terça-feira, 23 de agosto de 2022

Da alegada «falta de confiança» dos arrendatários à preferência das famílias pela casa própria

Foram recentemente publicados dados interessantes sobre as opções das famílias relativamente ao regime de ocupação da habitação. Ao contrário do que muitas vezes se pensa - sugerindo-se que as pessoas foram «empurradas» para a compra de casa, dada a escassa oferta no arrendamento - a casa própria é mesmo a opção preferida das famílias.

De facto, e de acordo com os dados do INE, cerca de 45% das famílias proprietárias preferiram mesmo ter casa própria (para lá das razões financeiras), representando apenas 2%, neste universo, os agregados que preferiam ter arrendado. Isto quando, entre as famílias arrendatárias, 64% preferia ter comprado casa, situando-se em apenas 10% os casos de preferência pelo arrendamento. E se 38% das famílias proprietárias consideraram que a compra foi o melhor investimento, apenas 3% das famílias arrendatárias depreciam a aquisição, desse ponto de vista.


Estes dados são importantes, ajudando a desconstruir a ideia, que persiste, de que a crise do arrendamento é uma «crise de confiança» dos proprietários (alegadamente suscitada pela intervenção do Estado e, em particular, pelo congelamento das rendas) e não o reflexo da preferência das famílias pela aquisição de casa própria, sobretudo a partir dos anos noventa, impulsionada pela redução das taxas de juro e pelos apoios e benefícios fiscais no acesso ao crédito.

De resto, e como já assinalámos repetidamente neste blogue (ver por exemplo aqui, aqui ou aqui), o peso relativo das «rendas antigas» foi-se tornando manifestamente marginal, perdendo capacidade explicativa da alegada crise de confiança dos arrendatários, nomeadamente na sequência da liberalização para os novos contratos, em 1990, e da aprovação da «Lei Cristas», em 2012, responsável por um aumento exponencial dos despejos.

7 comentários:

José Guinote disse...

Uma conclusão bastante forçada a sua caro Nuno Serra, por razões óbvias. A opção pela compra de casa foi uma opção sensata no contexto da redução das taxas de juro e da relação entre a oferta de fogos disponiveis para arrendar e o seu preço.
As famílias perceberam muito bem que o Estado tinha liquidado o inquilinato cooperativo e a construção de habitação para arrendar.

Jose disse...

Recordo:
- programas públicos de arrendamento que terminavam com a apropriação do imóvel pelo arrendatário ao fim de um longo período.
- a emigração motivada pela ambição de poder vir a ter casa própria.
...tudo para concluir ser essa uma bem natural, tradicional e promovida ambição.

Toda a questão se resume a saber se é realista ignorar que a opção pela aquisição no mercado de casa própria está sustentada por expectativas de rendimentos estáveis numa economia estável ou de crescimento sustentável.
Na ausência desses pressupostos, sendo o emprego instável, o mercado de arrendamento, se a preços razoáveis, são a opção conveniente.

Anónimo disse...

Se esses são os dados publicados, não são realmente interessantes, pelas seguintes razões:

1| confunde-se "casa própria" com propriedade.
2| confunde-se crédito com compra.
3| confunde-se "compra de casa" e "casa própria" com investimento.
4| confunde-se "casa própria", "compra de casa" e mesmo "investimento" com uma mercadoria qualquer.
5| "casa" está lançada completamente ao abstrato, mas apenas como produto de mercado.
6| confunde-se "famílias arrendatárias" e "famílias proprietárias" (uma comparação socialmente fantástica) apenas como famílias consumidoras de mercado. Logo, "preferências" (termo sutilmente utilizado) são "preferências de mercado". Aliás, o fato das "famílias arrendatárias" estarem quase completamente absorvidas pelo mercado de habitação (ou melhor, pela habitação de mercado) é capaz de retorquir qualquer tentativa de afirmação do autor sobre as "preferências". (o que nos leva ao ponto seguinte).
7| parece contraditório dizer, no primeiro parágrafo, "ao contrário do que muitas vezes se pensa - sugerindo-se que as pessoas foram 'empurradas' para a compra de casa", e depois, no penúltimo, "o reflexo da preferência das famílias pela aquisição de casa própria, (...) impulsionada pela redução das taxas de juro e pelos apoios e benefícios fiscais no acesso a crédito". Em que ficamos?

Anónimo disse...

É completamente inaceitável que a casa "património" seja abordada nos mesmos termos que a casa própria ou primeira casa e claro que todos os cidadãos devem ter o direito a adquirir uma casa.

Anónimo disse...

O que é que António Costa ou o PS fizeram para reverter a "Lei Cristas"?

TINA's Nemesis disse...

"António Costa, é dos governantes que têm mais casas, sendo que duas delas foram herdadas (uma em Goa e outra no Algarve), estando em curso a compra de uma sexta."

https://eco.sapo.pt/2022/08/24/ministro-da-economia-e-o-mais-rico-e-antonio-costa-e-dos-que-tem-mais-casas/

António Costa, Primeiro Ministro "socialista" de um país com grave crise habitacional.
Crise? Crise para quem?

Ana Gomes é outro exemplo de "socialismo" que gosta muito de colecionar imobiliário...

Aqueles que se dizem da esquerda consequente acham que podem contar com o Partido "Socialista" para alterar a realidade pantanosa em que Portugal se encontra há tanto tempo?

Anónimo disse...

Caro Nuno,

Obviamente que osportugueses preferem comprar casa porque é um negócio muito mais vantajoso, e não porque prefiram. E pode bem ser que seja mais vantajoso porque para compensar os riscos de arrendar (como senhorio), os preços sobem para compensar esse risco. Este problema é bastante complexo e uma análise de um curto artigo é insuficiente para perceber o problema. Eu tenho casa própria e preferia mil vezes alugar, pela flexibilidade. Mas é tão por negócio que me obrigaram a "preferir" comprar. Pior, para quem tem poupanças e não domina os grandes negócios da bolsa cada vez mais casino, a única opção é o imobiliário. Investir no imobiliário é certamente a 1a opção da classe média e até uma parte da média alta precisamente por causa disso.

Abraço,

PG