domingo, 11 de dezembro de 2011

Para tempos trágicos

Será na esfera pública, dando visibilidade a ideias disponíveis que são alternativas viáveis à tragédia europeia em curso, que poderá deter-se o colapso social que se anuncia. O projecto neoliberal deve grande parte da sua capacidade de implantação ao facto de não dizer o seu nome, de não ser claro quanto aos seus propósitos e, pelo contrário, se escudar em dispositivos discursivos e práticas que o elidem: não há alternativa, é assim porque é assim, a culpa é das vítimas (polícia mau) ou isto é o melhor para elas (polícia bom). Parte do combate à crise passa, de facto, por obrigar o neoliberalismo a dizer o seu nome. Não tratar os seus defensores, e menos ainda os que o aplicam, como adversários menores. Não lhes facilitar saídas fáceis, como acusá-los de serem mais técnicos do que políticos (quando são políticos a impor políticas neoliberais) ou de apenas gostarem de ser bons alunos da Europa (quando são políticos que se revêem ideologicamente na linha dominante na União Europeia).

Nas ocasiões em que os neoliberais falam com clareza, como fez o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho ao referir-se aos países sob intervenção dos planos de ajustamento estrutural como «aqueles que foram indisciplinados» e a Angela Merkel como alguém com quem «em vez de colagem há coincidência de posições» (Público, 4 de Dezembro de 2011), o que importa sublinhar é um posicionamento político-ideológico que é contrário aos interesses das periferias europeias no quadro do saque em curso. Porque só quando as escolhas políticas são claras podemos ter democracias substantivas. Já o sabemos mas, nestes tempos de certezas e incertezas trocadas, convém repeti-lo: sem política, as escolhas são cegas; sem instrumentos para as levar à prática, são vazias. E o nosso lugar não é entre a cegueira e o vazio
.

Excerto do editorial da Sandra Monteiro. Este número do Mdiplo tem muitos motivos de interesse na componente portuguesa: Alexandre Abreu, "As sete vidas do argumentário neoliberal", ou João Ferreira do Amaral, "Austeridade sem fim e sem fundo", são dois exemplos na área da economia política.

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