Continuo a ler o documento de estratégia orçamental 2011-2015. O governo confirma aí a sua aposta no capitalismo de pilhagem financeira e de nula pressão laboral: “A interligação entre o risco de crédito soberano e o risco de crédito do sistema bancário é muito forte como demonstrado na atual crise de dívida soberana. A deterioração do mercado da dívida soberana gera perdas potenciais nas carteiras de dívida pública dos bancos e diminui o valor do colateral e das garantias do Estado detidas por estes.”
Ai coitados dos bancos, que nem queriam comprar dívida pública, tendo sido obrigados pelo malvado Estado, eles que só queriam ser solidários, tendo intermediado entre Frankfurt e Lisboa enquanto puderam, mas só porque o BCE não podia financiar directamente os Estados devido a tratados que saíram da imaginação de economistas da linha Gaspar. Antes, os bancos só tinham alimentado um ciclo de dívida privada, sendo os nós nacionais da rede financeira internacional para a qual o país foi atraído graças à liberalização financeira.
Agora, está na hora do Estado ser solidário com os bancos, abrindo caminho à sua capitalização sem contrapartidas, com a tal ajuda da troika, sem meter o bedelho na sua gestão, sem controlo. Reparem que o governo tem razão: isto está tudo interligado. Mas para descobrir o que se passou é necessário colocar as coisas ao contrário: a crise assinalou a socialização do risco do sector financeiro, como o caso BPN indicou. A “crise da dívida soberana” é só a segunda parte de uma crise que teve nos desmandos do capital financeiro a sua origem. Esta fase atinge sobretudo os Estados que não são soberanos do ponto de vista monetário devido a um euro disfuncional.
A também chamada “crise das finanças públicas” mostra, uma vez mais, a validade do ponto de um Cavaco regressado a um keynesianismo de manual muito superior às ficções do documento estratégico: o défice é uma variável endógena, que depende da evolução da actividade económica. Já tivemos demasiados anos de “crises das finanças públicas”, causadas pela combinação de estagnação e crise económica, seguidas de austeridade, que só aprofunda o problema económico, para indicar a inanidade da lógica que considera que a causa do problema está nas finanças públicas.
Isto deixou de ser um problema intelectual. É apenas um problema de poder. E quem manda, na ausência de contrapoderes democráticos, é o capital financeiro, coitado, tanta interligação...
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1 comentário:
"Isto deixou de ser um problema intelectual. É apenas um problema de poder".Excelente,fiz link com direito a título!Espero poder devolver.
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