quarta-feira, 7 de julho de 2010

Reconciliar os portugueses com a política (I)



No livro Representação Política – O Caso Português em Perspectiva Comparada verificámos uma profunda insatisfação dos portugueses com o funcionamento da democracia e um cavado distanciamento entre eleitores e eleitos.
A satisfação com o funcionamento da democracia atingiu, em 2008, o ponto mais baixo desde 1985 (cerca de 30 por cento) e está abaixo da média dos cerca de 30 países usados como comparação. O sentimento de distância dos eleitores face aos representantes revelou-se também muito elevado e acima da média dos 30 países. Não é de crer que a situação tenha mudado muito desde 2008. Numa altura em que o PSD parece estar prestes a apresentar o seu projecto de revisão constitucional e em que um dos elementos é a reforma do sistema político, designadamente com a proposta do “voto preferencial” (PÚBLICO, 2/7/2010; Visão, 1/7/2010), vale a pena reflectir sobre em que medida esta solução pode ajudar a reconciliar os portugueses com a política. De caminho, aproveito para responder a vários leitores (subscritores da petição defendendo uma redução de deputados de 230 para 180) que me escreveram pessoalmente (ou em cartas a este jornal) por causa do meu artigo de 31/5/2010 (“A democracia debaixo de fogo”) onde eu abertamente contestava a argumentação dos peticionários.


Antes de apresentar as vantagens do voto preferencial, recordemos o status quo (“listas fechadas e bloqueadas”) e os problemas associados. Quando votamos podemos apenas pôr uma cruzinha num dos partidos e, por isso, mesmo que estejamos profundamente desagradados com a performance de alguns deputados nada podemos fazer a não ser mudar de partido. Este sistema foi escolhido (e bem) para fortalecer os partidos. Mas hoje os partidos estão consolidados e sobressaem os problemas. Primeiro, os deputados preocupam-se sobretudo em agradar às direcções partidárias, subalternizando os eleitores, pois a sua reeleição depende da posição nas listas. Segundo, os eleitores têm muita dificuldade em saber quem são os deputados que os representam e, sobretudo, estão impossibilitados de os responsabilizar. O “voto preferencial”, que também propusemos num livro publicado em 2008 (Para uma melhoria da representação política – a reforma do sistema eleitoral), pode precisamente ajudar a reconciliar os portugueses com a política: dando mais poder aos eleitores na escolha dos deputados e, assim, criando incentivos para que estes se preocupem mais com aqueles. Mais, esta via nada tem que ver com a redução do número de deputados. Pelo contrário, tal redução é contraditória com o voto preferencial, como veremos.

Publicado originalmente no Público de 5/7/2010.

3 comentários:

Luz Santos disse...

E cada vez mais a reconciliação será mais difícil.
A luz A Sombra

Anónimo disse...

Tal como nos EUA, chegaremos em breve ao ponto em que a grande maioria das pessoas não irá votar por não acreditar minimamente nos chamados politicos.
Será esse o resultado do trabalho que ao longo dos anos, pacientemente, os tais politicos, têm vindo a fazer com o exemplo mais actual do Socrates e já também do Passos Coelho, ao dizer e desdizer, ao que sim e que não, em suma, ao mentir sem qualquer vergonha.
Como é que pessoas deste carácter alguma vez poderão conciliar os portugueses com a politica.!!??
Não me parece possivel isso acontecer a não ser que os portugueses continuem a gostar de ser enganados (parvalhões) e com isso não se importarem( o que, infelizmente, até agora até parece ser o caso ao terem dado a votação que deram ao PS nas últimas eleições depois de tantas malfeitorias.)
Nao podemos deixar de ter memória e esquecer as malfeitorias, e foram muitas.

Anónimo disse...

Obrigado pelos comentários!
AF