Almunia, o vice-presidente da Comissão Europeia, o fim da social-democracia personificado, declarou que não estava à espera desta última fase da crise. Se calhar não estava mesmo à espera, assim comprovando o poder das ficções alimentadas por tantos economistas. Andavam e andam por aí a dizer, e em Portugal num monólogo sem fim, que a austeridade “acalmaria” os mercados. Esqueceram-se que a política económica só faz sentido se controlar e disciplinar os mercados, afirmando o primado da política democrática, o primado do emprego e da protecção social, o primado do investimento público que gera confiança e que, na realidade, nunca se dinamizou e coordenou na escala relevante, a da moeda que se partilha, como defendemos neste manifesto há dois anos atrás.
Já que estou a falar de um ex-dirigente do neoliberalizado PSOE, aproveito para mencionar o post de Paul Krugman, baseado num trabalho de Paul De Grauwe a que já fiz referência, onde se retoma a esclarecedora comparação entre o Reino Unido e a Espanha num contexto de crise. Apesar de ter uma dívida pública superior, o primeiro país paga taxas de juro inferiores ao segundo porque se financia numa moeda que controla, não tendo sido reduzido ao estatuto de uma região. A austeridade é aí um puro produto ideológico: a articulação entre as Finanças e o Banco Central dá uma outra margem de manobra a um Reino Unido que também faz uso da arma da desvalorização cambial.
Já a Espanha, como as outras “regiões” em regime de “bancarrotocracia” do Euro, tem de se libertar desta prisão monetária, seja através da correcção da assimetria do Euro, com reforçado orçamento e fiscalidade comuns e uma parte da dívida pública emitida e garantida por um BCE com outras prioridades, as verdadeiras euro-obrigações suportadas por um verdadeiro Banco Central, seja através da recuperação da soberania monetária e de tudo o que se segue. Estes são os dois caminhos para se poder começar a superar a austeridade, a política de aprofundamento da crise, a política do capitalismo de pilhagem e da minoria que dele beneficia. Pelo meio uma parte da dívida pública, a começar pela Grécia, terá de ser reestruturada e as instituições financeiras atingidas terão de ser capitalizadas e, se forem privadas, nacionalizadas sem apelo nem agravo. É claro que o programa político das elites é tentar minimizar as perdas dos accionistas e dos credores, a aliança rentista hegemónica, à custa da maioria dos cidadãos, em especial das periferias, mantendo um sórdido e insustentável statu quo financeiro.
Qualquer uma das duas saídas conhecidas pressupõe governos com outro tipo de atitude, com uma consciência mínima dos interesses dos povos, o que só acontecerá com um recrudescimento das lutas sociais. Caso contrário, as elites políticas permanecerão paralisadas. Paralisadas pelo poder do capital financeiro que ajudaram a reconstruir depois da crise, paralisadas pelas ficções de mercado que continuam a dominar na Economia, em suma, paralisadas pelas ideias e pelos interesses. O défice é sobretudo político porque a economia é irremediavelmente política, ou seja, é sobre quem tem poder e sobre quem está exposto a esse poder.
Entretanto, recupero uma análise da ONU que, através da UNCTAD, decidiu começar a denunciar a economia política da austeridade:
“O argumento mais avançado para apoiar a contracção orçamental é a necessidade de restaurar a confiança dos mercados financeiros. Isto é percebido, geralmente, como a chave da recuperação económica. Contudo, é importante ter em conta que a crise foi gerada pelo comportamento irresponsável de actores privados nos mercados financeiros, e que isso exigiu intervenções públicas muito onerosas. Portanto, é surpreendente que um largo segmento da opinião pública e dos decisores políticos esteja, de novo, a colocar a sua confiança nessas instituições, incluindo as agências de notação financeira, acerca daquilo que constitui uma gestão macroeconómica correcta e finanças públicas sólidas.”
A mensagem tem de ser clara e ir ao cerne do problema: a austeridade, num contexto de um sistema financeiro intocado, levará a economia mundial para a recessão e destruirá a Zona Euro. Almunia e o resto das elites estarão à espera deste desfecho?
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
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6 comentários:
Por mais que isto pareça passado, o futuro é uma economia estatizada e colectivizada, pelo menos nos seus sectores fundamentais. Tudo o resto são fait-divers do neo-liberalismo.
Por mais que isto pareça passado, o futuro é o comunismo, uma economia mundial colectivizada. Tudo o resto são fait-divers do neoliberalismo. Não é por acaso que o maior teórico marxista de todos os tempos sempre disse que o socialismo só poderia existir mundialmente. Meteram-lhe uma picareta na cabeça mas o futuro deu-lhe razão e quem mandou meter-lhe a picareta na cabeça passou directamente à categoria do maior lixo da história.
Estando a nossa dívida em euros, não seria preferível forçar uma situação de calamidade que levasse os restantes países da zona euro a largar a moeda única, de forma a desvalorizar a moeda em que vamos pagar?
Se a Grécia cair dificilmente será possível evitar o desmembramento da "família" do euro. Eu também partilho da opinião que a crise é sobretudo política. Temos uns responsáveis atados a uma política de recessão em que a única "solução" encarada é de taxar cada vez mais os rendimentos do trabalho, aumentar o desemprego e dar esmola aos pobres que são cada vez mais. Eles (os donos das finanças do mundo) ficam com bons activos financeiros, ajudam os pobres com as esmolas e de consciência tranquila podem esperar ir para o céu depois de morrer. Que sina a nossa!
"o primeiro país paga taxas de juro inferiores ao segundo porque se financia numa moeda que controla [e] também faz uso da arma da desvalorização cambial"
Quer dizer que os investidores internacionais, parvos como são, aceitam emprestar dinheiro a baixos juros a um país porque sabem que, além de auferirem juros baixos, ainda por cima receberão o seu dinheiro de volta cambialmente desvalorizado!
Quer isto dizer que, se Portugal voltasse a ter uma moeda controlada por si, poderia simultâneamente desvalorizar cambialmente essa moeda e emitir dívida denominada nela a baixos juros?
Luís Lavoura
Numa moeda própria o banco central determina os juros.
Como numa moeda própria o sistema é fechado os investidores têm de comprar os titulos que existem ou ficar em "cash".
A questão que se pode colocar é a taxa de câmbio, como evitar que desça demasiado e aí entra a taxa de juro.
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