Marcelo Rebelo de Sousa (MRS): - Há aqui ilações políticas mais vastas. Uma ilação é como vemos a imigração. Nós somos uma pátria de emigrantes e ficamos legitimamente revoltados quando os nossos emigrantes não são bem tratados lá fora. Temos de começar a ver da mesma maneira quando são emigrantes de outros países que são imigrantes cá dentro. Segundo, é abrirmos os olhos para uma realidade: precisamos de os imigrantes. Economicamente. Mais: vamos precisar de mais imigrantes. Mais qualificados uns, menos qualificados outros. Mais qualificados uns, para muitos trabalhos, mas outros menos qualificados para trabalhos que os portugueses não aceitam fazer... Não aceitam... Mesmo em períodos de desemprego...
António José Teixeira (AJT): - Não existe mão-de-obra suficiente...
MRS: - Não é só não haver mão-de-obra suficiente: prefere outro tipo de trabalhos. Não quer fazer aquele tipo de trabalho. É um facto. (...) Porque há problemas com imigrantes a trabalhar na construção civil. Nós tivemos, no verão passado, quando os surtos de Lisboa tinham a ver com pessoal de limpeza e da construção civil, que nunca tinham confinado, e que viviam em condições de habitabilidade na AML...
AJT: - O que vai fazer?
MRS: - Vou acompanhando esta matéria. Numa parte, vou fazendo pedagogia. Num momento em que é muito apetecível a xenofobia... "Ah! o problema é termos imigrantes a mais, temos de correr com eles". (...) E estando nesse número levantam sempre problemas de legalidade, de condições económicas e sociais. E eu tenho de fazer pedagogia. Que não é por aí que se resolve a questão.
Mais uma vez, Marcelo Rebelo de Sousa olha para o mundo do Trabalho e vê-o perfeito.
Ontem na entrevista que deu à RTP, voltou a dizer - sobre Odemira - que a chegada de imigrantes a Portugal cumpre uma função imprescindível porque vêm fazer "trabalhos que os portugueses não querem fazer" e que, por isso, devem ser bem tratados pelos nacionais. Mas desta forma redonda, omite qualquer crítica aos empresários que os contratam. Omite qualquer crítica às leis e à sua aplicação que permitem uma vasta gama de contratos precários, mal pagos, a preencher funções permanentes.
Marcelo Rebelo de Sousa cola-se, assim, a um discurso empresarial que se queixa da falta de mão-de-obra nacional, uma ideia que até entronca naquela ideia muito dominante da União Europeia de que essa falta de trabalhadores existe por causa de um desajuste entre os empregos oferecidos e as habilitações de quem os poderia preencher. Uma ideia que nunca aborda a questão que lhe está subjacente: e se os salários fossem mais altos, será que os portugueses se interessariam pelos trabalhos que este empresariado oferece?
Ou será que estamos condenados a ter empregos mal pagos? E se assim for, que raio de futuro teremos como país? Porque baixos salários atraem trabalhadores não qualificados, enquanto o emprego qualificado se esvai para a emigração. E se assim for, tudo se degrada: juventude perdida e sem oportunidades, que trabalham de graça (como já acontece no turismo), natalidade fraca, contas públicas periclitantes, instabilidade na Segurança Social, etc. E no final, continuaremos a ter programas da Antena 1 sobre "Os portugueses no mundo" em que apenas se entrevista - de forma feliz! - a emigração bem sucedida dos nossos quadros. E a pagar fortunas do OE com aliciamentos injustos a alguns residentes não-habituais...
Nunca falando deste tema, MRS só consegue disfarçar - mal! - a sua crítica aos portugueses que se recusam a aceitar trabalhos que, na verdade, mal justificam ser feitos pelo preço pago, e que apenas são sustentáveis dividindo uma casa com mais vinte pessoas. Os portugueses, aos olhos do seu presidente da República, parecem uns madraços que não querem sujas as mãos, nem se dobrar no campo. Algo que é um típico olhar de direita que se julga uma elite e que olha o seu povo e diz: "Ah! Antes nós dávamo-nos tão bem com o povo! Agora são uns parvenus que apenas querem comprar carros, aspiradores e frigoríficos". E, claro está, receber o RSI e subsídios...
Ao omitir qualquer crítica às condições laborais, MRS transforma a realidade laboral num problema de imigrantes, de subsidio-dependentes e, na verdade, contribui para alimentar a questão que dizia criticar - a xenofobia, o racismo, a extrema-direita. Ao preferir falar de algo que não é "nem direita nem de esquerda" e que tem a ver com direitos humanos, com as condições de habitabilidade, MRS omite outros direitos humanos, como a devida paga. E omite-o porque se afastasse essa omissão, isso obrigava-o a ter um discurso de esquerda. E a criticar tantos amigos...
Ao afunilar as questões laborais para um assunto de imigração e da xenofobia, Marcelo Rebelo de Sousa desvaloriza - eclipsa, na verdade - o mundo do Trabalho. Cria uma falsa divisão racial. Valoriza a raça, em detrimento do que esse ser humano faz. E, ao fazê-lo, não resolve nem o problema laboral nem o problema dos imigrantes, nem da xenofobia. Torna-se apenas cúmplice da actual situação de degradação crescente nas condições laborais em Portugal que afectam, na realidade, tanto imigrantes como nacionais e que, assim, é perpetuada.
A ilação é, pois, outra, senhor Presidente. E o senhor está a passar ao lado dela. E cá para mim, de propósito.
15 comentários:
Recordemos os gaibéus para saber que um modo de produção sazonal existiu e existe.
Ignorar que as leis de trabalho foram no essencial criadas para modelos industriais de bens não perecíveis e que esse é o arquétipo que justifica a histeria acerca de Odemira é pura estupidez ou agenda obscurantista.
Seguramente que os empresários pagam tudo o que respeita a trabalhadores, despesas de viagem e receitas dos intermediários nessa operação.
Com toda a probabilidade essa despesa não é bastante para competir com a comodidade com que os potenciais gaibéus recebem o seu subsídio ou RSI nas suas zonas de residência permanente.
Abandonar as terras e fazer viajar os produtos em vez dos migrantes é sempre uma alternativa...
Caro José,
Lembrar que a sazonalidade existe e que um Código do Trabalho revisto à direita em 2003, revisto em 2008, alterado em 2012, alterado em 2018...AINDA é marcado pelos modelos industriais parece ser um fraco argumento. Na verdade, as alterações têm se adaptado "maravilhosamente" ao novo modelo pós-industrial de desresponsabilização da empresa e passando todo o risco para quem trabalha.
E é bom vê-lo a reconhecer que um paga de trabalho ainda assim é fracamente competitiva com um subsídio que mal deixa as pessoas acima do limiar da pobreza. Mais um pouco e vejo-o a desfilar no 1º de Maio. E com agrado!
Aqui está um exemplo daquilo a que me referia no texto “Voltámos ao argumento "vivemos acima das nossas possibilidades"?” de João Ramos de Almeida.
De como as “elites” e o comentariado financiado por grandes empresas e pelo Estado utilizam o colectivo para passar a ideia que “estamos todos no mesmo barco” quando precisam do colectivo para, por exemplo, salvar a banca falida e o próprio Capitalismo, e como utilizam o colectivo excluindo-se dele para para passar a ideia que, por exemplo, os “portugueses andaram a viver acima da possibilidades”, “não querem trabalhar” e “vivem de subsídios”.
Porque Marcelo Rebelo de Sousa e a família não vão trabalhar para as estufas?
E leve o Paulo Portas, ele adora a lavoura...
E já agora o amigo Ricardo Salgado!
Pois é, eles gostam muito de mandar trabalhar, é mais fácil e lucrativo (10 mil Euros) “trabalhar” nos telejornais de domingo ao lado de pilhas de livros que não leu, e também sempre dá uma “ajudinha” para a eleição de Presidente da República!
Pedagogia, que é outra forma de dizer que não se faz nada e não se faz nada porque o presidente é cúmplice, é cúmplice da barbárie e é cúmplice pela narrativa, é só mais um que tem os portugueses em baixa conta, o cinismo tem limites e este senhor já os ultrapassou há muito. Estes herdeiros do antigo regime pensam que somos todos ignorantes.
Caro João,
Diferentemente de muitas 'boas almas' eu não ignoro os mercados. a concorrência que neles se encontra, os preços que aí se formam e os custos que deles derivam a sua viabilidade.
Assim, se no mercado do trabalho os subsídios competem com vantagem sobre os salários, há que procurar pessoal noutros mercados, e alegrarmo-nos por evitar o alastramento da indigência.
Muito lindo...um presidente da república que explica que a escravatura é necessária e antes o imigrante que o português, sim senhor...
José... Que tristeza. no mercado, ao contrário do que diz, não são os subsídios que competem com vantagem com os salários. São os salários que competem com desvantagem com os subsídios. Tenha vergonha homem!
tonho
«Jose» recorda um romance de Alves Redol que (muito provavelmente) nunca leu. Vê a situação de Odemira por um lado imaginário que nada tem a ver com a realidade. Seria bom que lesse o artigo escrito por Agostinho Lopes para o Jornal Económico (Terra, Alentejo, em Odemira), esse sim, visto com mais realismo.
A interpretação de «Jose» sobre este assunto não passa de uma provocação muito reles.
A oportunidade da entrevista de MRS é um mistério , que a RTP1 e o seu Director ,terão bem guardado.As matérias e os temas a que a abordagem do entrevistador conduziu,levam a concluir que o presidente terá sido convocado para explicar aos cidadãos como pretende ordenar a fiscalização preventiva e corretiva,dos desmandos e desvarios do governo e da oposição. A apetência por um mandato que se inscreva numa acção mais presidencialista ,é um antigo intento de alguns sectores políticos e sociais,no nosso país.Da forma habitual,Marcelo vai contornando as questões e afirmando as convicções, sem alimentar afrontamentos e alardeando as banalidades que são mais que imprecisões. O que não conseguiu,ou não quis referir,por procurar obter vantagem,para a normalização da aceitação da utilização de mão-de-obra migrante,sem criticar a forma como proprietários e exploradores agrícolas,obtêm estes trabalhadores e declinam as responsabilidades de criação de condições para a sua estadia no nosso país, foi o facto de que,nos últimos 30 anos,a terciarização da economia,com o crescimento do comércio e turismo,entre outras actividades,retirou da agricultura largas camadas da população,ao mesmo tempo que o crescimento da agricultura intensiva é a industrialização correspondente,passaram a reclamar uma quantidade de recursos humanos,que há muito deixou de existir no sector primário da economia.Marcelo,não ignora esta realidade,nem os problemas e as deficiências que as soluções encontradas,irão acrescentar mas,prefere o discurso piedoso do deixar vir a nós os trabalhadores migrantes,que a caridade e o saber acolher dos portugueses,tudo virá a resolver.
Provocação é ver um país que vive no quotidiano com uma multidão de sem-abrigo e sopas de pobres nas praças das grandes cidades, derreter horas de noticiários com o alojamento de migrantes que se dizem confortáveis em camaratas debaixo de um tecto e que, com grande probabilidade, usufruem de maior bem-estar que nos seus países de origem.
E quando daí resultam actividades económicas que pagam os impostos que sustentam um estado social que sempre se tem por falhado, a provocação passa a fronteira da hipocrisia!
Porque foi Marcelo falar à televisão? Não percebi essa.
Caro José,
Só mesmo o "José" para destilar contra o EStado Social a propósito de buracos sociais como são as relações contratuais com estes imigrantes que parecem viver mais um livro de Ferrreira de Castro em que os tabalhadores mal começam já têm uma dívida para com o seu "empregador"...
É preciso ter a mente aberta para se perceber tudo o que aconteceu a este pequeno país, a esta pequena faixa de gase sobre uma imensa ferida por sarar e que não há forma de se lhe encontrar um destino que se diga - como o diz o José Mário Branco - "Porra! O rio desaguou!
Caro João,
Pois será a selva lá pelo oriente, mas a mim basta-me o desgoverno de cá quanto a criar mais um departamento ´social´ para cuidar dos contratos que por lá se façam.
E essa «imensa ferida por sarar» é a gangrena de tudo serem proclamações de grandes causas a que se fazem corresponder sistemáticos descuidos e tolerâncias nas pequenas acções que constroem a realidade; ainda que com música, a doença alastra.
Caro José,
Não falo da selva do oriente. Falo da selva promovida em Portugal por décadas de política laboral neoliberal, muitas vezes aplicada e "melhorada" por governos de esquerda que não conseguem emancipar-se dessa deriva internacional, senão promovendo melhores mínimos. Além deles, não o entendo a si, porque devia estar satisfeito: esta selva faz parte do ideário que pugna 1) por uma menor intervenção pública na aplicação de boas práticas; 2) por uma desvalorização salarial como factor de aumento de competitividade externa, sem olhar a meios nem a vidas. É que não pode separar as duas.
Algo, pois, está errado no discurso oficial e, por arrasto, seu discurso.
O João Ramos de Almeida é bem capaz de censurar ou não deixar passar comentários que vão contra reacionários e fascistas, como o «Jose».
Por ventura, deixa passar 4 mensagens do mesmo «Jose» neste artigo.
Basta ler o famigerado rol de comentários baixos e sem nível que este mesmo «Jose» deixou no blog «Manifesto 74» para perceber que esta pessoa ou entidade não merece confiança.
Infelizmente, aqui, tem luz verde para escrever o que quiser.
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