terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A vitória da esquerda no Chile interpela a nossa esquerda


Viva o Chile! Foi a vitória das esquerdas que conseguiram ultrapassar divisões e amarras do passado; foi a vitória das esquerdas que se transcenderam.

Combinando contestação e negociação, combinando a rua com as instituições, esta adaptação estratégica das esquerdas (sempre difícil) permitiu a emergência de novos protagonistas políticos e a construção de um programa de justiça social que devolveu a esperança ao povo. Não é o fim do capitalismo, bem sei, mas é a promessa do fim do capitalismo neoliberal no país que teve a versão mais selvagem, assassina em grande escala.

Nota para os meus amigos à esquerda. Num tempo de crise profunda deste capitalismo selvagem, em vez de as esquerdas continuarem a estender a mão ao PS centrista, na expectativa de lhe arrancar meia dúzia de medidas pontuais que deixam intacto o sistema (algumas nem sequer cumpre quando executa o Orçamento), que meditem sobre o que aconteceu no Chile.

Assumam o discurso anti-sistema, a partir da realidade concreta dos nossos dias, façam trabalho militante nos locais onde o povo sofre, criem raízes locais, deixem emergir os novos protagonistas dos movimentos sociais. Em vez de martelarem os nossos ouvidos com medidas sectoriais que elegeram como bandeiras, subalternizem o marketing eleitoral e, com paixão autêntica, proponham um novo modelo de sociedade democrática em ruptura com este capitalismo selvagem, proponham uma visão do país que dê esperança aos que já nada esperam.

Em Portugal, depois de esgotadas todas as alternâncias e combinações centristas no governo deste sistema, algum dia a população dirá "basta!". Virá o dia em que a política do "mal menor" se tornará insuportável. Como no Chile, o centrismo neoliberal será contestado. E esse é o melhor cenário a que podemos aspirar; aliás é o cenário que o povo das esquerdas deve promover porque é daí que virá a transformação política de que carecemos (incluindo uma reconfiguração partidária) para que se possa avançar na transformação do capitalismo no século XXI. A vitória da esquerda no Chile significa que o futuro está na contestação ao sistema neoliberal tendo em vista a obtenção de uma maioria que dependerá, crucialmente, dos que já desistiram de votar, dos desesperançados.

Em 1944, o economista-político Karl Polanyi, reflectindo sobre a natureza e evolução do capitalismo que levou à Segunda Grande Guerra, mostrou que, na ausência de uma saída à esquerda, o desespero das populações em sofrimento vira-se para uma (pseudo) saída à direita, o fascismo. Nos anos 30 do século XX, enquanto alternativa democrática, a esquerda falhou estrondosamente nos maiores países do continente europeu. Infelizmente, pelo menos desde os anos 80 do século XX, traiu os seus ideais ao aceitar como inevitável a globalização neoliberal. No século XXI, a esquerda europeia continua a falhar porque não se apresenta como alternativa ao sistema neoliberal instituído na UE.

Se em Portugal as esquerdas não perceberem a lição do Chile e não se reinventarem, muitos dos que têm vindo a desistir de votar acabarão por entregar o seu voto às direitas que fazem discurso anti-sistema. Hoje, as esquerdas estão confrontadas com a necessidade de uma revisão crítica da sua estratégia política. Os resultados da votação no dia 30 de janeiro de 2022 devem ser lidos neste registo, muito para lá da retórica que os media nos vão servir.

8 comentários:

José M. Sousa disse...

Hoje, creio ter ouvido na RTP que um antigo candidato pelo Bloco, hoje candidata-se pelo Chega!

Anónimo disse...

Há quem tenha percebido a lição que veio do Chile.
Infelizmente, tanto BE e PS não querem perceber estas lições. Enquanto existirem elementos no BE que chamam de ditador a Nicolas Maduro e não aceitam o sistema de governo que existe em Cuba, não vamos ter uma esquerda unida em Portugal.
Tanto BE e PS continuam a alinhar num discurso do «politicamente correto» que agrade ao sistema de poder da União Europeia, em vez de um discurso mais realista ligado ao Mundo virado para o socialismo e o progresso.

TINA's Nemesis disse...

Tenho razões para acreditar que o PCP e o BE vão continuar a estender a mão ao Partido - que não é - Socialista...
O BE até diz que é por uma UE, não pela a actual austeritária UE, contudo, não apresenta nada para mudar a União Europeia realmente existente, o comportamento do BE denota desnorte, pior, denota demagogia.
Vejo os eurodeputados do BE sempre tão preocupados em questionar os anti-democráticos da Comissão Europeia, porque não questionam assim “Quem pensam que vocês da Comissão Europeia são?” “Qual legitimidade pensam que têm?”.
Este tipo de questionamento fica para os da direita como Nigel Farage...

“O soberanismo nacional matará a UE”; “É verdade que uma “federação europeia” é um sonho de lunáticos.” - M. Fátima Bonifácio

Isto é mais um falhanço da esquerda, deixa para uma saudosista do Dr. Botas a iniciativa da crítica à monstruosidade europeísta!

Nós precisamos urgentemente de um Estado a responder às necessidades BÁSICAS da população.
O Partido - que não é - Socialista não só foi um dos voluntariosos responsáveis para tornar o Estado numa inutilidade para a maioria como ainda tem o desplante de dizer que isto só lá vai com “mais Europa”, realmente, os responsáveis “socialistas” estão-se a marimbar para a larga maioria da população!

Tenho vindo a defender que o Partido - que não é - Socialista tem que ser punido pelo seu comportamento ao longo das décadas. A última oportunidade de redenção foi em 2015 e os “socialistas” a desperdiçaram.
A larga maioria do eleitorado do P”S” foi e é vítima do mesmo, continua a votar neste partido por tribalismo. Concordo que o eleitorado do P”S” tem que ser confrontado com a realidade, não é fácil admitir que se foi aldrabado…

Gostava que aparecesse um partido que tivesse o objectivo claro de elucidar o povo sobre o funcionamento do dinheiro e a função dos impostos. Resgatar a população do obscurantismo sobre dinheiro e impostos é essencial para que possamos começar a dar resposta aos graves problemas que afligem as sociedades.

Anónimo disse...

Socialismo e progresso... aqui estão 2 grandes contradições...

Anónimo disse...

Ao anónimo que escreveu a mera provocação das «21 de dezembro de 2021 às 16:09», aprender, aprender sempre, lá diria Lenine.

Jaime Santos disse...

Aquilo que o Jorge Bateira não salienta é a diferença abismal entre o Chile e o Países onde existe aquilo que poderemos chamar o Estado Social Europeu. Boric 'has his work cut out' se pensarmos de onde ele começa e para onde quer ir.

Trata-se, nos padrões europeus, como reconhecia o João Rodrigues, de um social-democrata bastante moderado. Se é anti-sistema (é você quem o parece dizer), é porque vive no Chile, onde o pinochetismo ainda impregna a sociedade.

Quanto àquilo que a Esquerda à esquerda do PS centrista quer fazer, é lá com ela. Agora, se a sua ação for a de na prática facilitar a vida à Direita, obrigando o PS a governar apoiado pelo PSD, ou a tolerar um Governo minoritário do PSD, o que me parece é que os seus votantes irão, isso sim, concluir que ela não serve mesmo para nada.

E quanto à suposta revolta das pessoas, a dimensão do voto nas Esquerdas têm-se mantido mais ou menos constante ao longo destes últimos 40-50 anos (a APU teve, creio, cerca de 18% há muitos anos atrás e foi esse o máximo da maré).

Ora, isto não é nenhuma maioria. Como outros que aqui escrevem, o Jorge Bateira insiste implicitamente na suposição de que o eleitorado vive adormecido e que só por isso vota consistentemente nos Partidos do Centro.

Trata-se de uma posição que naturalmente subestima a inteligência dos eleitores, que sabem muito bem no que votam. Os Partidos de Poder refletem ideologicamente a posição da coligação eleitoral que os sustenta a cada momento, ou então deixam de ser Poder.

Espero sinceramente que Pedro Nuno Santos, provável sucessor de Costa, agora ou mais à frente, dependendo do resultado destas eleições desnecessárias, causadas pela teimosia da Esquerda em insistir que é preferível defender os seus princípios a deixar passar um OE que continha apesar de tudo medidas bem positivas para os seus eleitores, perceba bem que se virar à Esquerda, lhe acontecerá o mesmo que aconteceu em França a Benoît Hamon, isto é, tornará o PS irrelevante, e ajudará a perpetuar a Direita no Poder.

E se não acredita em mim, some por favor as percentagens dos candidatos de Esquerda nas últimas eleições presidenciais...

Mas se é essa perpetuação que você quer, esperando que daí resulte um qualquer levantamento, bom, va bene... Mas então pode esperar sentado...

Anónimo disse...

Há sempre um idiota ou alucinado que entra no debate, armado em engraçadinho, como este que mandou a boca do «Socialismo e progresso... aqui estão 2 grandes contradições...». Sempre agarrados à garrafinha de cerveja ou o charrinho e a mandar bocas foleiras, próprias de gente estúpida.

TINA's Nemesis disse...

No mundo de fantasia de "socialistas" como Jaime Santos existe uma coisa que não existe no mundo real.
Na fantasia dos "socialistas" eles vêem renovação do eleitorado do Partido - que não é - Socialista!
Isto demonstra bem o desespero destes "socialistas" Euro-liberais.
Eles sabem que a economia portuguesa foi sabotada, eles sabem que o Partido "Socialista" é co-responsável por esta sabotagem, eles sabem que as gerações mais novas estão a ser sacrificadas para manter o actual status quo Euro-liberal, eles sabem que o Euro-liberalismo não tem como melhorar as condições de vida das pessoas e resolver os problemas graves criados pelo Euro-liberalismo.

E é por eles saberem que as coisas vão de mal a pior eles criam realidades fictícias, a realidade está cada vez mais difícil de gerir.

Contudo, considero necessário fazer a análise sobre a razão de uma sociedade em decadência o eleitorado, especialmente mais novo, não se sentir motivado e não votar nem em partidos que lhes sabotaram as vidas (que é previsível) mas também não votar em partidos que supostamente têm a alternativa aos partidos euro-liberais.
O que está a falhar?

Nada vale ao Euro-liberal Jaime Santos vir para aqui sempre nesse tom de chantagista admoestar as pessoas a continuarem a estender as mãos ao Partido "Socialista" porque as pessoas que frequentam o Ladrões já perceberam que as coisas vão ter mesmo que mudar, que mais do mesmo não pode ser!