segunda-feira, 1 de março de 2021

O que vai acontecer ao emprego após a pandemia?


Qual vai ser o impacto da pandemia na evolução do emprego na próxima década? Foi a esta pergunta que o Gabinete de Estatísticas do Trabalho dos EUA procurou dar resposta num estudo recentemente divulgado. Para isso, os investigadores analisaram a evolução do emprego na próxima década e apresentam uma previsão do tipo de empregos que se pode vir a expandir, bem como os que tenderão a diminuir ou desaparecer. Embora estas projeções devam ser analisadas com bastante prudência, já que estão sujeitas a enorme incerteza, podem ainda assim dar-nos algumas pistas sobre as mudanças estruturais que ocorrerão ao longo dos próximos anos.

A principal conclusão do estudo é que a destruição de emprego será bastante mais expressiva entre os trabalhos que requerem menos qualificações. A tendência não é propriamente nova, mas a pandemia parece tê-la acelerado: é razoável assumir que o trabalho à distância, a procura por serviços científicos e tecnológicos e o investimento na área da saúde pública crescerão tendencialmente mais do que caso a pandemia não tivesse ocorrido. É por isso que o estudo estima que as 10 profissões com maior crescimento até 2029 sejam todas nas áreas dos cuidados de saúde, ciência médica e tecnologias. Entre as profissões que mais poderão cair, encontram-se as relacionadas com a hotelaria ou a restauração. Em geral, o estudo prevê que as profissões mais mal pagas são as que vão sofrer maior quebra na próxima década, ao contrário do que se previa antes da pandemia, como se vê no gráfico ao lado. O potencial de aumento das desigualdades é evidente.

Mas a verdade é que estas já vinham de trás e têm vindo a acentuar-se nas últimas quatro décadas. Antes da pandemia, os relatórios sobre a evolução salarial nos EUA e no conjunto dos países da OCDE eram unânimes: o fosso entre os muito ricos e os muito pobres aumentou consideravelmente e a fração dos salários no PIB (isto é, a parte da riqueza produzida anualmente que vai para o fator trabalho) tem vindo a cair. A tese que reunia maior consenso entre economistas convencionais é a de que esta tendência se explica pelo progresso tecnológico, que estaria a favorecer o capital físico e os trabalhadores mais qualificados e a penalizar os restantes. O problema é que esta visão neoclássica, que assume que os salários e lucros são determinados pela produtividade marginal de trabalhadores e capital (ou seja, pelo seu contributo relativo para a produção), depende de um conjunto de hipóteses muito pouco realistas, como a existência de mercados perfeitamente competitivos ou o pleno emprego dos fatores. Outras correntes, que procuram uma resposta sistémica para o problema e dão ênfase ao papel das instituições realmente existentes, têm apontado para o impacto negativo nos salários de fatores como a globalização, a financeirização e as reformas laborais orientadas para a flexibilização do mercado trabalho.

E essa tese até já é defendida por alguns dos mais insuspeitos economistas. Prova disso é o estudo publicado em 2020 por Anna Stansbury e Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA conhecido pelo seu trabalho na teoria económica convencional e pelo seu papel nas reformas liberalizantes da presidência de Bill Clinton. Stansbury e Summers olharam para o "ambiente macroeconómico da última geração" e identificaram entre as principais tendências o aumento da rentabilidade e valorização bolsista das empresas, o fraco crescimento salarial e a queda da fração dos salários no PIB. O motivo, avançam os autores, é a quebra generalizada do poder negocial dos trabalhadores, sobretudo devido ao enfraquecimento dos sindicatos e às reformas de desregulação laboral. Até Summers parece reconhecer que o declínio da sindicalização e a flexibilização das leis do trabalho estão por trás do aumento expressivo da desigualdade, como muitos já alertavam antes. Os dados, de resto, não deixam grandes dúvidas.

Apesar disso, o aumento das desigualdades está longe de ser inevitável. A tendência pode ser combatida com políticas públicas de promoção do pleno emprego e valorização dos direitos laborais, sobretudo tendo em conta os desafios da próxima década: se se pretende que a recuperação da crise se faça de acordo com critérios de justiça social e sustentabilidade ambiental, o financiamento público é decisivo; e se os empregos mais qualificados vão ser favorecidos, é preciso preparar as pessoas para essas mudanças. Isso implica mudar a forma como se tem olhado para a gestão das finanças públicas e reconhecer que, num contexto em que existem recursos na economia que não estão a ser empregados, os Estados podem e devem reforçar o investimento público que dinamiza a produção e o emprego. No fim do dia, o futuro do emprego é o que fizermos dele.

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