Esta semana ficámos a saber que a Comissão Europeia receia pela sobrevivência do euro. Há na Comissão quem acredite que os desequilíbrios macroeconómicos internos à zona euro põem em causa a viabilidade da união monetária. Eu não estaria mais de acordo: não é sustentável a prazo que economias sujeitas à mesma política monetária e à mesma taxa de câmbio tenham posições tão distintas nas suas balanças externas como no caso da Alemanha (com grandes excedentes) e de Portugal, Espanha, Irlanda ou Grécia (com défices avultados).
O que eu tenho dificuldade em perceber é a linearidade da resposta que a Comissão Europeia encontra para este problema, ou seja: balanças externas deficitárias revelam falta de competitividade; para repor a competitividade é preciso desvalorizar; como isso não se pode fazer através da moeda (já que ela é a mesma para as economias em causa), então desvalorize-se tudo o resto – a começar pelos salários.
Curiosamente, os mesmos que defendem estas receitas, aparentemente tão óbvias, quando são chamados a pronunciar-se sobre os desequilíbrios macroeconómicos mundiais, apontam recorrentemente no sentido inverso - ou seja, para a necessidade de a China valorizar a sua moeda e aumentar a procura interna (nomeadamente, através do aumento dos salários). Por outras palavras, desequilíbrios semelhantes merecem respostas inversas.
A verdade é que os desequilíbrios internos à zona euro, tal como os desequilíbrios à escala global, são resultado do conjunto das políticas económicas prosseguidas. O excedente comercial alemão é não mais do que a outra face do défice externo das economias periféricas da zona euro - tal como o excedente Chinês é o contraponto do défice americano. E a política de rendimentos, que na Alemanha tem vindo a ser marcada por uma obsessão com a contenção salarial (que se comprova injustificada e que necessariamente vai arrastando consigo as restantes economias da zona euro), é uma variável central deste processo.
Parece cada vez mais consensual que a sustentabilidade do euro (e, em última análise, da integração europeia) não dispensa um reforço significativo da coordenação das políticas económicas da UE. Falta reconhecer que as políticas salariais têm de ser incluídas em qualquer mecanismo de coordenação a desenvolver.
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6 comentários:
«Falta reconhecer que as políticas salariais têm de ser incluídas em qualquer mecanismo de coordenação a desenvolver. »
Olha que esse reconhecimento já existe e até parece ser posto em prática, pois como referes no teu texto, o emprego passou a ser o único ou quase único instrumento de política económica para corrigir os desequilibrios. O unanimismo das soluções e das propostas políticas dos «construtores» europeus e de outros «decisores» mundiais parece indiciar que o reconhecimento já existe de facto, no sentido de garantir a continuidade das políticas e dos consequentes desequilíbrios.
A pergunta não é pertinente.
A China é um problema? Para quem?
A Alemanha é um problema? Para quem?
Para nós, portugueses, por exemplo?
A China é um problema, por quê? Porque se apresenta nos mercados mundiais oferecendo os seus produtos a preços imbatíveis pelas nossas indústrias de baixa tecnologia?
Se é esse o problema, resolve-se desvalorizando a nossa moeda?
Admitamos que não tínhamos aderido ao euro e que continuaríamos com o escudo. Quanto teríamos que ter desvalorizado para que aquelas indústrias, importantes para a economia portuguesa, tivessem competitividade? 30%, 40%, 50% relativamente ao ponto de partida (1 euro= aprox. 200 escudos)?
Chegava? E se chegasse teríamos o problema resolvido? Quanto teria custado essa desvalorização no outro lado da balança, do lado da importação de combustíveis, etc.?
Não tínhamos o problema resolvido até porque o combate através de desvalorizações competitivas não tem desfecho garantido.
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"In the Great Depression, countries tried to protect themselves at the expense of their neighbors. These were called beggar-thy-neighbor policies, and included protectionism (imposing tariffs and other trade barriers) and competitive devaluations (...) these are no more likely to work today then they did then; they are likely to backfire." (Stiglitz - Freefall).
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A questão é outra: O nosso sector económico transaccionável (aquele que tem de competir nos mercados internacionais) tem sido saqueado pelos não transaccionáveis, funcionalismo incluído.
É por demais evidente que se da riqueza nacional o sector não transaccionável se apropria de uma fatia superior ao crescimento da riqueza (ou se e apropria mais mesmo quando a riqueza decresce)
o resultado conduz ao definhamento do sector burlado.
E foi isso que aconteceu desde que entrámos no euro. No caso do funcionalismo público, a sua capacidade de mobilização (têm o emprego garantido) tem-lhes concedido força para se apropriarem de uma parte proporcionalmente superior ao crescimento da riqueza global, à custa dos outros.
O mesmo raciocínio se aplica aos monopólios de facto com preços regulados ou subvencionados.
É aí que está a raiz do problema.
Que fazer: Pois não consentir, constitucionalmente, se for preciso, que não possa o sector não transaccionável apoderar-se de uma fatia em proporção superior ao da riqueza global.
O que se passa agora é que, administrativamente, o Governo (este e os outros) atribui aos sectores com mais poder negocial político vantagens que retira aos sectores produtivos de bens e serviços transaccionáveis, matando-os a pouco e pouco.
A saída está, pelo menos em grande parte, na correcção desta iniquidade.
Por favor no antepenúltimo período leia
fatia em proporção superior ao (do crescimento) da riqueza global.
em lugar do que lá está.
O Rui Fonseca chama atenção para uma questão muito importante!
O bê-à-bá do economês, tanto à esquerda como à direita, escandaliza-se quando os factos económicos (distribuição da riqueza) são tão inocentemente "descomplexificados".
...
E vai daí; os enfermeiros já admitem "radicalizar a forma de luta".
Já dizia o outro (... e a outra), "é a luta, é a luta..."!
Ricardo,
há uma diferença, e não é pequena, entre coordenar a política salarial e usar os salários como única variável de ajustamento.
Por exemplo, o texto do Collignon para o qual remeto no post, propõe que haja uma regra ao nível da UE para fixar a evolução do nível salarial em cada país, a qual tem em conta a inflação, o crescimento da produtividade e os custos unitários de trabalho em toda a UE.
Independentemente dos detalhes desta proposta, ela tem um grande mérito - o de repartir o esforço de ajustamento pelos vários países (nomeadamente, impondo aumentos salariais mais significativos a países como a Alemanha).
Pelo contrário, o que temos actualmente é uma situação em que só os países com problemas de défices externos avultados têm de se preocupar com o assunto - o que significa, na prática, reduzir os salários. O resultado, obviamente, é uma tendência para a contracção permanente do peso do trabalho no rendimento nacional, bem como para uma repressão da procura agregada ao nível da UE (com resultados negativos sobre o emprego e o crescimento).
Em suma, o que temos é mesmo a ausência de mecanismos de coordenação salarial - e tenho dificuldade em perceber que alguém que não está alinhado com o projecto neoliberal rejeite a necessidade de tais mecanismos. Mas estou sempre disposto a ser convencido do contrário. Haja argumentos.
"Haja argumentos."
Os que aduzi não lhe dizem nada?
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