terça-feira, 27 de novembro de 2007

Bens Comuns

Não percebo como é que o Zé Neves pensa organizar, com base na ideia vaga do comum, um sistema complexo, que tem de mobilizar recursos humanos e materiais colossais, como é o caso de um sistema universal de provisão de cuidados de saúde acessível a todos. Acho no fundo que a sua discussão não passa de um apelo sensato para que os utentes e profissionais possam ter uma «voz» mais activa na gestão de um sistema público, propriedade da comunidade política relevante, ou seja, do Estado. Caso contrário, quem financia o «comum»? Quem recolhe «coercivamente» as receitas que o vão sustentar?

Sinceramente, acho que as posições libertárias do Zé Neves a favor da abolição do Estado só são sustentáveis a um nível tal de abstracção que dificulta a discussão sobre os «assuntos correntes da vida». No quadro do marxismo ela só faz sentido acoplada à bizarra hipótese da abundância e ao correspondente desaparecimento de qualquer ideia de conflito na gestão dos recursos e na provisão dos bens (em sentido amplo) necessários à vida. Se se abandona esta hipótese voltamos a precisar de sistemas de regras, de justiça, de mecanismos de coordenação, de estruturas de autoridade, do Estado. E depois temos de discutir a democracia. A participativa e a representativa. Juntas.

Finalmente, creio que a posição libertária nem sequer é relevante para a discussão séria que se pode fazer sobre a importância dos comuns nas áreas do conhecimento e da informação ou, no caso de comunidades de pequena dimensão com laços fortes, de certos activos ou recursos materiais. Se se pegar na «economia moral da multidão» é isto que aí se encontra. Comunidades locais que resistem à subversão das suas vidas pela lógica do mercado e que traçam linhas divisórias, impondo, através da acção colectiva, formas precárias de regulação não mercantil do processo de provisão. Para mim é um bom ponto de partida para pensar a economia moral do socialismo.

1 comentário:

Zé Neves disse...

meu caro:

a cada dia que passa, estás um pouco mais besta na tua forma de argumentação. mas terás troco na medida certa. para já, uma referência que se pretende simplesmente construtiva. É em relação ao E.P.Thompson e à economia moral da multidão.
A tua análise em relação ao sentido político das revoltas pré-modernas estudadas pelo EPT corre o risco de ser criticada por extravasar um pouco o que o EPT referia. Na verdade, o significado político das revoltas é tema melindroso na obra do EPT e o próprio significado de acção política em contexto pré-moderno é motivo de vários debates acerca da referida obra. (É nomeadamente objecto de debate entre o EPT e o Hobsbawm, com este último a sublinhar que só no contexto moderno de massificação social é que se poderia propriamente falar de uma iniciativa política da parte de grupos subordinados). O EPT critica esta ideia do Hobsbawm, uma vez que para ele há vida política para além – e antes - de se configurar o campo político moderno. Agora, não se trata da mesma vida política; não se trata de boicotar a produção com a “intenção” (palavra que pertence a um universo de táctica/estratégica que é histórico e não a-histórico) de reformar a ordem dominante ou de criar uma nova ordem. Por isso não me parece avisado atribuíres uma tal conotação socialista àquelas revoltas. O adjectivo socialismo poderá ser, é claro, usado como adjectivo da economia moral, mas porventura será mais correcto enquadrar-se a expressão economia moral socialista no âmbito das discussão sobre os conceitos de economia moral e de economia política que tiveram lugar na história do pensamento económico, debates que tu conhecerás melhor do que todos nós.

um abraço
zé neves