As medidas de reforma do sistema financeiro da administração de Obama têm sido apresentadas como duras, corajosas, ou mesmo, populistas. Seria o gesto de poder do presidente norte-americano face a um ano de hesitações políticas e sucessivas derrotas eleitorais, aproveitando a descredibilização do sistema financeiro. A medida mais simbólica é a tentativa de ressuscitar a reforma dos anos trinta, o Glass-Steagall Act, que impunha a separação entre a banca comercial (a banca a retalho com que lidamos diaramente) e a banca de investimento (responsável pelas actividades nos mercados de capitais em nome de outras empresas), já conhecida como a “regra de Volcker”, proposta pelo pouco saudoso ex-presidente do Fed, Paul Volcker. Esta nova regra de comportamento dos bancos traduzir-se-á na proibição das transacções feitas nos mercados de capitais com os seus próprios fundos. Muito longe, portanto, da lei que inspira a reforma. Este mercado é altamente lucrativo para os bancos, ainda que arriscado, já que permite o uso da informação privilegiada que os bancos conseguem junto dos seus clientes (normalmente grandes empresas) para seu benefício próprio. Caindo no simplismo, a medida visa a proibição do uso dos depósitos nas jogadas especulativas dos bancos.
Um dos problemas já apontados é de ordem técnica: é muito difícil identificar estas operações nos balanços (segundo a The Economist, menos de 5% dos ganhos da generalidade dos grandes bancos é atribuída a estas operações). O insuspeito editor de economia do Financial Times, Martin Wolf, aponta esta “regra”como insuficiente e pede que “se os governos estão, de facto, comprometidos com reformas estruturais, elas precisam de ser substancialmente mais radicais.” Como temos sido acusados de manipulação e desonestidade nas referências ao jornalista, espero explicações vindas da seita liberal nacional. Mas desta vez ao menos apontem exactamente onde está a manipulação e deixem-se das referências ideológicas genéricas e não linkadas (daí a minha não reciprocidade).
“Fait-divers” da blogoesfera à parte, vale a pena pensar mais profundamente sobre a timidez destas propostas. Este artigo do economista Jan Kregel, sobre a história e subsequente erosão e reversão do Glass-Steagall Act, fornece importantes e estimulantes pistas para pensar uma nova arquitectura do sistema financeiro. Para Kregel, tentar voltar ao regime legal criado nos anos trinta é inútil. Uma das alternativas a pensar seria tratar o serviço de captação de depósitos como serviço público, criando instituições financeiras públicas que se dediquem à actividade bancária tal como a aprendemos na escola, funcionando com uma nova estrutura de incentivos: a liquidez criada pelos bancos estaria restringida aos depósitos dos clientes, deixando de fora todos os complexos instrumentos da banca de investimento, que não beneficiriam de qualquer garantia pública. Como o próprio Kregel assume, estas propostas estão longe de resolver alguns dos paradoxos da finança. Pelo menos, são bons pontos de partida para uma reforma mais estrutural.
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