sábado, 6 de maio de 2023

A pobre demagogia da extrema-direita 2


No meu último post, pequei por defeito. 

A intenção era criticar a forma lacónica como a extrema-direita (neo)liberal apresenta as suas propostas, escamoteando os seus efeitos e esquivando-se a medi-los. Num curto artigo de jornal, a deputada da Iniciativa Liberal (IL) Carla Castro dá um passo de mágica - como num slogan publicitário - ao defender uma reforma radical nas pensões de velhice, sem mencionar - ou perceber - que a Segurança Social pública seria desnatada, que as pensões de velhice ficariam assentes na fé de que o mercado tudo haveria de prover. Pior: que se trata de o esquema que favoreceria - sem que seja dito! - as grandes entidades patronais e o sector financeiro, desprotegendo os interesses dos mais pobres e dos trabalhadores.

Ora, relendo a proposta de reforma inserta no programa eleitoral de 2022 da IL, estas conclusões ficam muito mais evidentes. E percebe-se as razões por que Pedro Ferraz da Costa tanto gosta da extrema-direita (neo)liberal (ver aqui e aqui)...

O que propõem?   

1) Eliminação da componente da Taxa Social Única (TSU) das entidades patronais;

2) Redução da pensão pública;

3) Contribuições obrigatórias e voluntárias dos trabalhadores para o sector financeiro.

Quer saber como tudo tende para acabar mal? Veja a seguir. 



1) Acabar com a Taxa Social Única (TSU) das entidades patronais. 

A formulação pela IL é equívoca: "Eliminação da componente de TSU que recai sobre a entidade empregadora". Será a totalidade da TSU patronal (23,75% dos salários brutos) ou apenas a parte da TSU patronal destinada a pensões de velhice (cerca de 13,7 pontos percentuais dos 23,75%: ou seja um corte de 57% na TSU patronal)? 

Qualquer uma delas parece uma ideia explosivamente desastrosa. No final de 2022, as contribuições sociais somaram 26,5 mil milhões de euros, dos quais cerca de dois terços deverão ter sido pagos pelas entidades patronais (assuma-se um valor redondo: 18,1 mil milhões de euros). Ora, a proposta da IL será cortar esses 18,1 mil milhões ou, caso se considere o tal corte de 57% na TSU patronal, de cerca de 10,4 mil milhões de euros? A proposta da IL não é clara. 

Mas mesmo na melhor das hipóteses, significaria amputar a Segurança Social de quase 40% das suas receitas em contribuições sociais. Na pior, representaria cortar mais de dois terços das contribuições sociais (68%).

Não é uma reforma: é uma hecatombe para a Segurança Social!

De qualquer forma, a proposta da IL é que essa percentagem cortada do salário bruto passe – faseadamente – dos cofres da Segurança Social para os próprios salários dos trabalhadores, fazendo subir os salários. Esta é a parte aliciante para os trabalhadores. Mas é-o muito mais para a parte patronal. Porque parece pressupor-se - sem que a IL o diga! - que, a partir daí o patronato fique isento desses descontos para a Segurança Social e que tudo passará a estar a cargo das contribuições dos trabalhadores. Ou seja, um recuo histórico que retira responsabilidade social ao patronato. Era como se a protecção social dos trabalhadores ficasse a cargo da solidariedade entre si.  

Esta ideia de cortar na TSU patronal é uma velha reivindicação das confederações patronais. No mandato do Governo Passos Coelho, chegou a ser aventada a possibilidade de redução de 4 pontos percentuais da TSU a ser compensada por IVA (ver aqui), mas foi recusada por ser demasiado "cara". E depois ressurgiu, em Setembro de 2012, sob a forma de redução da TSU patronal (de 23,75% para 18% dos salários), "paga" pelo agravamento da TSU dos trabalhadores (de 11% para 18%) e que foi recusada nas ruas pela contestação social. Mas assim se compreende o apoio de Ferraz da Costa à IL. 

2) Redução da pensão pública

Para a IL, o actual regime de financiamento das pensões manter-se-ia, mas seria financiado apenas pelas contribuições dos trabalhadores (presume-se que se mantém a taxa de TSU actual – 11%). Resultado: a Segurança Social teria menos recursos para manter as actuais e futuras pensões. Ora, se para a IL o regime de pensões está falido, então mais cedo entraria em falência. Para o evitar, seria forçoso cortar as pensões na igual medida da redução de receitas ou ainda mais. Ou o Estado teria de vir acudir, para compensar a saída da parte patronal, num verdadeiro incentivo público à actividade empresarial, sobretudo das grandes empresas. Mas nada é dito sobre isso. 

Apenas é proposto um tecto máximo às pensões. Para todas as pensões ou apenas para as mais elevadas? Qual seria o valor máximo? A IL – claro! - nunca o diz... 

Mas pior:

3) Contribuições obrigatórias e voluntárias dos trabalhadores para o sector financeiro

Como seria compensada a quebra nas pensões públicas? Aqui entramos na parte da privatização da Segurança Social. Haveria contribuições – umas obrigatórias e outras voluntárias - para um regime de capitalização feitas apenas pelos trabalhadores. As entidades patronais eram incentivadas a contribuir, mas com dinheiros públicos. De quanto? A IL – claro! - nunca o diz. Mas promete que seriam suficientes para gerar um acréscimo ao valor máximo da pensão pública (que ficariam isentos de impostos).  

Resultado: Os recursos da Segurança Social eram desviados para as instituições gestoras dessa capitalização, a escolher pelo trabalhador. Ou seja, presumivelmente parte significativa iria parar ao sector financeiro privado, pagas unicamente pelos trabalhadores e em parte pelo próprio Estado, através de benefícios fiscais às entidades patronais. 

Conclusão: As entidades patronais ficavam a prazo isentas de contribuições sociais (o que revela o baixo grau de solidariedade interclasses da IL para quem pugna não existir luta de classes). A Segurança Social seria descapitalizada, em proveito sobretudo das maiores empresas (com mais elevadas massas salariais). As pensões públicas iriam descer. Parte significativa das contribuições sociais dos trabalhadores iria parar ao sector financeiro, sem garantia de um verdadeiro acréscimo de pensão que passava a ser fruto da conjuntura dos mercados de capitais. O sistema de Segurança Social entraria mais rapidamente em incumprimento, o que teria de ser evitado com recurso a dinheiros dos impostos, como a IL prevê. 

Dúvida: O que aconteceria se as instituições financeiras gestoras dos capitais em capitalização vierem a falir? Pois, presumivelmente seria mais um argumento a acrescentar aquela expressão - “Too big to fail” (demasiado grande para se deixar cair) - usada para designar a obrigatoriedade de os Estados terem de acudir a má gestão do sector financeiro privado, socializando os prejuízos do sector financeiro.  

Como se vê, a proposta ideal... para as grandes empresas e para os banqueiros. 

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