(Mural de Diego Rivera, Indústria de Detroit ou Homem e Máquina, 1932-1933)
Na «Estrutura das Revoluções Científicas", Thomas Kuhn refere-se à noção de paradigma como um quadro epistemológico específico que, marcado pelo contexto histórico e social em que se inscreve, «baliza» o trabalho de uma comunidade científica. A primeira implicação subjacente a esta noção é a inexistência da «ciência em estado puro», isto é, independente (ou indiferente) ao tempo e ao contexto societal em que se situa. A segunda consequência remete, por sua vez, para a existência de diferentes paradigmas e para a sua sucessão, na medida em que o surgimento de «anomalias» - isto é, de aspectos da realidade que escapam ou contrariam as capacidades explicativas do quadro epistemológico vigente - suscita a necessidade de um novo paradigma, ou seja, de um novo quadro epistemológico de referência, que permita apreender e compreender adequadamente a aproximação da ciência ao real. Coexistindo no tempo, um novo paradigma afirma-se quando a acumulação de anomalias é suficiente para obrigar a abandonar o paradigma que, nesse sentido, o antecede.
Será certamente excessivo invocar a interpretação de Thomas Kuhn sobre a evolução do conhecimento científico, num sentido estrito, a propósito da actual crise económica e financeira. A subordinação da economia à política não é propriamente algo que o mundo não tenha já conhecido, aliás com manifesto sucesso, nos «gloriosos trinta anos» do pós-guerra. Contudo, ao mesmo tempo, é difícil não vermos no fracasso cada vez mais evidente do receituário da economia austeritária (a tese de somar recessão à recessão na expectativa, nada plausível, de gerar crescimento e a assumpção da racionalidade perfeita dos mercados, como motor naturalmente desejável de organização das economias), um exemplo das «anomalias» a que se referia Kuhn e a falência incontornável do paradigma do pensamento económico convencional. Quando o comissário europeu Olli Rehn diz que o tempo da Grécia se está a esgotar, perante o manifesto insucesso das medidas austeritárias, é preciso perguntar o que é que falhou, uma vez que não se pode acusar o governo grego de não ter seguido as receitas que lhe foram impostas. Para evitar o confronto com a inviabilidade da terapêutica, nada como continuar a atribuir as culpas ao doente, por mais disciplinada e obediente que tenha sido a sua conduta.
Entre nós, um aspecto particular do confronto entre distintos paradigmas na resposta à crise incide na questão dos salários directos e indirectos e do seu peso no défice de competitividade. O austeritarismo impõe a sua redução severa, atribuindo assim ao «factor trabalho» a responsabilidade pela situação actual e o papel-chave na sua superação. O acordo com a troika consagra esta visão, deteriorando ainda mais - como se não bastasse o acumular de evidências - as condições de recuperação económica e a fragilização da coesão social. Vale por isso a pena lembrar as palavras de José Reis, à saída do encontro de subscritores do manifesto pelo emprego e pela coesão, com Cavaco Silva, há cerca de duas semanas atrás: «Há alguns vieses muito graves neste memorando. Um deles é o de que nós tornamos a economia competitiva se alterarmos as leis laborais e se diminuirmos os custos salariais. Numa sociedade como a portuguesa isso é errado e perigoso. Vai enfraquecer as pessoas, vai criar crise social e não vai capacitar a economia. Porque uma economia ou uma empresa competitiva não é a que paga o salário mínimo, ou não é a que degrada as condições de trabalho dos seus trabalhadores. É aquela que cria capacidade competitiva, que envolve esses trabalhadores e que redistribui rendimento.»
5 comentários:
Você deve ter usado umas 40 vezes a palavra epistemologia. Demasiadas vezes para a pouca profundidade do post!
O tema da mudança de paradigma["pêra-digna"- pró Diogo:)],é talvez o fulcro da alavanca.Portugal todo( tb o portugal pró-fundo, aquele que tem medo de existir/investir e que come o porco todinho, bem privatizadinho) foi assustado e está, por isso, mais interessado.
Do Grau de Entropia à Turbulência na Economia tudo indica que o sistema quer parir outro futuro.Conhecidas todas as incoerências nos argumentos, os erros nas previsões, na prescrição e de análises, esta ideologia só se assusta com uma coisa: ser obrigada a apresentar os seus elementos de verificação.Se o Warren Buffet precisa de afirmar que os ricos estão a ganhar, qualquer coisa anda no ar...
É a capacidade de alterarmos a concepção do que apreendemos que nos torna realmente essências.
Diogo fiquei com uma duvida relativamente ao seu comentário...como relaciona o numero de vezes que uma palavra é utilizada num texto com profundidade do mesmo?
Anónimo 1 – (O tema da mudança de paradigma["pêra-digna"- pró Diogo:)])
Eu estou absolutamente convencido que de já desde a década de setenta (ou antes), estamos a assistir a uma mudança de paradigma, em aceleração exponencial, ultra-poderosa e irreversível (excepto no caso de uma enorme catástrofe planetária). Trata-se da evolução tecnológica, mais propriamente a automação e a inteligência artificial.
Não obstante as deslocalizações que têm havido (e as brincadeiras dos bancos que ora injectam, ora retiram dinheiro da economia – provocando desemprego), e que explicam em parte o desemprego que se tem vindo a registar no Ocidente, é sobretudo graças à introdução da automação que o desemprego está a subir vertiginosamente. E é tendência é a aceleração deste fenómeno.
De forma que, num prazo relativamente curto da civilização, teremos uma sociedade sem trabalhadores (porque todos foram substituídos por máquinas). Sem trabalhadores não haverá salários. Sem salários não há compras. Sem compras não há vendas. Sem vendas não há lucros. Sem lucros não haverá a propriedade privada dos meios de produção.
Esqueçam as bolorentas escolas keynesiana, de Chicago ou Austríaca. O paradigma mudou!
Anónimo 2 – (como relaciona o numero de vezes que uma palavra é utilizada num texto com profundidade do mesmo?)
Muitas vezes, a utilização de palavras pseudo-intelectuais destina-se mais a relevar a «cultura» do autor do que a explicar uma ideia. E então quando se abusa delas…
Diogo: tocou no ponto fundamental. A agricultura e a indústria sofreram uma autêntica revolução nos últimos 100 anos e perderam-se milhões de postos de trabalho nestas duas actividades com essa revolução. Enquanto que o sector dos serviços absorveu os postos de trabalho perdidos, não há actualmente nenhum sector mágico a absorver os empregos perdidos devido à mecanização dos serviços. E essa mecanização está a ocorrer em massa: caixas automáticas nos supermercados, monitorização automática em vários sectores da Engenharia, call-centers automáticos,...
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