segunda-feira, 5 de julho de 2010

Salvar o euro? IV - Propostas e cenários de saída da crise


A economia nacional encontra-se hoje numa trajectória descendente, onde as perspectivas de saída da crise não existem no debate público. O debate fez-se, até aqui, no campo da justiça social das propostas por detrás do ajustamento orçamental, sem o colocar em causa e assumir caminhos para a saída da crise. É fácil perceber porquê. As alternativas políticas progressistas colocam-se aparentemente em planos, ou demasiados distantes no espaço, a reforma das instituições europeias, ou no tempo, a saída do euro.

A primeira alternativa implicaria toda uma nova arquitectura institucional da zona euro, correctora dos desequilíbrios macroeconómicos dos diferentes países pertencentes à moeda única, promotora do crescimento económico ambientalmente sustentável e favorável ao trabalho. As propostas são muitas, e precedem a actual crise : orçamento europeu reforçado, ultrapassando o mísero 1% do PIB europeu, que corrija as assimetrias nacionais; criação de mecanismos de coordenação salarial que promovam o crescimento salarial como motor dinâmico da procura interna; refundação do BCE, permitindo uma política que tenha o emprego como prioridade, comprando, por exemplo, dívida directamente aos Estados; redefinição das regras do mercado único, permitindo aos diferentes países a autonomia necessária para a prossecução de políticas industriais promotoras da reconversão das economias; regulação do espaço financeiro europeu (compartimentação dos diferentes agentes, taxação das transacções, reintrodução dos controlos de capitais), etc.

No entanto, perante a improbabilidade de uma conjugação de forças sociais e políticas à escala europeia conseguir avançar com o programa acima proposto, a urgência da crise obriga a pensar outros cenários. Com todos os países europeus a enveredarem por programas de austeridade conducentes a uma nova recessão europeia, a almejada consolidação orçamental é uma miragem. Se nada for feito para disciplinar os mercados financeiros, um novo ataque especulativo sobre os países do Sul é só uma questão de tempo.

É necessário pois pensar numa possível estratégia imediata de reestruturação da dívida e consequente quebra do tabu nacional de que está envolto o debate sobre a saída do euro. Embora o nível da dívida pública nacional esteja dentro dos padrões médios europeus, a sua reestruturação obrigaria, pelo seu efeito externo, a uma reestruturação da dívida privada (de empresas e famílias), verdadeiro lastro da nossa economia impeditivo do investimento. O sector financeiro seria fortemente afectado e a sua nacionalização tornar-se-ia quase obrigatória. No entanto, o Estado adquiriria assim instrumentos vitais de intervenção na prossecução de uma política industrial que apostasse na reconversão ambiental e requalificação do tecido económico. Por outro lado, a saída do euro permitiria a desvalorização cambial e aumento da competitividade externa da nossa economia, corrigindo assim os seus desequilíbrios estruturais.

Dois argumentos contrários a esta estratégia podem ser apresentados: as fontes de financiamento externo secariam; a desvalorização cambial implicaria um aumento da inflação. É certo que, no curto prazo, os países que entram em default não conseguem aceder aos mercados de capitais internacionais. No entanto, este período, se olharmos para experiências passadas, costuma ser de poucos anos, sobretudo se o Estado optar por uma reestruturação antes de a isso ser forçado, obtendo os credores internacionais melhores condições posteriormente. Entretanto, o Estado pode optar pelo financiamento monetário da dívida e pela introdução de controlos de movimentos de capitais, cujo automático efeito seria um aumento da taxa de poupança interna graças ao fim da fuga dos capitais que agora procuram os paraísos fiscais. Por outro lado, o aumento do investimento que as novas margens das exportações permitiria, graças à desvalorização monetária, resultaria naturalmente em taxas de poupança privada mais elevadas.

Existiriam certamente pressões inflacionistas, mas no actual contexto internacional deflacionário não é credível que esta chegasse a níveis suficientemente elevados para afectar o ritmo de crescimento económico. Este é um caminho que não está isento de riscos, todavia a experiência dos países que atravessaram situações similares recentemente (Rússia, Argentina, Uruguai, Equador) mostra que, depois da crise e de quebras no PIB, a recuperação é rápida e robusta . Acresce o facto de a antecipação e concertação de tal opção acarretar menos custos e permitir um ajustamento mais fácil.

Perante políticas públicas que não nos fornecem qualquer horizonte de superação da crise, esta pode ser a única alternativa. O euro não se/dificilmente se salvará, para desilusão de José Sócrates. A nossa economia e os seus trabalhadores talvez sim.

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