesmas sandices

Claro que na altura ela aparecia sob a designação de joão pimentel ferreira, aonio eliphis ou "anónimo"

Um mimo

Agora quer mais trela

JE disse...

Entretanto a "coisa" tem-se repetido ao longo do tempo. Há trastes assim, Depois de serem demolidos sob o ponto de vista argumentativo, voltam com a mesma idiotice. Com outros nicks, a tentarem arrastar a discussão para os fundilhos das calças neoliberais

Basta ver aqui alguns exemplos:
https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2016/10/hoje-le-monde-diplomatique-edicao.html

https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2016/12/tiveram-e-tem-razao.html

https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2016/12/ciao-renzi.html

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2017/10/a-economia-politica-do-banco-central.html

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2017/12/repescado.html

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2017/12/estamos-fritos.html

Mudam-se os nicks...mudam-se as moscas ... mas....

Ana Maria disse...

Que saudades que eu tinha do nosso camarada algarvio.