sábado, 6 de março de 2021

Vida e Obra



O PCP faz 100 anos. É obra. São muitas obras. A mais importante delas, a democracia e liberdade, foi uma obra duríssima, na qual os comunistas investiram vidas e mortos. Uma geração extraordinária de militantes e dirigentes que arriscaram tudo para que hoje possamos discutir, com grande descontração, se o PCP pode ou não colocar bandeiras no espaço público.

A revolução já vai longe. Já não estão cá muitos dos que a viveram e que conheceram, não apenas a repressão e a censura, mas também a miséria absoluta e o atraso, que faziam deste país um cantinho de terceiro mundo em plena Europa. Talvez por isso seja possível que tantos tentem hoje reduzir o papel do PCP na construção da democracia.

Alguns dos que têm a lata de o fazer apoiaram a ditadura até às 23h59m de 24 de Abril, foram dormir e acordaram democratas. Todos procuram apagar o papel central do PCP em meio de século de resistência em ditadura e quase outro tanto em construção e consolidação da democracia. Especulam sobre o que podia ter acontecido, omitindo o que aconteceu. O problema é que o PCP não foi só parte da resistência, não foi só parte da revolução, foi também parte da normalização e consolidação democráticas e faz parte da democracia hoje. Que haja gente que o queira silenciar (em nome da democracia e da liberdade, claro) é talvez a mais bela homenagem que irão receber os comunistas durante estas comemorações. É também útil para nos recordar a todos da fragilidade do compromisso de alguma da nossa direita com a democracia.

Cresci no meio de comunistas. Depois da escola, ia para o sindicato da minha mãe fazer colares de clips e aviões de panfleto. Fui à primeira Festa do Avante! com dois meses e não falhei nenhuma até sair do PCP. Fui militante durante 7 anos. Durante esse tempo, fui acumulando divergências e essas divergências foram-se tornando cada vez mais fundamentais. Saí sem ressentimentos. Não me juntei ao exército dos arrependidos e dos anticomunistas súbitos e súbditos. Durante os meus anos de militância no PCP, aprendi muito, lutei por causas justas e trabalhei com algumas das melhores pessoas que encontrei na política.

Apesar das divergências que me fizeram sair, tento ajudar a combater alguns dos preconceitos e simplificações que existem acerca da vida política do PCP. Não concordo com as suas regras de funcionamento mas, ao contrário dos mitos, sei que no PCP se pensa, discute, diverge. E luta, claro. Quase sempre por boas razões. Que este centenário do PCP sirva para todos ficarem a conhecer um pouco melhor esta parte indispensável da nossa democracia, da nossa história e do nosso presente. Um partido a que devemos imenso, todos nós. Incluindo muitos dos que o detestam.

Parabéns ao PCP. E obrigado.

3 comentários:

João Castro disse...

Excelente artigo, José Gusmão.
A história do PCP é indissociável da história dos últimos cem anos em Portugal. As suas regras de funcionamento são muitas vezes apontadas como fonte de dissidência enquanto alguma ortodoxia é fonte de críticas principalmente por quem se diz de progressista, de esquerda, de socialista mas que há muito se esqueceu ou nunca soube o que isso é na realidade, veja-se neste aspecto a realidade do BE (a maioria dos seus militantes).
Quanto ao primeiro aspecto, eu diria que o PCP tem regras e conceitos muito próprios que foram forjados nos tempos mais difíceis da ditadura que foram os pilares da construção do partido e essenciais para a sua sobrevivência e dos quais os responsáveis não quererão naturalmente abdicar. A seu favor eu diria que são mais as nozes que as vozes e que um partido é um partido, ou é coerente ou desaparece e se, como diz, no PCP se pensa, discute, diverge e luta, então o funcionamento não pode ser criticável.
Sem dúvida, há gente que abandona o PCP. Uns apontando um dos aspectos, outros apontando o outro, outros ainda apontando os dois. Na minha opinião a maior parte o faz porque ser comunista trás consigo um estigma recalcado pela traição soarista do verão quente de 75. Tirando aqueles que são agora os piores anticomunistas, os outros são marxistas mas não são comunistas. São leninistas e trotskistas mas não são comunistas.
Parabéns ao PCP. Que resista por muitos anos.
João Castro

Anónimo disse...

Alguém que explique ao Chiquinho que deve algo ao PCP, sff.

Monteiro disse...

O PCP conseguiu o que fez – o que já fez e está agora a fazer, repito – porque trabalhou, com afinco, lealdade, sacrifício e sentido de missão, para ajudar quem precisava – e continua a precisar – de ajuda.
De nenhum outro partido português se pode dizer isto.
Que dure mais cem anos, para bem de todos nós.
Miguel Esteves Cardoso