quarta-feira, 31 de março de 2021

Crónica de uma ferroada anunciada

 

 

O autor desta newsletter do Expresso é o autor de um extenso livro de biografia de Marcelo Rebelo de Sousa. E é a prova de que, afinal, todos - exceptuando os ingénuos - esperavam que a natureza do escorpião viesse ao de cima. Não seria no primeiro mandato - "quer-se dizer", ele bem tentou por diversas vezes, vidé no caso dos incêndios, da Lei de Bases da Saúde, etc... - mas que no segundo mandato seria de vez. Ele estava mesmo desejoso de começar o circo. E acabou por apalhaçar a sua função. 

Quem o diz são diversos constitucionalistas, desta vez curiosamente todos de acordo. Dizem eles: se o presidente da República tinha dúvidas - e concordam com as suas dúvidas face à regra-travão - então deveria tê-la colocado ao Tribunal Constitucional. Mas Marcelo não quis suscitar o julgamento da constitucionalidade da medida: quis criar um factor de crise política. E um factor ideal porque apareceu envolto numa medida necessária em tempo de crise profunda, o que lhe traria respaldo político da oposição, retirando apoio social ao Governo, deixando-o em maus lençóis. 

A prova dessa vontade está na crónica da jornalista do Público  que costuma doer-se com as dores de Marcelo. Diz ela na página 2 da edição de 30/3:

O primeiro-ministro não escondeu o incómodo com que recebeu a explicação do Presidente da República para promulgar três leis de alargamento de apoios sociais extraordinários em tempo de pandemia, aprovadas pela oposição em bloco (coligação negativa) no Parlamento. E se antes da decisão presidencial tinha armado a sua intenção de pedir ao Tribunal Constitucional (TC) que procedesse à fiscalização sucessiva da constitucionalidade, agora adia essa decisão para depois de “meditar” sobre o assunto.

Assim, o presidente - no seu ponto de vista - viabilizou uma norma que achava ser inconstitucional porque preferiu criar um conflito político. E conseguiu. António Costa anunciou esta tarde que vai pedir a fiscalização do Tribunal Constitucional. Costa alegou que não era justo que a verba disponível no OE fosse usada até ser esgotada, podendo deixar beneficiários sem apoio. 

Mas resta saber se o Governo vai gastá-la com a transferência para o Novo Banco, porque se for esse o caso, deixará todos os beneficiários descalços em benefício de um Fundo abutre.    

 

3 comentários:

Jaime Santos disse...

A ver se eu entendo, a CRP deve ser cumprida quando protege os direitos sociais mas pode ser ignorada quando está em causa o incumprimento da norma travão. E isso justifica-se dizendo que os compromissos do Estado não são para se cumprir. Mas são, mesmo os com o fundo Apollo.

Infelizmente, a Esquerda que tanto enche a boa com a ideia de soberania, esquece-se que a única soberania que interessa, porque é igual para todos, é a soberania da Lei. Mas quando a ideia de cidadania exclui todos os que não pertencem a uma dada classe social (a larga maioria dos Portugueses pelos vistos) é nisto que dá.

Um dia destes irão arrepender-se, porque a Direita irá regressar ao Poder e argumentar em fase de um argumento de Estado de necessidade ou seja o que for, que a CRP pode ser livremente ignorada, ou mudada a la Carte...

Depois queixem-se...

Augusto disse...

Costa na O
posicao vai ao Tribunal Constitucional, para defender subsidios, Costa no Governo vai ao tribunal Constitucional para travar subsidios. Isto sim interessa, tudo o resto CONVERSA DA TRETA....

João Ramos de Almeida disse...

Caro Jaime,
A regra-travão é uma regra errada. Ponto. Tem subjacente um conjunto de pressupostos que estão errados e que visam obrigar qualquer tipo de Parlamento a ter as suas maõs atadas, aliás, com se viu. É uma regra anti-democrática.

Dito isto, caro Jaime, nem me viu a discutir esse assunto. Este é um espaço de liberdade, mas concentre-se no que foi dito porque se não está a criar todo um novo post ou acaba a falar consigo próprio, o que, em ambiente de pandemia e confinamento, não é nada saudável...