quarta-feira, 16 de abril de 2008

Contra a Filantropia

Quando começam a aparecer as primeiras perversidades das fundações caritativas multimilionárias (como a Gates Foundation), vale a pena lembrar cinco breves razões para ser crítico da filantropia (retiradas daqui):

1- Legitima e cristaliza a crescente desigualdade na distribuição do rendimento.

2- Corrói a democracia. Por que devem ser os mais ricos a definir as prioridades sociais? Devem ser os governos eleitos, impondo sistemas fiscais realmente progressivos, a decidir.

3- Impõe atitudes pró-mercado, com consequências não esperadas. A Fundação Gates é um bom exemplo.

4- Na forma como é muitas vezes condicionada (p.e. obrigação de compra de determinados produtos e serviços), a filantropia não passa de marketing.

5- Ao ocuparem o espaço público e mediático, estas fundações enfraquecem os movimentos sociais de base.

10 comentários:

alexandre disse...

O pai da Filantropia foi o Andrew Carnegie...
Fica tudo dito.

João Dias disse...

Concordo em pleno.

Reúne o pior da caridade eclesiástica com merchandising de solidariedade.

Fernando Vasconcelos disse...

Não concordo com esta análise.
1 - O combate a essa desigualdade não se faz combatendo aquilo que ainda assim é uma redistribuição da riqueza . A alternativa é manter tudo na mesma. Pior certamente.
2 - Não devem definir as prioridades mas podem ajudar a fazê-lo. Não vejo mal nisso. Só farão o que deixarmos que façam.
3- Eu sou a favor do mercado. regulado. Também não vejo mal nisso per-se.
4 - Também não estou a ver qual o problema de ser marketing. Aliás digo-lhe que é precisamente marketing que é necessário para que se consiga manter a sociedade coesa.
5 - Mais uma vez apenas o que deixarmos.

Pedro Sá disse...

Não posso concordar:

1. É um problema apenas de quem decide gastar dinheiro nisso. E cada um gasta o seu dinheiro como quiser.

2. O que fazem as instituições filantrópicas obviamente não pode nem deve condicionar o trabalho do Estado.

3. É curioso que a conclusão 5. seja contraditória com a crítica de 2. É tão ilegítimo defender que só os mais ricos definam as prioridades sociais como defender que algumas organizações têm que ser mais fortes que outras só por serem "de base".

João Dias disse...

Parece-me que não se pode negligenciar um factor real e importante, a solidariedade pode ser, ou não, mero instrumento para arrecadar receitas.

Digamos que não me parece correcto o mercado da solidariedade, imaginem a possibilidade de poder enriquecer entidades que dizem que vão fomentar a distribuição...não parece que está algo de seriamente errado nisto?

Em relação ao ponto 3 levantado pelo Pedro Sá:

Entenda movimentos de base, como movimento sociais, não julgamos quem está na sua génese, pobre, médio, rico...podre de rico. A questão é que é diferente o Bill Gates exercer solidariedade num movimento de "base" sem fins lucrativos, juntamente com elementos sociais diversos, de criar um mercado de solidariedade com contrapartidas financeiras para mesmo. Acho que os contributos para solidariedade devem ser distintos de todo e qualquer produto, caso contrário entra-se num campo promíscuo entre usar a solidariedade como mercado, como factor de impulsão de vendas.

Mas essa nem é será a questão de fundo, a questão é que as desigualdades sociais não precisam de solidariedade, precisam de justiça...

Anónimo disse...

"...as desigualdades sociais não precisam de solidariedade, precisam de justiça..."

Ora nem mais...

Fernando Vasconcelos disse...

Com o devido respeito penso que em relação ao João Dias e ao anónimo das 23:29 estamos a discutir semantica quando dizem que não é necessária solidariedade mas sim justiça. Ora a justiça social é administrada por quem? Pelo estado, correcto ? e o estado é o quê ? Trata-se de uma entidade com vida própria ? alguma espécie de animal ? Não. O estado somos todos nós. Ora a solidariedade não é mais do que a expressão da nossa vontade de diminuir essas desigualdades. Se cada um de nós não o estiver disposto a fazer INDIVIDUALMENTE nunca conseguiremos uma verdadeira acção colectiva conduzida pelo estado. Acho eu.

João Dias disse...

Sim é uma questão semântica, sendo que a semântica é análise da linguagem no que respeita ao estudo do significado das palavras, eu disse e repito que precisamos de justiça. Mas a semântica não é alheia à realidade, logo quando escolho uma palavra em substituição de outra é porque quero precisar realidades diferentes.

A solidariedade é um acto caridoso, algo que é exercido sobre pessoa que pode até ter caído em ruína por culpa própria...e para diferenciar, eu digo, precisamos de justiça. As desigualdades tem culpados, por sua vez a solidariedade não ataca as causas, não cria os mecanismos institucionais para o bem estar assegurado, remedeia a condição de indivíduos, põe-lhes, pontualmente, dinheiro em cima. Eu quero justiça, eu quero educação, eu quero um mercado laboral justo, eu quero remunerações justas eu quero que a solidariedade seja uma miragem.

Obrigado pela explicação sobre o que é o Estado, mas não era mesmo essa a questão que estava em causa.

Fernando Vasconcelos disse...

Caro João: Bem em primeiro lugar pelo tom da sua resposta fico com a sensação que de alguma forma fui incorrecto consigo. Não era de todo a minha intenção e peço-lhe desde já desculpa por qualquer coisa que o tenha irritado. Isto dito a sua resposta quanto à semântica ignora o facto que ao ser invocada como foi pretende referir que a diferença está nas palavras e no seu significado e não na realidade que descrevem. Sinceramente acho que não se apercebeu da realidade que eu estava a descrever. Quando diz que as desigualdades têm culpados concordo inteiramente. Todos nós somos culpados sem excepção. E enquanto cada um de nós não estiver disposto a corrigir individualmente - não por ser caridoso, mas por ser justo - não há estado que possa resolver o problema. Nesse sentido em cada cada caso que um de nós se dispõe a fazer a sua parte da correcção do problema parece-me que se está a fazer justiça não caridade. O mesmo se aplica em relação aos poderosos.

João Dias disse...

Olhe, está enganado não estava a querer induzir nenhum tom mais amargo na minha escrita, se calhar o meu estilo de escrita "seco" pode levá-lo a pensar que sim, mas garanto-lhe que não. Havia alguma ironia no agradecimento pela explicação, mas nada de amargura, irritação e etcteras.

"...ignora o facto que ao ser invocada como foi pretende referir que a diferença está nas palavras e no seu significado e não na realidade que descrevem."

Posso me ter expressado mal, mas estava mesmo a enfatizar que as minhas palavras e a semântica das mesmas materializavam realidades diferentes.
Aliás era isso que eu queria dizer quando disse que:

"Mas a semântica não é alheia à realidade, logo quando escolho uma palavra em substituição de outra é porque quero precisar realidades diferentes."

"Todos nós somos culpados sem excepção."

Com certeza, mas uns muito mais que outros. O Milton Friedman, por exemplo, é/foi muito mais culpado do que eu.

". Sinceramente acho que não se apercebeu da realidade que eu estava a descrever(...)
. E enquanto cada um de nós não estiver disposto a corrigir individualmente - não por ser caridoso, mas por ser justo - não há estado que possa resolver o problema. Nesse sentido em cada cada caso que um de nós se dispõe a fazer a sua parte da correcção do problema parece-me que se está a fazer justiça não caridade. O mesmo se aplica em relação aos poderosos."


Percebi. Repare que posso corroborar parte do que disse, mas o facto de actuarmos/corrigirmos um problema não é condição suficiente para dizer que estamos perante um acto de justiça e não uma acto de caridade. Se você der comida a um pobre você salva-lhe a vida, sem no entanto ter criado os mecanismos institucionais para que esse pessoa não estivesse nessa condição à partida. As conquistas sociais são feitas na política, por partidos, por vontade colectiva materializada no voto, por organizações não governamentais que pressionam por políticas justas. Se por exemplo, Bono Vox apelar às pessoas para pressionarem os respectivos governos para criar mecanismos justos é uma coisa, se disser que ao comprar o cd dele x por cento vai para os pobrezinhos é outra...


O que me adianta que Bill Gates reverta parte das receitas para mecanismos solidários se, depois, desvirtua por completo as regras do mercado, criando assim mecanismos injustos que geram desigualdade?

Estou precisamente a apelar para que das consciências individuais nasça a vontade colectiva materializada no Estado de corrigir as injustiças. Por isso, o que disse em nada contradiz o que disse/digo.