No meu último texto no Público, (16/2/09), “A identidade ideológica do PS (de novo) em redefinição?”, dei conta que, no conjunto da Europa (19 países da UE), Portugal tem um dos sistemas partidários menos polarizados ideologicamente (no que respeita à dimensão de competição esquerda-direita). Ou seja, em que a distância ideológica entre os dois maiores partidos em cada país, um de cada bloco ideológico (PS versus PSD no caso português), é das mais pequenas: Portugal tem a quarta distância mais reduzida em 19 países da UE. Tal deve-se sobretudo ao facto de o PS ser um dos partidos menos ancorado à esquerda (ou mais inclinado para a direita) da sua família política, isto é, dos socialistas e social-democratas agrupados no PSE. Um resumo disto pode também ser encontrado aqui.
Para dizer aquilo, baseie-me nos dados do European Election Study 2004, tendo em conta as percepções dos eleitores sobre a localização dos partidos políticos em cada país. Mais: este tipo de dados são recorrentes desde pelo menos finais dos anos 1980, sejam eles baseados em percepções dos eleitores ou em percepções de especialistas (os chamados expert surveys).
Seja por uma profunda ignorância sobre o assunto, seja por uma profunda obstinação em negar a evidência empírica, seja por ambas as coisas, Rui Pena Pires (RPP) resolveu contestar aqui a evidência empírica apresentada no meu artigo, bem como as inferências que eu retirei dessa mesma evidência:
“(…) É falso, é mesmo a opinião de André Freire. (…) Os inquiridos nos estudos referidos por André Freire não comparam partidos da mesma família política em diferentes países: não comparam, por exemplo, o PS com o Partido Socialista Francês. Avaliam, isso sim, a posição dos diferentes partidos do seu país numa escala esquerda-direita, através de diversas questões. Ora, como se sabe, a avaliação que em cada país é feita depende, em muito, da distribuição e peso das diferentes famílias políticas, nesse país.”
RPP não sabe do que está a falar!
As comparações internacionais sobre a localização dos partidos políticos no eixo esquerda-direita (e/ou noutras dimensões de competição), bem como sobre os níveis de polarização ideológica nos diferentes países, com base em percepções dos eleitores ou com base nas percepções dos especialistas (sobre a localização dos partidos em cada país), tais comparações, dizia eu, fazem parte do património consagrado e consensualmente aceite da ciência política empírica.
Esta metodologia é robusta e está cientificamente validada através da publicação de dezenas de artigos (em revistas cientificas de elevado prestigio: de nível AA, para usar a classificação dos EUA) e de livros (também em prestigiadas editoras: Cambridge e Oxford University Press, por exemplo). Na minha posta, supracitada, eu citei dois livros que usam tal metodologia. Mas na respectiva bibliografia podem ainda encontrar-se várias outras referências de autores consagrados (publicadas em revistas ou livros de referência internacional) que recorrem a esta metodologia. Ou, ainda, faça-se uma pesquisa sobre o tema no JSTOR e/ou na B-ON e facilmente se verificará o que estou a dizer.
Mais, RPP confunde as comparações internacionais do fenómeno em análise e a explicar (os níveis de polarização ideológica e a localização dos partidos), que são metodologicamente robustas e consensualmente aceites na comunidade científica, com os factores que (eventualmente) as explicam. Aí sim, no capítulo dos factores explicativos, podem entrar factores como o tipo de sistema eleitoral usado em cada país, o padrão de competição partidária presente em cada país, etc.
Quando se usam os mesmos procedimentos de certos regimes políticos de má memória – “os fins justificam os meios”-, seja por profunda ignorância, seja por obstinação, a esquerda mínima aproxima-se perigosamente deles na sua acção… É a tentativa de negar a evidência e de negar a realidade, a todo o custo, supostamente (mas erradamente, sobretudo numa democracia…) para favorecer o seu partido e o respectivo líder.
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