domingo, 19 de janeiro de 2014

Say it again: croissant d'or...


Perante um Hollande retoricamente algures entre o liberalismo económico clássico de um Jean-Baptiste Say e o ordoliberalismo alemão, só mesmo Vital Moreira para exclamar, em previsível apoio, “viva a social-democracia!” Enfim, deixemos por um momento Vital Moreira e a sua aposta no sucesso do “ajustamento” ou no sucesso do projecto político, patrocinado pelas fracções transatlânticas da burguesia europeia, de reforço da integração económica, tudo grandes contributos para a destruição dos Estados sociais e para os sucessos das Frente Nacionais, e voltemo-nos para a realidade de quem está atento à história das ideias económicas e à política económica, de quem se lembra, mesmo que não esteja necessariamente à esquerda.

Ambrose Evans-Prichard, por exemplo, sublinha que as dificuldades recentes da França são, entre outros factores, o resultado de uma austeridade orçamental de 1,8% do PIB, o que, dado o que se sabe sobre multiplicadores, não só impediu qualquer recuperação económica, como ajudou a colocar o desemprego no valor mais alto dos últimos 16 anos. Isto para já não falar, ponto sublinhado por economistas da banca ou da academia, respectivamente Patrick Artus ou Jacques Sapir, dos efeitos desindustrializadores de aderir a uma, e insistir numa, moeda estruturalmente forte, um dos maiores erros geoeconómicos e geopolíticos das elites francesas do pós-guerra.

Como seria de esperar, muitos historiadores económicos convencionais ficaram horrorizados com a invocação de Jean-Baptiste Say por Hollande. Kevin O’Rourke foi só um exemplo. O’Rourke é coautor, com Alan Taylor, num dos últimos números de uma revista académica para economistas muito sérios, o Journal of Economic Perspectives, de mais um artigo, “cruz de euros”, sobre os paralelismos entre a desgraça do padrão-ouro entre as Guerras e as desgraças do Euro. De resto, Taylor adulterou ironicamente uma das formulações dos críticos norte-americanos do padrão-ouro no final do século XIX – “não crucificarás a humanidade numa cruz de ouro”: “não crucificarás a humanidade num croissant de ouro”.

O ponto histórico com relevância contemporânea é o seguinte: a austeridade está inscrita num sistema cambial rígido e esta é uma combinação absolutamente destrutiva, por exemplo, para qualquer projecto social-democrata de combinação de liberdades democráticas, justiça social e pleno emprego. A França dos anos trinta, um dos países a ficar desgraçadamente mais tempo no padrão-ouro, e a França de hoje são exemplos da miopia das ideias e dos interesses de classe.

Regressemos a Vital Moreira para rematar. Ao apoiar as presentes conjuntura e estrutura europeias, está na realidade a declarar: morte à social-democracia!

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