Se dúvidas houvesse sobre o que estava em causa na reunião de emergência de Maio, as condições impostas aos Estados periféricos como contrapartida do fundo de emergência rapidamente as dissipam. Depois das medidas anunciadas em Março por todos os países do Sul da Europa no sentido de ajustarem os seus défices orçamentais aos arbitrários 3%, definidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, até 2013, entretanto ultrapassados pela generalidade dos países devido à crise financeira global, estes Estados viram-se obrigados a anunciar um segundo pacote de medidas visando a aceleração dos seus ajustamentos orçamentais e assim assegurar os pagamentos aos credores internacionais. Os efeitos destas medidas são, como José Sócrates confessa, conhecidos. A contracção imposta, agora de 2% de redução do défice em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) para Portugal, já em 2010, terá como natural efeito o retorno à recessão. Num contexto de forte retracção do investimento privado (com uma redução de 17% durante o ano de 2009) e dos mercados exportadores (já que os nossos mais importantes mercados, como a Espanha, embarcaram na mesma austeridade), não é só o aumento do desemprego que devemos esperar. A famigerada estratégia de consolidação orçamental fica condenada, já que os impostos arrecadados serão menores e a despesa será maior, graças, por exemplo, ao crescente número de desempregados. O cenário de novo ataque especulativo aos títulos dívida com consequente incumprimento por parte do Estado português torna-se um horizonte próximo.
Todavia, este PEC não deve ser tomado como mero exercício de austeridade condenado ao fracasso. O que se propõe com as novas regras de atribuição do subsídio de desemprego (cujo impacto orçamental Sócrates confessava desconhecer), o «plafonamento» das prestações sociais, o congelamento de salários da função pública, o aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) é uma efectiva ofensiva sobre os salários e os trabalhadores. O governo esforça-se por mostrar a justiça social das medidas anunciadas com o fim dos múltiplos benefícios fiscais, a extraordinária taxa de 2,5% de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) sobre as grandes empresas ou a taxação das mais-valias bolsistas. No entanto, se nos guiarmos pelas estimativas fornecidas pelo próprio governo quanto ao impacto orçamental das diferentes medidas, observamos a sua assimetria. Para 2011, o impacto orçamental das medidas, atrás listadas, que afectam os trabalhadores e os mais vulneráveis equivale a 1,8% do PIB, enquanto que o impacto orçamental das medidas visando os rendimentos do capital e dos mais ricos equivale a 0,6% do PIB . Acrescente-se o plano de privatizações que incide sobre empresas de bens não transaccionáveis, como a Rede Eléctrica Nacional (REN), com pouca ou nenhuma concorrência e com lucros garantidos, e um conjunto de importantes serviços públicos, como os Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT), e temos a receita para uma brutal redistribuição de rendimento, onde são os mais pobres que pagam a factura. Com o desemprego a crescer, aumenta a violência sobre os mais vulneráveis para aceitarem qualquer trabalho a qualquer preço. Assim se cumpre o verdadeiro objectivo das medidas de austeridade, a redução salarial como forma de ajustamento estrutural da economia portuguesa.
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1 comentário:
1. Limite de 3% de facto é arbitrario. Na situação actual devia ser excedente orçamental primario.
2."entretanto ultrapassados pela generalidade dos países devido à crise financeira global"
Isto é pura e simplesmente mentira. A crise através da diminuição do PIB fez aumentar os indicadores em % do PIB, mas os niveis de endividamento astronomico e insustentavel já vinham de trás. E mesmo sem a redução do PIB em virtude da crise os limites do 3% e de 60% (que são estabelecidos em % do PIB) já eram frequentemente ultrapassados antes.
Mesmo com sem crise em 2005 o nível de divida da Grécia já era 100% do PIB e isto sem contar com com as aldrabices para esconder a divida que só foram conhecidas depois.
Uma vez que a informação relativa aos defices e aos stocks de divida dos varios paises da UE está amplamente disponivel, começo a convencer-me que é intenção de alguns autores deste blog mentir deliberadamente às pessoas.
3. O maior problema não é pagar aos credores internacionais, aliás no caso de Portugal e da Grécia o melhor é avançar já para o default, até porque o default é inevitável.
A questão mais importante é obrigar os governos a manter um nível de despesa sustentavel. Pois só governos com um nivel de despesa sustentavel podem sustentar consistentemente os serviços que cabe ao estado prestar e contribuir significativamente para o desenvolvimento dos respectivos países.
4. Se eu der 100.000 € a um mendigo o PIB desse mendigo aumenta 100.000 €. Significa isto que este mendigo pode adoptar um padrão de despesa condicente com 100.000 € por ano?
Sim, mas só por UM ano!
Ora é precismente isto que se passa com Portugal. Grande parte do crescimento Português das ultimas duas decadas, e até antes disso, deveu-se sobretudo às transferencias da UE. Agora que o dinheiro da Europa acabou vamos voltar a ser a pobres. Isto nem sequer é um entrar em austeridade, isto é um regressar à realidade.
Os fundos de coesão foram uma oportunidade de desenvolvimento como provavelmente já não tinhamos desde o ouro do Brasil, e foram integralmente desperdiçados. Aliás pior, não só não se desenvolveu a economia, como ainda se danificou a economia promovendo a produção não transacionavel e habituando o povo ao pão e circo de um nível de vida que era claramente insustentavel.
5. Quanto à quebra da receita fiscal por causa do desemprego.
Por exagero, imaginemos que o estado paga 1000 € de salario a um desempregado e depois cobra um imposto de 30%. O estado está a gastar 1000 e a receber 300.
Como é obvio as coisas não são exactamente assim, pois o estado tem sempre alguns custos com o individuo que está desempregado. No entanto, mesmo assim o exemplo é bem representativo do porquê a quebra das receitas fiscais não é argumento para o estado gastar mais dinheiro.
As pessoas que estão desempregadas devem ter acesso a alguns serviços minimos, que na minha opinião deveriam ser integralmente em genero (nem um €), e deveriam ter acesso a educação de qualidade, a titulo gratuito, para que pudessem adquirir qualificações para se auto-sustentarem.
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