quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Promiscuidades 3


A somar à catadupa de artigos surgidos sobre os riscos que correm as pensões de velhice (ver aqui), no passado sábado apareceu mais um. Foi no jornal Expresso e é da autoria de Miguel Poiares Maduro.

Para quem não saiba, Poiares Maduro não é uma pessoa qualquer. Ou não pretende ser uma pessoa qualquer. 

Militante do PSD, foi ministro adjunto e ministro dos Desenvolvimento Regional, no Governo Passos Coelho (de 2013 a 2015, ou seja, entrou já no período “estertório” do mandato, contribuindo para lavar a “cara” do Governo, com um discurso mais complexo do que o “mantra” cúbico de Passos Coelho). Poiares Maduro apresentou em 2018 uma moção de reforma do PSD. Na altura, via com bons olhos uma maior participação política (“Nunca excluo nada. Gosto de política, de políticas públicas, mas também da capacidade de mobilizar recursos humanos e ideias”), mas diferenciava-se da actual direcção do PSD. Demarcou-se de Luís Montenegro (“Tenho uma boa perceção dele como pessoa, mas ainda desconheço muito daquilo que ele pensa (...) em termos de reformas profundas”. Foi coordenador das bases do programa eleitoral da candidatura de Paulo Rangel a presidente do PSD e criticou a colagem do PSD ao Chega! É desde 2019 coordenador da Comissão Científica Fórum Futuro da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). É desde Julho passado, o coordenador de Política da SEDES, seu vice-presidente e membro do conselho coordenador. Mantém uma presença no comentário na televisão pública, em horário nobre de domingo e escreve no Expresso. Em 2021 aceitou o convite de Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social, para rever o papel desse organismo, no sentido de lhe dar, à la française, um novo estatuto junto do Presidente da República e, sabe-se lá, se não defendendo a criação de uma segunda câmara (Senado). Nem que por acaso, aceitou, este ano, ser o coordenador da proposta de revisão constitucional do PSD

Algo se passa, pois, naquela cabeça. Mas não necessariamente algo de bom para as pensões dos trabalhadores. 

O que diz o seu artigo no Expresso

A redução da população e os seus efeitos nas contas públicas  irão “colocar em causa o Estado Social” e que isso “irá agravar o esforço contributivo pedido aos portugueses ao mesmo tempo que diminui os apoios que o Estado lhes pode conceder”. Esta conclusão baseia-se – claro está! – num estudo da Universidade Nova realizado para... a FCG. “Em Portugal, onde a grande maioria das pensões são já muito baixas, é dramático pensar numa evolução ainda mais negativa, mas é isso que enfrentamos quanto à idade e valor das reformas.” Mas não só nas pensões – é em todo o Estado Social. Usando os termos que Sousa Franco dizia ironicamente ser próprios de cavadores ou de mineiros, Poiares Maduro prevê que “esse enorme buraco nas contas públicas” acontecerá “mesmo presumindo uma evolução mais positiva do que temos hoje na fecundidade, nos saldos migratórios e no crescimento económico”. 

Soluções que apresenta: 1) promover a natalidade; 2) atrair imigrantes; 3) crescer muito mais – “mais crescimento económico, com salários maiores, pode pelo menos fazer com que o esforço contributivo não seja tão asfixiante”, ou seja, não é suficiente; 4) e - claro está! - “reorganizar o Estado Social, orientando-o para os resultados e em função dos cidadãos (e não do próprio Estado)”, ou seja, para a sua privatização. 

Ora, estas propostas sabem a pouco. E são uma contradição com o que defendeu no passado:


Como se promove a natalidade quando grande parte da classe trabalhadora recebe salários mínimos, e os salários médios pouco estão acima disso, mal pagando uma habitação e, por isso, obrigando esses trabalhadores a vidas duras, distantes dos locais de trabalho? 

Para quê atrair a imigração desqualificada se estamos a fomentar a emigração dos qualificados? É tudo uma fatalidade?

Como se promove o crescimento se, desde 2000, ou seja desde a criação da moeda única, andamos a marcar passo e a empobrecer, em prol de um sistema que beneficia os países do centro europeu que beneficiam de uma moeda mais fraca do que aquele que teriam sem moeda única?

A direita tem razão quando critica o empobrecimento nacional verificado há duas décadas, mas fá-lo de forma hipócrita. E assim é porque foi a direita que, desde o 25 de Abril de 1974, tem defendido e aplicado políticas – nomeadamente as aprovadas pelo Governo em que Poiares Maduro foi ministro adjunto, respaldadas e empurradas pelas instituições não eleitas da UE – que têm promovido a asfixiação do investimento público e, supostamente para incentivar o privado, levaram à desvalorização salarial, à destruição das barreiras legais ao respeito que devia ser sagrado das 8 horas diárias de trabalho, conduzindo a um aumento sem fim (“flexível”) dos tempos de trabalho; tudo em simultâneo com o desmantelamento da participação sindical, da negociação colectiva, desequilibrando mais e mais a relação laboral, fomentando a precariedade contratual, transformando trabalhadores em "colaboradores" por conta própria e, consequentemente, levando ao empobrecimento progressivo da maioria da população nacional e dos seus trabalhadores, tudo em prol de uma minoria de empresários.

E ainda por cima, tudo em vão porque o país continua a empobrecer...

Mais: Como se demonstra que a privatização das funções do Estado Social não custará mais dinheiro do que provisão pública? O custo a pagar aos privados terá de pagar os serviços prestados, mas igualmente o lucro dos serviços privados, ao mesmo tempo que o Estado - ao desmobilizar o seu esforço - deixará de estar em posição de negociar o preço imposto pelas empresas privadas. Tudo leva a crer, pois, que essa privatização ou saírá ainda mais cara do que o serviço público, ou conduzirá a um pior serviço, já que a lógica será a de promover o lucro de quem presta os serviços e não a qualidade do serviço.

Ou seja, como se demonstra a eficácia do programa tão superficialmente defendido, por um académico tão distinto e tão promovido, que afinal parece apenas pretender a salvaguarda dos interesses de quem, num momento de aflição por que passa o Estado Social, ajuda apenas quem se abeira ávido dos seus recursos?

Dirão que é fanatismo nosso estar sempre a criticar os efeitos da moeda única. Mas Poiares Maduro também já o fez. Mas fica para o post seguinte. 

Não demora a sair...  


3 comentários:

Anónimo disse...

Sejamos honestos, quem defende a privatização de provisão publica obviamente não defende uma sociedade democrática, há vários modelos económicos e sociais para uma sociedade agora defender que haja uns quantos que sejam donos da autodeterminação dos outros é de uma desonestidade inqualificável.

TINA's Nemesis disse...

Os PàFistas são da maior mediocridade que já vi e, mesmo assim, acumulam posições de relevo em instituições públicas e privadas, têm espaço na comunicação social (sem contraditório, obviamente!) para regurgitar as tretas liberais do costume… É mérito! Não, não é, é a vontade dos Donos Disto Tudo.

É curioso como esta gente nos é apresentada como os sábios da economia e finanças, “eles é que sabem como se cria riqueza” viu-se isto muito bem a partir de 2011... A ladainha liberal não tem nada a ver com criação de riqueza, tem tudo a ver com acumulação de riqueza.

Poiares Maduro, e os outros da máfia dele, tentam recriar um tipo de sociedade e regime que não valem a pena, inevitavelmente têm que ser denunciados e derrotados.

Anónimo disse...

Eu venero profusamente "a Lei do Trabalho protege o elo mais fraco" e era assim antes de 2011 e depois não e depois queríamos voltar a ser como era, mas ainda não...Mas antes de ser como era e nunca foi, se a lei verdadeiramente protege o trabalhador como mais fraco, como é que só tenho direito a subsídio de desemprego se for o elo mais forte a despedir-me? Não poderei eu, como elo mais forte, despedir o patrão, como elo mais fraco, e mesmo assim ter direito ao desemprego?