terça-feira, 6 de abril de 2021

Taxa mínima de imposto: uma pedra na engrenagem dos paraísos fiscais?

Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, confirmou ontem o que já se antecipava há alguns dias: o país vai voltar à mesa de negociações da OCDE para defender uma taxa mínima de imposto sobre as empresas a nível global. Depois de Trump ter cortado o diálogo no final do seu mandato, a administração de Biden parece querer avançar com mudanças no sistema de tributação internacional. Além da definição de um limite mínimo, a ideia passa por adotar um método de cálculo uniformizado país-a-país para travar o desvio de fundos para regimes mais favoráveis.

Yellen explicou que pretende "chegar a um acordo sobre uma taxa mínima de imposto sobre as empresas, o que poderá acabar com a corrida para o fundo" na tributação empresarial, área em que, nas últimas décadas, se tem assistido a uma progressiva redução das taxas de imposto efetivas. Já Jake Sullivan, conselheiro para a Segurança Nacional dos EUA, disse que "uma parte central da nossa estratégia de segurança nacional é a competitividade nacional: criar empregos e aumentar os salários a nível interno, e não incentivar os paraísos fiscais". Na verdade, a corrida para o fundo tem sido alimentada por uma visão enganadora da competitividade nacional que assenta na ideia da "concorrência fiscal" entre os países. Na prática, esta ideia favorece a criação de regimes especializados em captar receita fiscal devida noutras paragens e coloca pressão sobre os restantes. O resultado é o que se pode ver no gráfico ao lado: ao longo das últimas décadas, as grandes empresas têm pago taxas de imposto cada vez mais baixas.

Em 2017, dois investigadores do Fundo Monetário Internacional (FMI), Philip Lane e Gian Milesi-Ferretti, olharam para os fluxos internacionais de capital e procuraram perceber quais eram as principais tendências dos últimos anos. O foco do estudo era o Investimento Direto Estrangeiro (IDE), o tipo de fluxo normalmente considerado preferível pelos países que o recebem, por estar associado a investimentos de longo prazo e transferência de tecnologia e conhecimento do exterior, o que o torna mais estável do que os investimentos de carteira. Mas o cenário encontrado pelos autores foi bastante diferente: grande parte dos fluxos de IDE constitui investimento “fantasma” movido por engenharia financeira, sem relação com atividades produtivas nos locais onde o dinheiro é colocado. Como explicação para esta tendência, apontaram a "complexidade da estrutura organizacional de empresas multinacionais", que lhes permite desviar fundos para offshores onde pagam menos (ou nenhuns) impostos.

Um estudo mais recente do FMI e da Universidade de Copenhaga confirma-o: mais de 1/3 dos fluxos de investimento estrangeiro “passa por empresas fantasma vazias” sem “atividade empresarial real”. O objetivo deste tipo de movimentos é pagar o mínimo possível em impostos. E isso tem sido possível devido a um sistema de tributação obsoleto, que permite às multinacionais alterar a sua sede para países onde as taxas efetivas de imposto são mais baixas. Gabriel Zucman, Thomas Torslov e Ludwig Wier estimaram que os EUA e as principais economias da Europa perdem entre 14% e 28% da receita fiscal das empresas devido às práticas de transferência de lucros para outras jurisdições. Conclusão: menos financiamento dos serviços públicos ou mais impostos para o resto da sociedade.

Apesar de ainda não ser conhecido o desenho final da proposta, a criação de uma taxa mínima global pode ser um passo importante. A menos que o valor definido seja demasiado pequeno, a definição de um mínimo de tributação contribui para pôr um travão na corrida para o fundo, evitar a drenagem de recursos públicos e forçar as multinacionais a pagar os impostos que devem. Uma coisa é certa: a pandemia pode ser o contexto ideal para um debate sério sobre o papel da política fiscal no combate às desigualdades que se têm acentuado. Diz-se que não se deve desperdiçar uma boa crise.

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