Jornal Público, 6/2/2012 |
O PS tem sempre de viver daqueles momentos em que, podendo escolher - à la Siriza - entre as ideias e o medo, acaba por capitular diante do receio do mau que possa acontecer. Tenta passar entre os pingos da chuva, sem ser carne quando podia ser peixe. E esquece-se de sonhar.
"Não assinei o memorando, não concordo com parte das medidas que nele constam [noutras concordava...] , mas honrarei o compromisso do PS"
Foi assim há dez anos em que os "compromissos do PS" estavam mais para com os credores do país que não queriam perder o dinheiro apostado em taxas de juro exorbitantes - como dizia o então primeiro-ministro Passos Coelho, "as dívidas são para ser pagas" - do que com quem fosse para o desemprego (e foram quase 1,5 milhões de pessoas), com esses desempregados a quem se lhes cortou mais de metade dos subsídios de desemprego para que aceitassem salários baixos; para com quem viu os seus salários cortados ou pensões lascadas (outros milhões), com os pobres a receber menos subsídios sociais por serem considerados preguiçosos, para com os nossos jovens a sair do país em busca de um lugar nos "Portugueses no Mundo", para com os serviços públicos desarticulados para que o vazio criado pudesse ser apropriado numa lógica egoísta de lucro privado.
Há como que uma inconsciência de classe no PS porque os seus dirigentes acabam por estar mais próximos de um grupo social com casa própria, bem instalado e bem pensante, a viver nalguma avenida da capital, apoiados por amigos parecidos, do que nos bairros suburbanos em torno dos grandes centros, a viver de contratos inexistentes ou pagos ao dia.
Talvez Willy Brandt tivesse razão ao pensar duas vezes, nos anos 70, se haveria de defender a entrada do PS na Internacional Socialista, porque o via mais como um partido de quadros, de advogados, próximo da administração norte-americana, do que um partido de massas, na boa tradição social-democrata europeia. E talvez tivesse igualmente razão aquele cidadão entrevistado pela RTP em 1975 sobre em quem iria votar nas primeiras eleições em democracia, e que respondeu que votaria no Partido Socialista, porque ele próprio era ... uma pessoa muito sociável.
Jornal Público, 6/2/2012 |
Se os dirigentes do PS habitassem esses subúrbios, tenderiam a olhar quem nos governa no centro da Europa como vindos de outro mundo. E aquilo que sentiriam na barriga mudaria a sua cabeça. Mas
não é isso que vai acontecer.
Dez anos depois, acumulam-se sinais de que a política seguida pelo PS em maioria absoluta continuará a produzir descontentes, sacrificados, zangados, jovens sem futuro nem habitação e que olharão para a esquerda - o socialismo - como a coveira das suas expectativas. Se o PS quer ser o partido de esquerda que honra o futuro do seu povo (e até o seu próprio futuro como partido), não se vanglorie tanto da sua vocação federalista europeia-liberal, não almoce tanto com quem lucra com a desigualdade na distribuição do rendimento, não peça tantas vezes desculpa a quem tem beneficiado do esvaziamento sindical e da pobreza salarial, não alimente o mal-estar das massas populares que, daqui a quatro anos, tenderão a votar ou continuarão a votar - contra a esquerda - na direita e na extrema-direita, sem se lembrar já do que lhes fez a direita liberal no poder.
A Europa já está assim. Por que razão se achará que o PS português conseguirá evitar esse pesadelo?
3 comentários:
O PS e PSD, deixaram de ser socialistas e sociais -democratas (meteram na gaveta já nos finais de 70 esses princípios) deviam mudar de "nome",não mudam porque interessa aos poderes instalados manter esta alternância sem Alternativa.
O PS é um partido de burgueses que tem o seu principal apoio na classe trabalhadora. E como bons burgueses que são, não têm problemas em cuspir no prato dessa mesma classe trabalhadora.
Quem domina a dialética domina a realidade, há uma maioria em Portugal que está profundamente convencida que o PS é e tem sido um partido socialista, o que é obviamente mentira, todos de uma forma ou de outra têm pactuado com este tipo de fraude e ninguém é responsabilizado por isto, a própria esquerda é chamada de extrema quando há muito não defende nada de radical, a determinada altura já ninguém quer saber da verdade, porque todos mentem, de forma mais grave ou menos grave mas todos mentem e chegamos ao ponto disto ser socialmente aceitável, isto é a sociedade em declínio com todas as suas formas de desconstrução
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