Enquanto o governo faz reuniões secretas com uns e alardeia reuniões com outros, enterrado em jogos tácitos que escondem o gato mas lhe deixam o rabo de fora, rasga as vestes e troca acusações com o Partido Socialista, Marcelo ameaça (baixinho) com uma crise política.
Os colunistas do extremo-centro, com espaço de jornal para preencher e, avaliando a partir da amostra, pouco de substantivo para, sobre este assunto, dizer e muito de politicamente relevante para ignorar, escrevem o seu enésimo texto contra a ‘polarização’ enquanto sugerem que aprovar o orçamento é a única política responsável. Dizem-nos implicitamente que não há alternativa: aprovação ou bulgarização.
Impávidos e aparentemente serenos, todos estes atores políticos discutem a aprovação, ou não, do orçamento de estado para 2025 como se o conhecessem.
Acontece, porém, que a comunicação social, embora numa notícia em que se confunde imposição com negociação, volta a informar-nos que a Comissão Europeia ainda não esclareceu quanto do nosso dinheiro podemos, afinal, usar; parece que só o saberemos numa “data mais próxima da apresentação da proposta do Orçamento do Estado, agendada para 10 de Outubro”.
Não há, pois, como não voltar à vaca fria. Sendo que um orçamento trata necessariamente de receitas e despesas, não se conhecendo estas últimas, o que dizer, permanecendo urbano, de toda esta animação política, chamemos-lhes assim por decoro, para além de constatar que o simulacro de discussão orçamental em que o país está atolado está cada vez mais animado?
A 7 de agosto último, a propósito dos lucros da banca privada, obscenos e politicamente fabricados, que geram prejuízos nos bancos centrais e que são suportados pelo erário público, escrevia neste blogue que, “aqui no retângulo, numa versão requentada do que já está a suceder no Reino Unido, é só esperar pelo simulacro de discussão que vão oferecer-nos a propósito do próximo orçamento de Estado. Muito previsivelmente, seremos informados que andámos novamente a viver acima das nossas possibilidades”.
E, sem qualquer surpresa, aí está: “Mesmo sem novas medidas, a variação da despesa pública líquida - o indicador de referência das novas regras orçamentais europeias - deverá ficar nos próximos anos acima do crescimento potencial previsto para a economia portuguesa. Um resultado que, alerta o Conselho das Finanças Públicas (CFP), limita fortemente a margem disponível para a adoção nos próximos OE de novas medidas sem que seja garantida uma compensação”, sintetiza o Público.
E com isto chegamos ao elefante amoroso, o olimpicamente ignorado paquiderme no meio da sala, ou seja, à política monetária ao serviço do capital financeiro que, dado o seu injustificado e desnecessário impacto negativo nas contas públicas, podia e devia ser revertida no âmbito de uma discussão orçamental que não fosse, de facto, um ritual vazio que apouca a democracia.
Obrigar a banca privada a maiores reservas ou acabar com a remuneração da sua parte excedentária e/ou taxar os seus lucros injustificados constituiria uma das formas mais apropriadas de garantir a compensação que o CFP diz (erradamente) ser necessária mas que de facto só o é no contexto de regras de governação económica opacas e sem fundamento económico e com um fortíssimo viés neoliberal.
Não o esqueçamos: não só, “[e]m média, as consolidações orçamentais não reduzem os rácios da dívida em relação ao PIB”, como, em 2023, a despesa pública total em percentagem do PIB de Portugal foi 7,7 pontos percentuais inferior à da zona Euro.
1 comentário:
Nao se preocupe Paulo, nao e preciso a influencia directa da Uniao Europeia para haver simulacro de discussao orcamental. A proximidade chega, aparentemente.
No Reino Unido somos informados, por um governo trabalhista (!), que vem ai tempos dificeis... parece que ainda nao apertamos o cinto suficientemente.
O resto se vera, mas ja se fala em cortes na conta da seguranca social e controlos apertados a imigracao (#STOPTHEBOATS...). Medidas sem controversia (claro!).
Tambem se fala ser necessario aumentar impostos. Isto levanta sobrancelhas porque se por um lado se apressam a dizer publicamente que nao aumentarao impostos sobre o trabalho, por outro lado nao vejo reacoes preocupadas por parte das fraccoes vocais do capitalismo financeiro local portanto... Sobram portanto os impostos regressivos sobre o consumo? A ver vamos...
Com o servico nacional de saude, descapitalizado e a rebentar pelas costuras sem sinais de recuperacao pos COVID e uma montanha de dados a indicar que os falhancos na area da saude estao a causar atraso economico nacional por via de reducao de produtividade dos trabalhadores adoentados em massa. Parece que os trabalhadores, fraccao esquecida da sociedade tem afinal o talento unico de serem os unicos a criarem real valor no capitalismo realmente existente... quando os trabalhadores espirram, a economia engripa...
Bom! Sucede que o NHS nao pode ser facilmente recapitalizado por causa de cenas e tal.. precisa de reformas (claro!)... 10 euros aqui no bolso vaticinam "parcerias"...
As unicas e timidas medidas ate agora anunciadas de teor minimamente progressista por outro lado geram grande celeuma e controversia... o tal simulacro de debate.
Grande celeuma incide no facto que o governo vai cortar um subsidio universal para os pensionistas (o grupo social com rendimentos mais protegidos no Reino Unido e que viu o seu poder de compra aumentar durante a austeridade britanica) e restringi-lo unicamente aos pensionistas que recebem outras formas de apoio social.
Ve-se e ouve-se na radio, gente de verdade que se queixa com cara seria, sem se rirem, que estes cortes sao terriveis porque os pensionistas vao deixar de poder ajudar a sua caridadezinha favorita:
https://www.bbc.com/news/articles/c7v52404mjeo
Tambem se discute encaloradamente se sera sustentavel ou nao para "as classes medias" e se nao levara a uma sobrecarga para o ensino publico a cobranca de IVA nas propinas das escolas privadas britanicas e a eliminacao do seu estauto de "caridade" que lhes da de momento umas borlas fiscais porreiracas...
Para contexto: o ensino privado britanico, cobre uns astronomicos 6% da populacao estudantil britanica - esses mesmos 6% de alunos saem depois, coitados para apenas conseguirem ocupar uns insignificantes 60% a 80% (depende da profissao - jornalistas e medicos tipo 50 a 60% enquanto que juizes chega aos 90%++) das funcoes laborais no decil 10 da escala de rendimentos...
Serao estas instituicoes uma maquina salsicheira de reproducao de desigualdades pornograficas? nah...! aparentemente existem para ajudar todos, informa-me repetidamente a imprensa tabloide detida monopolisticamente nas maos do Rupert Murdoch.
Resumindo caro Paulo:
Li aqui neste blog primeiro ha uns anos o slogan - Macron 2022 = LePen 2027 - que se vai aproximando da real concretizacao.
E acrescento agora Starmer 2024 = Farage 2029
Mesmo sem conhecimento de fundo das realidades nacionais, aposto 5 euros que encontrei no outro bolso que, mutatis mutandis, processos semelhantes resultando em slogans semelhantes estao em curso nao so na Alemanha mas tambem em Portugal.
A Uniao Europeia realmente existente e uma maquina salsicheira de fazer neo-fascistas para retalho na Europa e redondezas.
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