terça-feira, 9 de novembro de 2021

António Costa não convenceu

Na entrevista de ontem à RTP, o Primeiro Ministro e líder do PS identificou duas questões como motivos para inexistência de acordo sobre o OE2022: a proposta do BE para eliminação do factor de sustentabilidade das pensões; e a proposta do PCP de um aumento mais rápido do salário mínimo nacional. 

António Costa afirmou que aquela proposta do BE punha em causa a sustentabilidade da segurança social. É factualmente errado. A proposta do BE sobre o factor de sustentabilidade (criado numa altura em que a idade legal de reforma ainda era fixa) não mexe em aspectos estruturantes do actual sistema de pensões: não altera a ancoragem da idade da reforma na esperança média de vida, nem elimina o corte que se aplica a todas as pessoas que se reformam antes da idade legal (o chamado “factor de redução”). O seu propósito era eliminar a injustiça actual que leva a que algumas pessoas sejam mais penalizadas do que outras apesar de serem mais velhas e de terem feito mais descontos. Nas contas do BE, com base na informação disponível e que o governo não contestou, tal alteração teria um custo estimado de 75 milhões de euros em 2022 (menos de 0.05% do PIB), decrescendo ao longo dos anos. Estando ou não de acordo com a eliminação do factor de sustentabilidade (e há razões não orçamentais para questionar a proposta), não se pode afirmar que ela poria em causa a sustentabilidade da segurança social. 

Quanto ao aumento do salário mínimo, António Costa afirmou que o PCP exigia um valor de 755 euros em Janeiro e 800 euros ao longo de 2022 – o que, segundo o Primeiro Ministro seria incomportável. No entanto, vários dirigentes do PCP já afirmaram que estes valores (que já ficavam aquém do que o PCP defendeu nas últimas eleições, ou seja, 850 euros) eram bases de negociação e que o governo nunca colocou a hipótese de ir além dos 705 euros em 2022 (o discurso de ontem de António Costa validou esta ideia). A pergunta que fica é: o PS aceitaria em futuras negociações um valor intermédio (digamos 725 euros em 2022, 785 em 2023 e 850 euros em 2024)? Se não, porquê? O que leva o PS a acreditar que os valores que fixou são o limite possível? Em que estudos baseia essa afirmação? Não seria possível, como questionou o entrevistador António José Teixeira, compensar essas subidas de salários com medidas fiscais, por exemplo? Ou condicionar o ritmo de aumentos a um sistema de monitorização dos impactos da medida (como, de resto, está estabelecido desde o acordo tripartido de 2006)? 

Na campanha eleitoral (que já começou), espero dos partidos disponibilidade para chegar a compromissos, em vez de imporem unilateralmente a sua agenda aos outros (isto aplica-se aos três, sem excepção). Ou então que sejam claros e convincentes sobre a razão de ser das suas linhas vermelhas (idem). Nesta primeira entrevista após o chumbo do Orçamento, António Costa não passou no teste. Se calhar, também não era eu quem ele queria seduzir.


7 comentários:

Anónimo disse...

António Costa tem por hábito apresentar tudo como uma inevitabilidade(TINA), qualquer pessoa minimamente exigente percebe que a sustentação do discurso do primeiro ministro é frágil.

Miguel Vital disse...

António Costa até inventou que a Catarina Martins exige a sua substituição como secretário geral do PS. Enfim...

TINA's Nemesis disse...

O "socialista" Costa zelota europeísta não me convenceu em 2015...

Francisco disse...

O Ricardo Paes Mamede, convoca para aqui um conjunto de aspectos que merecem seguramente, a nossa reflexão.
Em primeiro lugar, diz que a campanha eleitoral já começou. É verdade. E começou com regras assimétricas, como de costume. Ontem, António Costa, o candidato, foi entrevistado, mas sendo então António Costa, o estadista. O cenário contou também com a participação de um outro figurante, António José Teixeira, que vestiu aquele ar grave e solene, que tem cultivado como se fosse herdado do próprio ventre materno e que era o mais apropriado segundo o guião estabelecido. Deste modo, Teixeira ía deixando no ar AS perguntas e não umas perguntas e Costa ía dando AS respostas e não umas respostas. Depois da entrevista e de modo cautelar, entraram em cena outros comediantes desta ópera burlesca, que nos repetiram, para que entendêssemos e sem espaço para dúvidas - isto é, para que fique gravado na nossa consciência do mesmo modo que nos bovinos os ferros em brasa - que aquelas eram de facto AS perguntas e que aquelas eram de facto AS respostas. Deste modo se garante e perpetua a ideia de que houve eleições e que portanto - oh êxtase que não tem fim - tudo foi legítimo, tudo foi democrático, tudo foi como deveria ser, pois que não há outro modo de ser que possa ser o destas coisas.
Depois o Ricardo acrescenta que Costa não o convenceu nomeadamente em relação a dois aspectos concretos que evidenciou: salário mínimo nacional e eliminação do factor de sustentabilidade em carreiras contributivas muito longas, que são, verdadeiramente residuais, como também anotou. Rematou dizendo com ironia, que talvez não faça parte do círculo dos que Costa quer convencer.
Pois bem, a circunstância dessas verdades insofismáveis serem cristalizadas no espaço mediático, em ocasiões rituais como aquela que ontem vivemos, constitui também uma manifestação muito evidente de que para lá de qualquer ar grave e sério, há produtores guionistas, encenadores e um sem fim de gente no mundo do espectáculo, que não se vê, mas que é quem o determina, dizendo a cada actor qual o papel que dele se espera. Por isso que AS perguntas são as que são e não outras e desse modo também AS respostas podem ser daquela e não doutro jaez.
Para o fim fica uma questão ainda em aberto: mas o Costa não quer convencer o Ricardo (isto é, se não é ao Ricardo que o Costa presta Contas), então a quem as prestará? Creio que teríamos já falado sobre o universo dos que estão por diante e por detrás do pano; dos panos, na verdade, já que há muitos directores artísticos, dentro e fora de portas. Talvez que aí estejam aqueles para quem uma boa prestação no casting, é condição de bons auspícios na carreira.

Vieira disse...

Ok, näo é o Santo António...e a alternativa é?
Acho bem que o Ricardo critique o que achar que está mal, mas o resultado prático que pretende é dar um novo fôlego à direita e mandar o pouco que o Costa dá às urtigas?
Nota-se nos comentários seguintes que eles começam logo a sair debaixo das pedras húmidas onde se esconderam depois da troika.
É que, quer queira quer não, também é uma espécie de "influencer", não é um comentadorzeco como eu.

a.raposo disse...

Algo que seria interessante saber é qual a percentagem de MPMEs que paga o salário mínimo e qual a percentagem de grandes empresas.
Para validar a justificação de que o aumento do salário mínimo pode ter um impacto muito significativo nas MPME no contexto da pandemia.
Será que com esta justificação não se está a manter baixos os salários para grandes empresas que até cresceram no contexto pandémico?

Carlos Antunes disse...


Ricardo Pais Mamede
Com toda a consideração e respeito que nutro por si, não percebo uma das soluções que preconiza para o aumento do SMN tal como proposto pelo PCP «compensar essas subidas de salários com medidas fiscais, por exemplo?»
Significa que seriam os impostos de todos os portugueses a viabilizar o aumento do SNM que é um encargo das empresas?