O recente aumento do número de infetados, um pouco por toda a Europa, está a criar uma ideia de mimetismo face à primeira vaga da pandemia. E o facto de esse aumento de casos ser vertiginoso - sobretudo desde meados de setembro à escala europeia e desde o início de outubro no caso português - a par de uma comunicação social tendencialmente propensa ao empolamento da situação em geral (não distinguindo a evolução diferenciada dos contágios relativamente a internamentos e óbitos) em muito contribui para a consolidação dessa ideia.
Contudo, como já se assinalou aqui e aqui, o perfil da segunda vaga está a ser, até agora, substancialmente distinto do da primeira. Por um lado, porque se o número atual de casos quase triplica na Europa face ao valor registado no pico da primeira vaga (sendo cerca do dobro no caso português), em termos de número de óbitos a evolução é inversa. De facto, apesar do aumento recente, o número de óbitos situa-se hoje num valor que é cerca de 7 e 3 vezes inferior, respetivamente na Europa e em Portugal, face ao registado na primeira vaga. Ou seja, e por razões muito diversas, a letalidade na segunda vaga é muitíssimo inferior à da primeira.
Em segundo lugar, e na ausência de medidas drásticas de confinamento, a evolução registada até agora aponta para que a segunda vaga venha a ter, em termos de aumento de contágios, uma duração bem maior que a primeira, refletindo a retoma progressiva da vida económica e social, que potencia um acréscimo do número de casos. Se a diferença entre contágios, por um lado, e internamentos e óbitos, por outro, mantiver o registo verificado até aqui, esse aumento de casos não será problemático. Em contrário, ou seja, se o número de internamentos e óbitos começar a acompanhar o ritmo de aumento do número de casos, as coisas realmente complicam-se. Mas até agora não estamos, de facto, a regressar à situação vivida no passado mês de março.
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7 comentários:
Gostava que alguém me explicasse a razão porque as infeções continuam a desbastar lares de idosos.
Sendo já espaços confinados, onde só entra quem está autorizado, e só deverá entrar se cumprir estritas regras de segurança, porque é que a doença se espalha tão facilmente nestas casas?
O facto de terem encerrado já 606 lares ilegais não esconde o facto de continurem a surgir casos nos legais.
Bem, talvez a ordem dos médicos tenha uma explicação, eles que tudo sabem...ou talvez não...
Aprecio a intervenção serena, fundamentada e desdramatizadora do post.
Também acho que a letalidade diminuiu, mas tem que se ter algum cuidado nas comparações com a primeira vaga da pandemia. Na altura, a esmagadora maioria dos contágios não eram detetados nem oficialmente registados, nomeadamente daqueles que não apresentavam sintomas ou apenas apresentavam sintomas ligeiros. Isso agigantava artificialmente a taxa de letalidade.
Contudo, em termos reais, a letalidade diminuiu, basicamente porque já temos alguma experiência, conhecemos melhor o vírus e sabemos melhor como lidar com ele. Há maior cuidado na proteção dos idosos, a camada que contribui para a maioria dos óbitos (embora se mantenha uma deplorável situação em muitos lares). E o acompanhamento e os tratamentos médicos melhoraram e são mais eficazes.
Atenção que vamos começar a ver no nr de novos casos que apregoam diariamente, os casos de gripe. Juntam tudo e depois daqui a umas semanas virão dizer que neste inverno não houve muitas gripes. Vão ver sff os relatórios que já sairam sobre a situaçao da gripe e até agora consta lá que há zero casos de gripe.
É verdade que, por enquanto, ainda não estamos em Março mas, olhando para o número crescente de internados e em unidades de cuidados intensivos, para lá caminhamos a passos largos. Se reparamos, também, no que se passa noutros países europeus há razões mais que suficientes para anteciparmos o pior. Assim sendo, temos de nos preparar para minimizar as consequências da pandemia. Os responsáveis parecem estar cientes disso. O anúncio da abertura de unidades hospitalares de retaguarda um pouco por todo o País é uma boa notícia pois, mais do que na primeira vaga, irão ser agora necessárias para fazer face ao previsível flagelo social.
Talvez o anónimo das 10 e 34 não saiba que a gripe é uma doença de carácter sazonal.
E que se for ver os relatórios sobre a gripe de há um ano, por esta altura, estes reproduzem os casos deste ano.
Pelo que o juntar e apresentar tudo ao molho faz lembrar aquele outro tipo de que não me lembro o nome
Acresce que é provável que de facto haja muito menos casos de gripe este ano. O uso de medidas de distanciamento social e de máscaras fará inevitavelmente baixar o número de casos de um vírus que se transmite sobretudo pela via aérea, como é o caso do da gripe
E há outro dado. Os vacinados este ano contra a gripe serão em número muito maior, o que terá consequências no número e na gravidade dos casos de gripe.
Caro Nuno Serra,
Volto a lembrar que as comparacoes entre a primeira e segunda vagas do SARS-CoV 2 tem de ser feitas com muito cuidado. A verdadeira prevalencia do virus na populacao em Marco foi grosseiramente sub-estimada em nr de casos confirmados porque simplesmente nao existia a infra-estrutura para testar suficientemente a populacao.
Quanto a comparacoes de mortalidade mais uma vez e preciso muita precaucao: as terapias entretanto desenvolvidas permitem taxas de sobrevivencia superiores (passou-se de 70% de probalidade de sobrevivencia a uma hospitalizacao para 80 ou 85%) - alem disso, os servicos hospitalares nao estao a rebentar pelas costuras agora.
O numero de internamentos e a melhor metrica de comparacao: porque aqui nao houve grandes evolucoes desde Marco - os grupos de risco de desenvolvimento de quadros clinicos graves sao os mesmos, o virus nao mudou substancialmente desde Marco - a virulencia permanece quase igual - e aqui se ve como o numero de internamentos ainda estao bastante abaixo de Marco, isto porque a verdadeira prevalencia agora na populacao e inferior ainda ao que aconteceu durante o pico de Marco.
Cuidado com as comparacoes - comparar o que e comparavel por favor.
Caro Nuno Serra,
Uma adenda a minha nota anterior. So hoje tive tempo para olhar com mais atencao para os numeros portugueses.
O seu post esta, no essencial, errado - as coisas sao aquilo que sao...
O numero de internamentos diarios e de internamentos em UCI sao agora comparaveis com os valores de Marco. O pico destas duas variaveis registou-se em finais de Marco, principio de Abril. Seguramente Portugal la chegara algures esta semana ou na proxima. Isto quer dizer 2 coisas no curto prazo:
1 - a prevalencia verdadeira de agora e semelhante a prevalencia verdadeira de Marco/Abril
2 - daqui por 2, 3 semanas no maximo, a mortalidade diaria sera semelhante ao pico epidemico de Marco/Abril em Portugal (talvez inferior - ate 15% inferior - porque as taxas de sobrevivencia sao agora melhores).
A medio prazo, considerando que:
a) a virulencia do virus permanece inalterada
b) a vacina ainda nao esta disponivel
c) Portugal nao adoptou medidas de confinamento geral como em Marco
O resultado sera que esta segunda vaga ou segundo pico epidemico continuara a evoluir desfavoravelmente e sera pior que em Marco/Abril.
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