O Público noticia um estudo da SEDES: “Para se poder levar a economia de uma trajectória de quase estagnação a um crescimento médio de 3,5% ao ano, é essencial um período de transição, em que teremos de fazer alguns sacrifícios e adoptar políticas de ruptura que só fruirão totalmente no médio e longo prazo.”
É a dupla Abel Mateus, um economista consistentemente neoliberal desde os anos 1970, e Álvaro Beleza, um médico de direita consistentemente peneirento desde sempre.
O que propõem? A receita recessiva de austeridade da troika e das regras europeias por reformar, ou seja, ganhos de curto, médio e longo prazo para os mesmos de sempre e perdas em todos os horizontes para os mesmos de sempre.
Da privatização do SNS à da segurança social, passando pelo aumento de direitos patronais e redução dos laborais, é a mesma receita de sempre, inscrita num euro, que apoiaram entusiasticamente e que só produziu estagnação.
Estas sedes da troika só são levadas a sério por uma comunicação social com brutais enviesamentos ideológicos.
7 comentários:
Mais do mesmo.
Os portugueses ficarão pior mas Portugal vai ficar melhor.
Caro João Rodrigues,
«levar a economia de uma trajectória de quase estagnação a um crescimento médio de 3,5% ao ano»
Que a direita quer fazer isto com a receita do costume -- extrair riqueza do salário para os dividendos, como se escreve no Le Monde Diplo deste mês -- não é surpresa nenhuma. O que talvez possa ser surpresa é que crescer 3.5% ao ano, implica duplicar o tamanho da economia a cada duas décadas!!! Até uma criança facilmente compreende que isto é suicídio colectivo. Como é que a esquerda se deixar levar nestas palermices do crescimento económico ad aeternum, é algo que me custa compreender...
Senão vejamos (o raciocínio que se segue requer apenas matemática do ensino secundário): seja x o tamanho da economia, num dado ponto no tempo. Se daí por um ano crescer 3.5%, isso quer dizer que o novo tamanho será 1.035*x. Um ano depois disto, se a economia tornar a crescer 3.5%, o seu tamanho será 1.035*(1.035*x) = x*1.035^2. Ao fim de n anos a crescer 3.5% per annum, o seu tamanho será x*1.035^n. Podemos então perguntar: ao fim de quantos se duplicará o tamanho da economia? Ou seja, ao fim de quanto tempo terá a economia o tamanho de 2*x? Para a resposta, basta resolver a equação: x*1.035^n = 2*x. Simplificando, vem que n é igual ao logaritmo de 2 na base 1.035. Utilizando a propriedade de mudança de base dos logaritmos (ver aqui, vem que n = ln 2/ln 1.035, o que é aproximadamente 20.15 anos (ln é o logaritmo neperiano, mas qualquer outra base serve).
Ou seja, duplicação de consumo de recursos (inter alia...) a cada duas décadas. Numa altura em que o orçamento do planeta se esgota cada vez mais cedo a cada ano que passa (ver por exemplo aqui), a esquerda deve fazer muito melhor do que dizer apenas que aumentar os salários é que faz crescer a economia. Porque mesmo sendo uma alternativa de muito maior justiça do que as já mais do que gastas alarvidades da direita, é um suicídio colectivo na mesma. De partidos como a IL, fanáticos como são, é de esperar o mais robusto negacionismo (*). A esquerda deveria ser capaz de fazer muito melhor.
(*) - Pelas suas próprias palavras: «Temos que criar condições para que o crescimento económico continue respeitando a gestão de recursos ambientais». Aparentemente nunca aprenderam logaritmos na escola (ou então ninguém lhes disse que vivem num planeta com recursos finitos...). Daqui.
Desta é que vai ser: ��
Não só não aprenderam nada, como não esqueceram nada
Insistem em fazer como a dinastia dos Bourbons franceses, que recuperou o trono depois da abdicação de Napoleão no séc.XIX...
Apesar das contas certas, desculpe, o seu raciocínio é um raciocínio malthusiano puro. Parece que o Óscar Pereira defende que quem hoje é excluído do sistema ou tem salários de miséria no país e no mundo, e os que, sem estarem com fome, vêem, em cada ano, o seu poder de compra diminuir devem continuar assim alegremente porque os recursos estão a esgotar- se...e a tecnologia já deu o que tinha a dar. Nada de questionar a desigualdade ou seja o modo como é distribuído o bolo!
Claro que, quem nem sonha o que deve ser ter dores de cabeça para pôr comida na mesa em cada dia, e conseguir pagar contas, prefere que as coisas continuem assim para não pôr em causa o seu nível de vida e o futuro dos seus.
Isto não significa que o sistema económico e social que temos responda aos graves problemas que o mundo enfrenta...
Caro anónimo, relendo o meu comentário após ter lido o seu, dou-me conta de que que escrevi pode ser interpretado da forma que o seu comentário descreve. Contudo não era essa de todo a intençao: pelo contrário, era mostrar que não é necessário crescer mais, precisamente porque os recursos que hoje temos chegam para todos. A questão é precisamente a sua distribuiçao. Explicarei com maior detalhe quando me for oportuno. OP
Caro anónimo do dia 20 de Agosto, às 11:12, as pertinentes observações que faz ao meu comentário de 18 de Agosto justificam que a este último se acrescente o seguinte. A razão primordial pela qual não se pode ter crescimento económico "para o infinito e mais além", é porque o planeta é finito. Contudo, no sistema actual, ausência de crescimento (ou mesmo o "crescimento poucocinho"...) significa recessão, que afecta sempre primeiro e de forma mais grave quem menos tem. É por isso que se tem que mudar o sistema actual!!
Qual a alternativa, então? De modo simples, mudar o objectivo: deixar de se focar no PIB (GDP em inglês), e em vez disso, focar-se em dar a todos o usufruto dos recursos de que necessitam para ter uma vida plena e digna. E a boa notícia: para isso o planeta tem recursos mais do que suficientes!
A isto costuma chamar-se "degrowth" (literalmente, "decrescimento [económico]". Recomendo este link. Entre outras coisas, contém esta passagem (que explica a minha exasperação ao ver a esquerda engolir a patranha de que é preciso mais crescimento):
The reason that GDP growth tends not to deliver the outcomes that we might expect is because the vast majority of it goes straight into the pockets of the rich. They are the real beneficiaries of growth. In the United States, the incomes of the richest 1% have more than tripled since the 1970s, soaring to an average of $1.4mn. Meanwhile, for ordinary people, real wages are lower today than they were in the 1970s, and poverty rates are higher.
A outra objecção mais comum é dizer que "isso vai dar em recessão, e depois ficaremos todos piores." Também não é verdade; ver por exemplo, do mesmo autor, aqui a secção "Degrowth vs recession".
Espero que isto ajude a esclarecê-lo(a).
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