quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Covid-19: até onde vai a redescoberta do papel do Estado?

Desde o início da pandemia, a mudança de tom de comentadores de referência no debate sobre governação económica e políticas públicas tem sido notória. Ontem, foi novamente a vez de Martin Wolf, conceituado colunista do Financial Times que tem assumido posições até há pouco tempo relegadas para as margens do debate económico. No seu artigo de ontem sobre a resposta à crise, deixa um aviso certeiro: o maior risco para os governos é não aumentarem a despesa e deixarem que a recessão se acentue.

"Os governos podem dar-se ao luxo de gastar. Aquilo a que não se podem dar ao luxo é não o fazer, deixando que as economias vacilem, que as pessoas se sintam abandonadas, que as cicatrizes económicas se agravem e que as economias se vejam presas numa trajetória permanente de crescimento inferior", escreveu. 

No fundo, durante a recessão profunda que atravessamos, em que a maioria dos agentes económicos recua nas suas decisões de consumo e investimento devido à enorme incerteza sobre o futuro, o Estado é o agente que pode intervir para estimular a economia e contrariar o ciclo. Uma resposta expansionista que proteja os rendimentos das famílias e promova o investimento público arrasta consigo, como consequência, o investimento privado, a atividade económica e o emprego, evitando que a retoma seja lenta e que as "cicatrizes económicas" se aprofundem. É a velha ideia de que a atuação do Estado tem um efeito multiplicador na economia como um todo, concebida por Keynes há quase um século.

Essa é, de resto, a mesma conclusão a que chegam os investigadores do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI no relatório publicado recentemente: no atual cenário, um aumento de 1% do PIB no investimento público de um país pode levar a um aumento de 2,7% do PIB em dois anos. O Banco Mundial, pela voz da sua presidente, Carmen Reinhart, também já apelara ao endividamento dos Estados de forma a financiar a resposta à recessão. A mudança de posição parece ser, por isso, transversal a economistas convencionais e instituições de referência, os mesmos que estiveram associados à resposta pró-cíclica e austeritária após a última crise. Talvez se tenha aprendido algo com os erros da última década.

Mas há uma incógnita que subsiste: a de saber se, depois de contida a pandemia e reduzido o risco de contágio, estas instituições continuarão a mostrar-se compreensivas face a governos significativamente mais endividados. A pandemia trouxe um aparente consenso sobre o problema do subfinanciamento dos serviços públicos essenciais na resposta à crise, consequência da estratégia de austeridade. Mas a palavra é para manter? Ou veremos o consenso a ser destruído quando os mesmos que hoje o sustentam vierem justificar uma nova vaga de contenção da despesa e degradação dos serviços públicos em nome do pagamento da dívida?

3 comentários:

Anónimo disse...

Esperemos que a resposta em Portugal vá além da resposta habitual: proteção das elites CALOTEIRAS, com calotes pagos pelo contribuinte, proteção das identidades dos CALOTEIROS e licença para pedir mais ainda aos mesmos bancos.
Para os restantes 99% da população, vai a conta do "jantar".
A pequena-burguesia Portuguesa julga-se muito sofisticada mas, como diria Santos Silva, não passa de uma "feira de gado"

Anónimo disse...

Tudo dito na pergunta final.
Já vimos este filme.
Excelente texto.

Para a Posteridade e mais Além disse...

contida a pandemia com vacinas cuja eficácia anda pelos 50 por cento é uma quimera