domingo, 8 de setembro de 2024

Balanço de uma privatização em curso

Na passada semana, a ministra da Saúde deu uma conferência de imprensa para, alegadamente, proceder a um balanço da execução do plano da saúde. Mas mais que o plano e a sua execução, o momento terá servido sobretudo para tornar públicas duas medidas, manifestamente lesivas para o SNS (como Tiago Santos já aqui assinalou), que evidenciam o empenho do Governo na privatização do setor. Ou seja, o balanço do plano parece ter sido apenas um pretexto, uma espécie de papel de embrulho, para ofuscar o significado e alcance político dessas medidas.

Para esse objetivo, até a assunção, por parte da ministra, de que «nem tudo correu bem» - com apenas 8 das 15 medidas urgentes do plano concluídas nos três meses previstos - ajudou a dar um ar de boas intenções e a preparar o anúncio das tais boas notícias: a criação de 20 centros de saúde com gestão privada e financiamento público (aprovada no dia seguinte), e a atualização dos preços das ecografias obstétricas convencionadas com o setor privado.

No caso das ecografias pagas aos privados, estamos a falar de aumentos muito expressivos, como ilustra o gráfico seguinte: de 55€ por cada ecografia realizada no 1º e 3º trimestre da gravidez, e de cerca de 80€ por cada ecografia realizada no 2º trimestre. Globalmente, está em causa uma despesa a rondar os 3,6M€, que poderia e deveria ser investida no próprio SNS, capacitando-o e reforçando a sua autonomia na realização destes exames.


No caso dos 20 centros de saúde privados com financiamento público - já sintomaticamente saudada pelo presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (em linha com a satisfação do diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, pelo aumento dos valores por turma nos Contratos de Associação) - a lógica é a mesma. Em vez de investir no SNS, o Governo paga com o dinheiro de todos o surgimento de novas unidades privadas, com a agravante de lhes oferecer condições de gestão que nega às unidades de saúde familiar públicas. Para além de, não menos grave, esta medida incentivar a entrada de médicos mais jovens no privado, em vez de os fixar e atrair para o serviço público de saúde.

É claro que a conversa para dissimular a «ida ao pote» (lembram-se?), e fazer da saúde um negócio patrocinado com recursos públicos, é a de sempre. Em vez de assumirem com clareza ao que vêm, argumentam, com a sonsice habitual, que o privado apenas está a complementar o serviço público e que o importante é assegurar o acesso à saúde, não importando quem presta os cuidados. Tudo isto enquanto se procede à transfega de recursos para os agentes privados, financiando a sua expansão, os seus lucros e a sua capacidade para ir buscar mais médicos e outros profisisonais ao SNS, deixando-o simplesmente definhar. Até que seja tarde demais.

1 comentário:

Vítor Lopes disse...

À boleia de um suposto "balanço", a ministra anuncia mais uma machadada no SNS. A privatização dos centros do saúde mais não representa uma transferência dos nossos impostos para interesses privados sem que haja garantias de maior eficiência, antes pelo contrário, pois o que é pago aos privados é mais caro do que o custo no SNS. Antes "vendia-se" que o setor privado fazia melhor e mais barato, hoje em dia isso foi mandado às urtigas e é fartar vilanagem.