quarta-feira, 17 de maio de 2023

Haja limites


Ontem entrei na livraria Almedina do Estádio, em Coimbra, e lá estava, em grande destaque, o livro: Os Limites Sociais do Crescimento, da autoria do economista britânico Fred Hirsch (1931-1978), editado pela Actual, uma das chancelas da Almedina. 

Publicada um ano antes de 1977, o ano em que nasci, é, a par de A Grande Transformação (1944), de Karl Polanyi, a obra que mais me marcou. Li-a no início do milénio. E influenciou-me tanto que escrevi, em co-autoria com Luís Francisco Carvalho, um artigo académico a chamar a atenção para a sua relevância, aquando do trigésimo aniversário da sua publicação. 

Tal como Polanyi, Hirsch tinha atrás de si uma carreira de jornalista financeiro quando publicou, aos quarenta e cinco anos, o seu Magnum Opus. Foi editor financeiro da The Economist e economista no FMI, antes de alcançar uma posição académica na área de estudos internacionais, em Warwick, durante um período infelizmente muito breve. 

Tal como A Grande Transformação, este é um livro que cruza economia política e economia moral. No entanto, como é claro, tem por referência um contexto histórico radicalmente diferente, o dos anos 1970, marcado pelo relatório do Clube de Roma, pela turbulência económico-financeira e suas declinações civilizacionais, depois do período de capitalismo gerido dos trinta gloriosos anos, cujas contradições não deixa de assinalar de forma original e penetrante. 

O livro em causa ficou sobretudo conhecido por nos ter legado o conceito de “bem posicional”, um tipo de bem cuja importância cresceria com o desenvolvimento de uma sociedade capitalista. O conceito de bem posicional foi depois popularizado, com a devida referência, por Sheldon, na hilariante série A Teoria do Big Bang, como “um objeto que é valorizado na medida em que não é possuído por outros, substituindo o mais coloquial, mas mais impreciso, ‘na na na naaaa’”. O egoísmo estaria sendo institucionalizado pela proliferação destes bens, cuja gestão mercantil só aumentaria a frustração social.

Num exercício de grande elegância conceptual e histórica, Hirsch parte deste conceito para explorar muitas dinâmicas intencionais e não-intencionais do capitalismo do seu tempo, sublinhando como os mercados nos podem trancar numa “tirania de pequenas decisões” geradora de resultados perversos. Entre estes está a erosão de valores, da moralidade, que os próprios mercados, necessariamente limitados, requerem para o seu regular funcionamento, o argumento central num livro absolutamente marcante. Espero que a tradução esteja à altura da escrita clara e depurada de Hirsch, resultado de muito treino.

Adenda: Agora falta traduzir o melhor livro de Albert HirschmanExit, Voice and Loyalty – por razões que Alexandre Abreu elencou numa análise bem prática há uns anos. E, de preferência, com uma introdução contextualizadora, com meia dúzia de artigos complementares de Hirschman em suplemento. Ofereço graciosamente os meus serviços de análise de economistas mortos, liberais ou antiliberais...

1 comentário:

Gonçalo Leite Velho disse...

O Simon Marginson operacionailizou o conceito de bem posicional para analisar o fenómeno de estratificação do ensino superior (Dynamics of National and Global Competition in Higher Education). Importante para compreender as estratégias de massificação e mercantilização.