quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Tristes espectáculos


Hoje, o editorial do Público regressou à medíocre normalidade neoliberal, agora que Manuel Carvalho, imagino, regressou da sua quinzena de férias. Ontem, em mais um corajoso editorial – Greve: o que ficámos a saber por estes dias –, a indispensável Ana Sá Lopes denunciou as implausíveis teorias da conspiração que têm sido alardeadas por sectores de esquerda. Um triste espectáculo, realmente.

Pelo menos os comunistas portugueses têm a autoridade de quem nunca abandonou o movimento operário português e o terreno da luta de classes, que também é nacional, como se tem a obrigação de saber por cá pelo menos desde Álvaro Cunhal.

O mesmo não se pode dizer de parte da intelectualidade portuguesa. É realmente um triste espectáculo ver gente que não levanta um dedo durante o ano pelos trabalhadores chegar ao verão e atacar agora esta greve, provavelmente a partir de uma qualquer estância balnear.

E isto sem se confrontar por um minuto com as justas aspirações dos motoristas em matéria de horários, descontos para a segurança social, condições de trabalho, etc. Sem se confrontar com as coisas evidentes, denunciadas por Mafalda Pratas, ou com algumas das perguntas simples, feitas por Helena Araújo, uma portuguesa na Alemanha e que pensa bem sobre os do seu país. E sem parar um minuto para pensar nos perigosos precedentes que este governo está a abrir e que serão certamente aproveitados pelas direitas, como bem denunciou Pedro Manuel Costa, um corajoso militante do PS em artigo no Público. Corajosas excepções, realmente.

Ao contrário destes trabalhadores, uma parte não despicienda da intelectualidade portuguesa dita de esquerda faz parte dos chamados passageiros frequentes, dos vencedores da globalização, e trocou há muito o marxismo por um social-liberalismo conformado, misto de neoliberalismo na economia e de perverso libertarianismo moral e cultural.

Pelo menos a direita portuguesa tem a virtude da consistência de classe. Por exemplo, Pedro Mota Soares escreveu um artigo no último Expresso, onde defende o seguinte: a economia política pós-troika nacional depende cada vez mais das exportações, incluindo de serviços como o turismo. Este é de resto o lugar medíocre que nos reserva uma UE incensada. No contexto de cadeias de valor extensas e dependentes do just in time, os fluxos mercantis não podem ser postos em causa por aqueles que afirmam que o trabalho não é uma mercadoria descartável. E sem esquecer que o turismo depende da paz dos cemitérios laborais. No fundo, como defende Mota Soares do CDS, as greves têm de ser limitadas em nome da integração europeia, versão potente da globalização.

É odioso? É. Faz sentido? Tendo em conta o lugar de classe, faz.

 O resto é mesmo um triste espectáculo.

23 comentários:

Joselito disse...

Acabo de ver na TV o Secretário Geral do PCP a acusar o SNMMP de "dar argumentos a quem quer alterar a lei da greve" e a liderança do Sindicato de "perseguir interesses políticos obscuros". Quanto à justiça da sua luta, nada disse. Elogiou a acção da Fectrans, o qual, na minha opinião, se limitou de forma pulha a colher os frutos da luta alheia. Não sei se o João Rodrigues reparou: a Ana Sá Lopes e Pedro Manuel Costa concordam comigo!

Gramsci tinha razão: os sindicalistas são, mesmo, banqueiros de homens.

Jose disse...

Os trabalhadores, os trabalhadores, os trabalhadores…

No imaginário da esquerdalhada trata-se de uma massa homogénea, uma classe, uma generalidade sujeita a uma avaliação uniforme, em que aquilo em que se ocupam - O Trabalho - tem um papel irrelevante na definição de direitos e deveres.

O envolverem-se na minudência das profissões afecta-lhes a universalidade do discurso, limita-lhes a fluidez dos chavões marxistas, abrilescos e outros.

E se há populismo evidente, malícia e má-fé, é um sindicato, que inevitavelmente conhece os condicionalismos inerentes às profissões que representa, desenvolver lutas invocando esse paradigma irreal do que sejam 'Os trabalhadores', ignorando o conteúdo e os pressupostos dos contratos que subscrevem.


Anónimo disse...

"Joselito" há dias dava vivas ao "trabalho escravo"

Agora,de forma um pouco rangente, assim ao jeito do nosso bem conhecido "pedro" vira-se contra Jerónimo de Sousa. E dirá: "Quanto à justiça da sua luta, nada disse."

Disse, disse. E disse mais

(Tal como o nosso bem conhecido pedro aonio eliphis Cat pimentel ferreira joselito mente:

Jerónimo dixit:

"Desde logo para salientar que assistem aos motoristas de pesados fortes razões para exigir melhores salários e melhores condições de trabalho. Razões que foram parcialmente atendidas o ano passado ao fim de quase duas décadas com a negociação de acordo colectivo pela acção e luta dos trabalhadores e do Movimento Sindical Unitário, que algumas entidades patronais não têm respeitado. Não haja a menor dúvida: o PCP é inteiramente solidário com os trabalhadores do sector e as suas reivindicações.

Não é entretanto possível de iludir a operação que se desenvolve e as vozes que se vão ouvindo a dar lastro para pôr em causa o direito à greve.

Um caminho que vai sendo feito com uma greve decretada por tempo indeterminado com uma argumentação que instrumentaliza reais problemas e descontentamento dos motoristas cujos promotores não se importam de dar pretextos à limitação do direito à greve como se está a verificar.

Um caminho que o Governo trilha adoptando medidas – serviços mínimos, requisição civil, entre outros desenvolvimentos – que limitam o direito à greve neste sector e são susceptíveis duma invocação alargada.

O PCP entende que as soluções necessárias, exigem o desenvolvimento da luta consequente, acompanhada de uma negociação colectiva que resolva os problemas e reafirma a defesa do efectivo exercício do direito à greve.

Tendo sido ontem obtido um protocolo de acordo com novos avanços, no plano dos salários, dos direitos e das condições de trabalho, é necessário que se finalizem as negociações, que os motoristas beneficiem da aplicação desses avanços em 2020, sem prejuízo da negociação para os próximos anos e que seja garantida uma intervenção da Autoridade das Condições de Trabalho de modo a combater o desrespeito por parte do patronato dos direitos acordados"

Anónimo disse...

"Joselito", aquele que há dias dava vivas ao "trabalho escravo",vem pedir uma atenção especial pelo facto de concordarem com ele.

Poder-se-ia dizer, tal como joselito, que de forma pulha, joselito vem colher os frutos de afirmações alheias?

Não, deixemos as pulhices para o joselito


Anónimo disse...

Repare-se como jose se atira contra os trabalhadores deste jeito tão frenético

Comecemos pelo refrão:

"Os trabalhadores, os trabalhadores, os trabalhadores..."

O que se ouve é o ranger dos dentes de jose?

Anónimo disse...

No imaginário do jose e no linguarejar do mesmo o que se trata é "de uma massa homogénea, uma classe, uma generalidade sujeita a uma avaliação uniforme, em que aquilo em que se ocupam - O Trabalho - tem um papel irrelevante na definição de direitos e deveres"


Parece que voltámos ao tempo em que os beatos e beatas contavam histórias da carochinha para adormecerem as criancinhas

"Massa homogénea" só a pobre massa cinzenta de onde saem tais atoardas.
"Avaliação uniforme" só a pobre massa disforme que sonha avaliar em uniforme os que trabalham
"Definição de direitos e deveres" só mesmo da pobre massa que pensa que os discursos de salazar ainda podem servir para alguma coisa para além de embrulhar o peixe podre

Anónimo disse...

Há mais, como o apelo patronal ( empresarial) ao envolvimento na "minudência das profissões"

Sinceramente isto é algo que de tão cabotino, surge como novidade.

Isto é um apelo à frase salazarenta sobre a boa dona de casa ter muito que fazer?

Um apelo cínico para nos fazer esquecer a minudência profissional como os vampiros tudo querem comer?

Ou simplesmente a forma idiota como se tenta esquecer que há quem trabalhe e que viva no limiar da subsistência, enquanto que há quem viva do trabalho alheio e viva como porno-ricos


Eis como caduca a "universalidade do discurso" (???).
Eis como se limita a fluidez dos chavões idiotas
Eis como tombam os chavões salazaristas

Anónimo disse...

Mas eis sobretudo outra coisa.

Eis como um patronato sedento e sebento tenta desta forma limitar o direito dos trabalhadores à greve, não olhando a meios nem fins para a regressão social com que sonham

Anónimo disse...

A posição do PCP nesta matéria tem sido correctissima. O resto tem sido um triste espectáculo,de facto. Incluindo o proporcionado por aqueles, como o Paulo Coimbra ou o João Rodrigues, que não hesitam em tirar ilacções de "oportunissimas reportagens" da SIC como de "inoportunos serviços minimos" sem cuidarem de contextualizar. A vossa antipatia pelo PS e pelo seu governoé perfeitamente legitima. Mas há serviços minimos para a honestidade intelectual que a todos nos deviam obrigar.

Cump.

MRocha

Joselito disse...

Gramsci também disse ser pessimista na razão mas optimista na acção. Coragem, camaradas, só nos falta qualidade na acção!

Anónimo disse...

Hoje o joselito já não dá vivas ao trabalho escravo. Mas apela aos seus camaradas, pela qualidade na acção

Ele lá sabe a quem apela e o que apela.

Voltarão os vivas ao trabalho escravo?

Anónimo disse...

Tenho para mim que João Rodrigues (e Paulo Coimbra) são pessoas íntegras, com provas dadas sobre não só a sua honestidade intelectual como também a sua posição do lado dos explorados desta vida

Lowlander disse...

Caro MRocha,
Acompanho-o no seu cepticismo da noticia trazido ao corpo deste blog por Paulo Coimbra. E concordo com a sua critica ao "confirmation bias" em que Paulo Coimbra possivelmente caiu.
No entanto a critica a actual posicao do PCP e pertinente. Peco desculpa mas a ambiguidade demonstrada pelo PCP nesta questao e absolutamente lamentavel. Ver a FECTRANS fazer o papel habitualmente reservado a UGT, os borregos mansos da abegoaria, e um gravissimo erro estrategico.
O PCP devia e deveria acolher tantos aliados quantos possa. A guerra de classes existe e esta muito bem de saude, e como o Joao Rodrigues muito bem sublinhou em outros textos varias vezes, a parte mais fraca cabe adoptar o lema "clareza estrategica e flexibilidade tactica".

good churrasco ó auto de café.... disse...

O MEDO é um poderoso auxiliar da política e o medo de perder a faculdade de se transportar de um lugar para outro joga forte na greve actual

Anónimo disse...

Corretíssima?? Para mim perderam o principal capital que tinham enquanto partido de esquerda face ao BE. Enquanto o BE sempre se soube que iria a favor das opções mediáticas do momento o PCP distinguia-se (pelo menos na minha cabeça...) por ser um partido coerente em que se podia confiar que à partida não iria mudar de posição consoante os ventos “mediáticos”... um partido que não tinha embarcado noutras modas mediaticas como fazer da política de identidade um tema central, tornar se antitouradas para fazer a vontade ao Facebook, etc.
Agora ver o dirigente do PCP criticar um sindicato, dizer que um sindicato tinha “instrumentalizado o descontentamento dos trabalhadores para convocar a greve?!” Então mas os sindicatos afinal servem para quê?
Depois ainda acusa o sindicato de dar pretextos ao governo para limitar o direito à greve? Isso está ao nível de acusar uma rapariga de ser molestada por que ao usar minissaia deu pretexto ao agressor. A quem cabia impedir o governo de limitar o direito à greve é ao PCP eles que façam mas é l seu trabalho em vez de andar a acusar os sindicatos que lhes fica muito mal.
Fiquei muito desapontado com esta tomada de posição do PCP que foi o partido em quem votei nas últimas europeias.

Anónimo disse...

Caro Lowlander,

Assinaria sem hesitações por baixo do que v escreveu se tivesse tido acesso a informação que me permitisse concluir sem margem para dúvidas se todo o fenómeno neo-sindical em voga é uma reacção à aqui alegada mansidão da FECTRANS ou outra coisa qualquer que desconheço. E quanto às alinças do PCP em matéria de guerra de classes, para erros de palmatória bastou-me o chumbo do PEC iv.

Cump.

MRocha

Lowlander disse...

MRocha,
Nao tem acesso? A documentacao anda por ai livremente acessivel.
Leia o acordo da FECTRANS com a ANTRAM de ha uns meses atras e o que assinaram agora e compare-os com as actuais condicoes de trabalho desta classe profissional ou sequer com as reinvindicacoes actualmente invocadas.
Leia o comunicado do PCP.
1 - Se este registo historico nao e um atestado de mansidao sindical entao e o que?
2 - Pergunte-se a si proprio: como e que este neo-movimento sindical conseguiu agregar tanta traccao entre os trabalhadores do sector? Ou e um adepto tao fervoroso de teorias de conspiracao que acha que centenas ou milhares de motoristas estao unidos numa cabala para acabar com o direito a greve?
3 - Pergunte-se a si proprio: porque e que as associacoes patronais e Governo estao agora tao ansiosos por negociar com os velhos sindicatos? Repare na ironia: apelidam na imprensa de "sindicatos responsaveis" os que estao na esfera de influencia do PCP!

Lowlander disse...

Caro MRocha,
O chumbo do PEC IV era um imperativo.
O PCP nao fez o governo Socrates cair fara bem em lembrar-se.
Ele demitiu-se. Socrates poderia perfeitamente ter feito o que Antonio Costa fez com a actual Geringonca e procurar um entendimento parlamentar com os partidos a esquerda. Nao o tentou. Demitiu-se.
O seu ao seu dono.

Anónimo disse...

Caro Lowlander,

1 . Sou simpatizante do PCP desde que me recordo de ser gente e tenho mais anos de militância que o Camarada Secretário Geral. Mas como de manso não tenho nada, enquanto tiver lingua e dedos funcionais nunca hei-de calar as discordancias que tive/ tenho quanto à linha politica do meu Partido. Ora o chumbo do PEC iv foi para mim um desses momentos de frontal discordancia, com as consequencias que ainda hoje estão á vista de todos. Se discorda está no seu direito, mas fará o obséquio de não ofender a minha inteligência qualificando de "imperativo" uma opção politica tão boa ou tão má como qualquer outra.

2. Quando disse que não "tive acesso" aos acordos da FECTRANS não pretendi significar que não esteja acessivel: quiz dizer que não vi, não li, não sei. Capisce ? Há muita coisa que ignoro. Mas uma coisa aprendi: a desconfiar do "óbvio" e a dar-me tempo para perceber o que esconde.

Por aqui me fico.

Saudações.

MRocha



estevesayres disse...

Um texto que vou tomar a liberdade de partilhar e agradecer desde já ao seu a autor.

(…)"Os trabalhadores portugueses puderam constatar a aliança entre os que, em 1974, fizeram aprovar a Lei da Requisição Civil – o PCP/Intersindical (CGTP) –, o patronato reaccionário que apenas pretende exponenciar a acumulação de capital à custa da mais intensa exploração de quem trabalha e um governo que tem aceite todos os ditames que Berlim, Paris e Bruxelas lhe têm imposto para que os acordos colectivos de trabalho apenas favoreçam os capitalistas e nunca quem só possui a sua força de trabalho para vender.
Ficou claro para todos os trabalhadores que não se deixaram alienar nem manipular, que a FECTRANS e o governo levaram ao colo a ANTRAM, proporcionando-lhe um pré-acordo que vale o que vale. NADA! A não ser intenções que, poderão ou não, concretizar-se. E, diz a experiência de mais de duas décadas de experiência sindical que, desta associação de patrões os trabalhadores nada mais poderão esperar do que golpes baixos e o permanente alimentar dum quadro em que tudo se discute para nada se alterar ou, pior, para agravar.
A classe operária e todos os trabalhadores do nosso país estão com os olhos postos na Greve dos Motoristas de Matérias Perigosas. Sabem que o governo reaccionário de Costa tenta por todos os meios furar esta greve e aposta na sua derrota, não só para esta luta em específico, mas para a derrota de todo o movimento sindical, operário e popular"!
Luís Judice
Viva a Justa Luta dos Trabalhadores Motoristas de Matérias Perigosas!!!
Viva a Luta de Todos os Trabalhadores Portugueses!!

estevesayres disse...

Caríssimo anonimo.

Eu conheço o PCP antes do Barrerinhas Cunhal tomar, poder de assalto o Partido, eu e muitos camaradas saímos do PCP, e não estou arrependido, conheci pessoalmente bem o Gerónimo da União dos Sindicatos de Lisboa… E fico por aqui….

Lowlander disse...

Caro MRocha,
1 - Seja, nao vale a pena se chatear, "imperativo" foi palavra mal escolhida. Substitua por "coerente, honesta e proporcional". E todas as opcoes sao politicas, e uma la palissada so novidade para o comentariado dos merdia portugueses - incluindo ja agora, as opcoes de demissao do Socrates e os acordos com a esquerda parlamentar do Costa.
2 - Faz bem em desconfiar. Mas em concreto que tem a dizer em relacao as perguntas que lhe coloquei?

Geringonço disse...

O chumbo do PEC 4 realmente traumatizou alguns...

É muito conveniente achar que o Partido Socialista aplica austeridade porque é obrigado, contudo, o Partido Socialista aplica austeridade porque acredita na austeridade, e é isso que era o PEC4 e outros PEC que se seguiriam, austeridade.

O Partido Socialista bem pode fingir que é a vítima de todas as cabalas negras do universo, mas realidade é que o Partido Socialista é um dos responsáveis pela criação da União Europeia neoliberal austeritária.