quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Não queremos consensos, queremos clareza nas opções

A julgar pelo que se vai lendo e ouvindo na comunicação social portuguesa, parece que estamos condenados a escolher entre promover o investimento público – como forma de estimular a actividade económica e combater o desemprego – e diminuir os níveis de endividamento externo.

Eu não estou entre aqueles que minimizam a importância do endividamento externo. Segundo os dados do Banco de Portugal, a posição do investimento internacional (i.e., a diferença entre o que os agentes económicos portugueses devem e o que têm a haver ao/do exterior), atinge valores negativos que são já superiores ao PIB. Ou seja, todo o rendimento gerado internamente num ano – salários, lucros, etc. – seria insuficiente para pagar as dívidas acumuladas. A necessidade de saldar essas dívidas irá implicar, em maior ou menor medida, a redução do consumo interno e do investimento, com consequências negativas não apenas nos níveis de emprego a curto e médio prazo, mas também nas perspectivas de crescimento a longo prazo. Este é o custo que iremos pagar pela euforia despesista que esteve associada à forte descida das taxas de juro ao longo da década de 1990 e ao novo-riquismo então reinante (muitas casas em 'zonas nobres', muitas viagens a 'destinos exóticos', muitos carros de 'alta gama', …), euforia essa que não só não foi contrariada como foi estimulada pelos poderes reinantes. Incluindo, não haja dúvida, o tal senhor que vem agora falar de situações explosivas.

Sugerir, como fez o senhor de Boliqueime ao utilizar aqueles termos, que o investimento público é receita certa para a falência do país é não apenas irresponsável (por contribuir para a instabilidade e para manter o debate num nível medíocre), como pouco pertinente. Não se trata apenas de reconhecer que o investimento constitui condição necessária para o crescimento, sem o qual nunca se poderá reduzir o endividamento. Trata-se também de perceber que, face aos actuais níveis de endividamento privado (de bancos, empresas e particulares), o investimento público vai de facto continuar a ser um motor fundamental da actividade económica.

Em vez de aumentar o nível de histeria e de diminuir o nível da discussão, o PR faria melhor se apelasse à clareza do debate e das opções – tanto por parte do Governo como das oposições. O Governo deveria ser transparente e convincente na sua opção pelas grandes obras (TGV, aeroporto, auto-estradas) – incluindo no esclarecimento da aparente discrepância entre a defesa que tem feito do investimento público e os níveis de execução previstos a este nível. A oposição de Direita deveria deixar claro, justificando devidamente as suas posições, (1) se discorda que o investimento público é indispensável nesta fase, (2) se considera que os grandes investimentos previstos pelo governo deveriam ser cancelados (o que nunca se atreveu a fazer) e (3) se defende que a situação orçamental é tão crítica que exige um programa de ajustamento (não obstante as implicações dessa opção em termos de desemprego) e qual a natureza desse ajustamento. A oposição de Esquerda, que tem deixado clara a defesa do reforço do investimento público na fase actual, deveria esclarecer se se revê ou não nalgum programa de exigência no que toca às despesas e receitas do Estado (reconhecendo que as más decisões nestes domínios contribuem para acelerar a destruição de um Estado capaz de intervir no padrão de desenvolvimento económico e social).

Mas o PR parece estar mais preocupado em tirar dividendos políticos de uma situação em que escolhas difíceis se impõem, do que em contribuir para a clareza do debate e das opções a tomar. Estranho é que ainda haja quem o tenha como um referencial de confiança e de responsabilidade.

4 comentários:

Paulo disse...

Havia tanto a dizer sobre a utilização da expressão "senhor de Boliqueime"...

pedro frederico disse...

Boa tarde, sim, mais fácil será mesmo o Sócrates deixar governar o cavaco....porque apesar de tudo iria fazer melhor...aliás como se vê pela falta de soluções deste (des)governo e dos seus acólitos que pedem soluções à oposição e até ao PR...se o senhor votou no Ps estará para sempre ligado, e com cota parte de culpa à situação do país...agora culpar os outros pela falta de soluções do governo não me parece correcto...ao menos ainda concordamos em chamar senhor ao de Boliqueime, enquanto que ao de maçada não há epíteto mais próximo da verdade que...animal...lembra-me os chimpanzés que são ensinados a comer de faca e garfo.....só que o prato desta vez é um País e os restos que caiem fora do prato a maior parte da população não acólita e não rastejante...

Anónimo disse...

Concorda que com uma taxa de IRC de 25% e uma TSU de 23,75% por trabalhador para financiar o que chama de "más decisões nestes domínios contribuem para acelerar a destruição de um Estado capaz de intervir no padrão de desenvolvimento económico e social" não são uma relevante fonte de repulsa do tão premente investimento privado?

Estão sempre prontos para criticar as políticas "Copy-paste" do FMI, com toda a legitimidade, mas estão sempre a sugerir um processo "Copy-paste" das políticas do Roosvelt.. descorando totalmente a envolvente contextual..

Apesar deste post ainda ser dos mais ponderados dos aqui escritos, ainda apresenta alguns tiques de demagogia.. ao pé de António Guterres qualquer ministro é uma Margaret Thatcher no que toca a despesismo..

Carlos Albuquerque disse...

Admitindo a necessidade de investimento público, será que o TGV, as auto-estradas e o novo aeroporto são o investimento mais adequado e necessário ao país e à melhoria da sua economia?

Ou qualquer investimento serve, mesmo que seja para comprar tecnologia estrangeira e necessitar de manutenção caríssima?