Já não é a notícia a esquizofrenia vivida naqueles anos de 2012 e 2013 que a direita portuguesa gosta tanto de empurrar para debaixo do tapete. Ou atirá-la à cara fácil de... José Sócrates, quando, na verdade, sempre defendeu os seus benefícios estruturais.
A 18 de Abril de 2012, a correspondente do jornal Público em Bruxelas - actualmente a trabalhar com a comissária Elisa Ferreira, depois de uma passagem pela comunicação do Banco de Portugal, mas que ainda em 2014 entrevistou Philippe Legrain, então ex-conselheiro de Durão Barroso que expôs a natureza da "austeridade" - noticiava que o primeiro-ministro Passos Coelho iria encontrar-se nesse dia com o seu homólogo britânico Cameron, "dois meses após ter recusado subscrever a estratégia neoliberal de
conciliação dos esforços de austeridade com o crescimento lançada
pelo Reino Unido". Obviamente, a agenda não se alterou. E Passos Coelho manteve o rumo traçado, defendendo que "as dívidas devem ser pagas", ou seja, assumindo o lema dos credores.
Nesse mesmo dia, noutra página, noticiava-se que o Senado norte-americano iria bloquear a "regra Buffet" - assim designada depois de o multimilionário Warren Buffet ter defendido um agravamento da tributação sobre os mais ricos. E ainda noutra página do mesmo jornal citavam-se os avisos daquela componente científica do FMI à navegação dos cabos de esquadra do próprio FMI - para usar a expressão feliz de João Cravinho num documentário -, ou seja, os executores em cada país da teoria oficial, cegos a qualquer desvio ao manual do ajustamento:
"O FMI parece ter decidido pôr à prova a tese que “a austeridade mata o crescimento” e analisou o comportamento dos multiplicadores orçamentais em períodos de fraca actividade económica. Estes multiplicadores (que definem o rácio entre a variação do PIB de um país e a variação dos gastos públicos que está na origem daquela variação do PIB) parecem estar neste momento acima dos níveis médios identificados em estudos anteriores. Ou seja, o impacto que as medidas de austeridade estão a ter sobre a economia é maior do que o habitual."
Mas na realidade, a teoria continuava a ser a mesma de sempre.
Era-o a 18 de Abril de 2012 em Portugal, quando o ministro da Economia Álvaro Santos Pereira - que acabou por ser responsável na OCDE, em Paris, pelos estudos/país - defendia um estudo em que se provava, supostamente - e supostamente porque, como as centrais sindicais criticaram, não se entrava em conta com as regras previstas na contratação colectiva de cada país e com diversas categorias de rendimento -, que a média das compensações legais por despedimento na União Europeia estava bem abaixo do praticado em Portugal e que, por isso, para Portugal se tornar competitivo, tinha de embaratecer os custos das empresas em... despedir! E fê-lo! A tal ponto que ainda hoje se aplicam esses valores alterados pelo Governo Passos Coelho e a competitividade de Portugal... não melhorou.
"Um estudo do Ministério da Economia conclui que o valor médio das compensações na União Europeia é de 6 a 10 dias por cada ano de antiguidade, enquanto em Portugal oscila entre os 20, para os trabalhadores admitidos após 1 de Novembro de 2011, e os 30 dias, para os trabalhadores que já estavam no mercado de trabalho antes dessa data (...) O regime de compensações praticado em Portugal teve uma primeira alteração no ano passado. Os traba- lhadores contratados após 1 de Novembro de 2011 já têm um sistema de compensações mais penalizador e, em caso de despedimento, passam a receber 20 dias por cada ano de antiguidade, com um tecto máximo de 12 salários-base ou 240 salários mínimos.
Era-o a 18 de Abril de 2013, quando Vítor Gaspar - que acabou no FMI depois de se ter demitido do Governo em Julho desse ano - defendia o reinado da austeridade, a ponto de querer cortar nos vencimentos do funcionalismo público. E quem diz funcionalismo público - diz antes a provisão pública de serviços básicos como o direito à educação, à saúde, à segurança, à justiça, à segurança social, etc., tornando a actividade pública cada vez menos competitiva face ao sector privado.
A discussão em torno dos cortes na despesa pública para responder ao Tribunal Constitucional (TC) revelou-se difícil e ontem, à hora de fecho da edição, o Governo continuava reunido na Presidência do Conselho de Ministros. Em cima da mesa estavam a redução nas despesas de cada um dos ministérios e as medidas que estão a ser discutidas com a troika para compensar o buraco orçamental no valor de 1350 milhões de euros deixado em aberto pela decisão do TC. Os ministros analisaram também o diploma que obriga os dirigentes dos organismos públicos a reportarem ao Ministério das Finanças todas as componentes salariais pagas aos seus funcionários, além dos suplementos remuneratórios, e quanto gastam com cada uma dessas componentes. (...) De acordo com uma versão preli- minar do documento, os dirigentes que não cumprirem esta obrigação no prazo de 30 dias após a entrada em vigor do diploma arriscam-se a ver cessado o seu mandato ou ficam impedidos de recrutar pessoal. O Ministério das Finanças irá reter os processos de autorização de recrutamento até que a informação seja prestada. (...) A reunião do Conselho de Ministros começou ontem perto das três e meia da tarde com uma agenda carregada. Sete horas depois foi interrompida para um intervalo e a conferência de imprensa, onde o ministro das Finanças deveria anunciar os novos tectos de despesa dos ministérios, acabou por ser adiada para esta manhã. A dificultar uma decisão estava a necessidade de estabelecer um equilíbrio nos cortes a efectuar. Na reunião, os ministros discutiram o corte nos orçamentos dos ministérios que, segundo já tinha dito o primeiro-ministro deverão totalizar 600 milhões de euros. Mas os membros do Governo também estiveram a analisar as medidas concretas nas áreas da função pública, saúde, educação e segurança social que estão a ser discutidas com a troika para res- ponder ao acórdão do TC. Muitas dessas medidas, tal como deixou claro Passos Coelho na passada sexta-feira, apenas estavam previstas para 2014, mas o actual contexto acabou por obrigar o Governo a antecipá-las para garantir a execução orçamental do corrente ano. (...) Os representantes do Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu estão em Portugal desde o início da semana para acertarem com o Governo o conjunto de reformas e cortes que permitam arrecadar os 1350 milhões de euros “perdidos” com o chumbo dos cortes no subsídio de férias dos pensionistas e trabalhadores do sector público e da contribuição exigida aos beneficiários de subsídio de desemprego e de doença.
E ainda dizem que é o confinamento que prejudica a saúde mental...
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