quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Eurozona: o que fazer da próxima década?


Há dias (14 Fev) o jornal britânico The Observer publicava uma coluna de opinião de Ruth Sunderland onde se afirma:
“A única forma de uma moeda única funcionar no longo prazo é através de uma maior união política e orçamental, e isso é algo que duvido que este país … alguma vez venha a apoiar num referendo.”

Numa posta do Verão passado, chamei a atenção para um artigo da revista The Economist que defendia esta ideia: o apoio da Alemanha aos países em dificuldade financeira implicaria a introdução de um controlo comunitário das contas públicas dos estados-membros muito mais apertado o que, no quadro de uma negociação global, acabaria por levar a um aprofundamento da integração política. Tese do artigo: uma crise de pagamentos conduziria a mais integração e não a menos.

Concordo com a afirmação de Ruth Sunderland e a actual crise está aí para o comprovar, mas não subscrevo a tese da revista The Economist. Pelo seguinte:

1) Não é apenas o Reino Unido que não quer ouvir falar de federalismo. A própria Alemanha não quer ir mais longe na cedência de soberania: a avaliar pela opinião publicada, a maioria dos seus cidadãos não quer. Os alemães têm um Tribunal Constitucional que é o vigilante e garante de que tal não acontecerá. Embora com menor peso político, vários países do Centro e Leste da Europa acompanham a Alemanha nesta recusa de novos passos em direcção a "uma maior união política e orçamental".

2) É verdade que, a pretexto do caso particular da Grécia, se pretende instituir agora um controlo mais apertado da evolução das contas públicas dos países da Eurozona. Porém, esse controlo apenas significa mais pressão política para que o país adopte “medidas radicais” e ponha em andamento as “reformas estruturais” indicadas pelo monetarismo instituído no Tratado de Lisboa (leia-se liberalização dos despedimentos, cumprimento do PEC qualquer que seja a conjuntura, fiscalidade favorável aos rendimentos do capital e aos dos seus gestores, etc). Ou seja, a economia política que nos levou à crise já se recompôs, como lembra hoje Rui Tavares na sua crónica no Público.

3) Independentemente do caso particular da Grécia, e da engenharia financeira e institucional que vier a ser criada para evitar o colapso do euro em caso de necessidade, o certo é que a imposição de políticas de austeridade em toda a Eurozona vai produzir o contrário do que se anuncia. Segundo os últimos dados do Eurostat, quer a economia alemã quer a do conjunto da Eurozona estão totalmente estagnadas. No final de 2009 simplesmente não cresciam (0,1%). Manifestamente, os líderes da UE estão obcecados com o “fetichismo do défice” (ver o que diz Stiglitz sobre isso), e preparam-se para afundar a economia europeia fazendo disparar o já elevado desemprego que temos. A tentativa de nomear Axel Weber (um fundamentalista do monetarismo alemão) para a presidência do Banco Central Europeu só confirma o pior.

4) Temos assim que a actual crise de pagamentos vai ser evitada com recurso a expedientes financeiros e institucionais que não se traduzirão em “maior união política e orçamental”, ao mesmo tempo que se consolida a orientação pré-Keynesiana da política económica na Eurozona … o que trará novas reduções do PIB e a impossibilidade de os países em dificuldade cumprirem o que foi acordado. Para seu espanto, os alemães e os que os acompanham também verão o seu défice crescer. A desorientação das lideranças será evidente no segundo semestre de 2010 quando, tendo dado o seu melhor para relançar o crescimento, tiverem que enfrentar o fracasso da sua fé monetarista, o protesto da rua e os impasses eleitorais.

Em minha opinião, só a construção acelerada de um novo projecto político à esquerda (já em desenvolvimento um pouco por toda a Europa) poderá evitar que Will Hutton tenha razão quando, na mesma edição do The Observer, termina dizendo que a próxima década pode vir a ser realmente muito desagradável.

2 comentários:

João Pedro Santos disse...

Excelente post com o qual (quase) concordo inteiramente, excepto quando refere que "só a construção acelerada de um novo projecto político «à esquerda»". Porquê à esquerda ? Penso que a ideia seria defender o aprofundamento da União europeia e deixar o eleitorado europeu decidir.
Transformar o processo de aprofundamento europeu num combate de "esquerda" apenas dificultará esse processo.

Anónimo disse...

Gostava de me lembrar de algumas das sumidades, sobretudo americanas e inglesas, que prognosticaram o euro como nado-morto. Houve mesmo um economista americanos que lhe dava uma vida inferior a um ano. Não sei nada desta "tanga" mas cheira-me que, com tanto alarido, não tarda que comece ou recomecem as romarias à Suíça ou aos agentes dos seus bancos.