Nas ruas de Atenas, as noites transformavam-se em revolta incendiária por causa de mais um pacote esmifrador marcado pelas ideias liberais.
O programa incluía a redução de 22% do salário mínimo e a dispensa de 150 mil funcionários públicos até 2015, dos quais 15 mil imediatamente. Angela Merkel avisou logo que “não pode haver, nem haverá, alterações” às medidas previstas. E o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble ao Welt am Sonntag que o país não pode ser “um poço sem fundo” da ajuda europeia e que o novo plano de austeridade não será suficiente para reduzir a dívida dos actuais 160% do PIB para 120% em 2020, a condição de “sustentabilidade” definida pela zona euro e pelo FMI para a concessão do novo empréstimo.
Em Portugal, o tristemente célebre ministro das Finanças Vítor Gaspar era apanhado numa conversa privada com Wolfgang Schäuble, antes de uma reunião, aceitando humildemente esperar pela estabilização grega para aliviar as medidas em Portugal.
Mas entretanto, o Orçamento de Estado preparava um corte salarial para
quem recebesse mais de 675 euros mensais e os mercados financeiros - sem
qualquer freio do BCE - regozijavam-se com as medidas gregas de
austeridade, impondo ao Estado português uma taxa de 12% a dez anos(!), o
valor mais baixo "desde Novembro"(!). O governo português seguia assim o
lema de Passos Coelho, aplaudido pelo mainstream da comunicação social, de que "as dívidas [aos bancos franceses e alemães que
vieram lucrar com a nossa desgraça] são para pagar [pelo povo todo]".
E ainda faltavam sete meses para que, em Portugal, centenas de milhar de pessoas saíssem à rua para protestar contra o corte de 7% dos salários nominais e a sua transferência para as empresas (via aumento da TSU), que iria marcar o princípio do descontentamento popular ao Governo PSD/CDS, e afugentar de vez o ministro das Finanças Gaspar.
Pois, no meio de tudo isso que se estava a preparar em Portugal, o editorial do jornal Público, da autoria colectiva da direcção editorial, queixava-se timidamente sobre... a situação grega: "Será difícil pedir sacrifícios a um país [não a um povo] que empobrece há cinco anos e que deixou de acreditar na terapia da troica"...
... como se o caso português fosse algo muito diferente do grego - "Portugal não é a Grécia", repetiam os comentaristas; e como se, pelo facto de ser aplicada em Portugal, a mesma "terapia da troica" tivesse consequências económicas e sociais em Portugal muito distintas das gregas.
Se "os gregos perceberão que tudo foi em vão", os jornalistas portugueses demorarão muito tempo a perceber que, também cá, tudo foi em vão. Mas que entretanto, houve tantas coisas - serviços públicos (como o SNS), quadros emigrados - que se perderam de vez e vieram gerar recessão profunda, desemprego em massa, desigualdade, pobreza.
E, mais uma vez, esses argumentos e pessoas voltam impolutos, como se nada se tivesse passado. Tal como se corre o risco de voltar a chantagem de um condicionalismo por contrapartida da mais recente ajuda europeia. E resta saber se, de novo, com a cobertura da comunicação social que voltará a clamar por mais austeridade e mais cortes nos serviços públicos, como fez em 2012.
12 comentários:
Por mero acaso estas desgraças acontecem a países identificados por níveis de corrupção e nepotismo elevados.
E se a situação é pior na Grécia é porque atingiu patamares de mais elevada corrupção política e administrativa.
A questão de saber quem 'paga o pato' desperta a maior solidariedade de quem espera que não lhe passem a conta.
Caro José,
Esse também era um dos tópicos de argumentação. Bem me lembro de uma célebre reportagem feita pelo conhecido pivot JRS que só faltou entrevistar um corrupto, como justificação cármica de uma terapia impiedosa para com os fracos - que nunca tinham beneficiado da corrupção - e ainda por cima... errada!
Isto é, errada segundo os objectivos traçados. Porque era muito eficaz para quem tinha apostado nas obrigações e instituições gregas, esperando elevadas remunerações e que, assim, via todo um povo a pagar os desmandos alheios.
Há algo de tão bolorento neste comentário de um troikista ressabiado, que faz lembrar o cadáver daquele tipo que caiu da cadeira.
Estes tipos encavalitados no cavalo da troika ,a esgrimir a espada do "mais longe do que a dita", enquanto berravam pelo fim dos direitos adquiridos, são o suporte ideológico dos canalhas que nos desgovernaram. À custa do roubo institucionalizado, do desvio de impostos para os offshores e do insulto abjecto a quem lhes fazia frente
Entretanto quando se denunciava o farrabadó da banca e dos terratenentes banqueiros, jose amuava e falava do seu estado de alma:
"É evidente que o negócio bancário é dos mais endividados pela sua própria natureza operacional.
Por outro lado é obrigado a manter capital e reservas em valores apreciáveis; e deve ter lucros, esse pecado que escandaliza os crentes de religiões bizarras".
Pouco depois o amigo terratenente, um tal de Ricardo Salgado, era interrogado na Judiciária
Jose mudou a agulha, não antes de o ter tentado defender assim deste jeito:
"Se roubou é porque foi roubado"
Um mimo
Bem lembrado João Ramos de Almeida.
Também me lembro do tipo que é pivot há uma carrada de anos na RTP na Grécia, pouco faltou para dizer "os gregos merecem o que lhes está a acontecer".
Claro, o que o escritor(?) José Rodrigues dos Santos não se lembrou de atacar as oligarquias gregas, nem ele nem a Troika FMI-BCE-Comissão Europeia, era a solidariedade de classe a funcionar!
Poul M. Thomsen, o psicopata da Troika, é outro que já devia estar na cadeia...
A falsa crise das "dívidas soberanas" tem responsáveis, nós sabemos quem eles e elas são!
Obrigado pelo texto, João Ramos de Almeida, para fazer lembrar um tempo que aconteceu e que não queremos que volte a acontecer.
Recordo-me também da especulação e da grande festa do mercado imobiliário, levando aos primeiros atos de despejo em grande número, com a ajuda da imprensa e da comunicação social - grande ajuda deram à ganância dos especuladores do imobiliário, como também aos investidores em ações da bolsa. Os jornais de economia nas mãos dos mesmos grupos competiam uns com os outros, a ver quem especulava mais em matéria de notícias para gananciosos e exploradores.
Quando chegamos ao dia 15 de Setembro de 2012 e quando muita gente se manifestou contra a desvergonha desse governo tirano de gente inconsequente e mentirosa, a situação chegou a tal ponto que alguns, na televisão, começaram a colaborar com as pessoas que estavam na rua e com os apelos contra a austeridade. Eu estava na Praça de Espanha e quando vi as pessoas debandarem do protesto, lembrei-me de uma situação histórica análoga, passada na noite de 27 para 28 de Julho de 1794, em que o povo também debandou do lugar onde estava o Hôtel de Ville, fazendo com que a revolução terminasse nessa noite.
Acredito que se o povo tivesse permanecido na Praça de Espanha, nessa noite de 15 de setembro de 2012 e se a comunicação com demais distritos e cidades tivesse resultado (como um grupo de gente quis fazer durante a tarde desse dia), o governo tirano de Vítor Gaspar e Pedro Passos Coelho teria caído. O próximo passo, seria depor o presidente «múmia» Cavaco Silva, grande responsável pela catástrofe social sofrida no país.
Nada melhor para destruir um argumento do que desprezar um óbvio contra-argumento.
Negar ou querer ignorar a corrupção e o nepotismo é o benefício mais constante que a esquerda proporciona aos seus opositores.
A Grécia pré-crise foi uma desbunda completa; o Portugal de hoje é ainda um território de persistente desonestidade funcional e política.
Para os cretinos que embandeiram em arco com os crimes do Salgado, há que dizer que só não está preso porque as leis permitem a gestão fraudulenta sem pressupostos que garantam penalidades a tempo e horas, e com tribunais que entendem tanto de negócios como de astrofísica.
A cambada mantém o 35º do CSC inerte para manter empregos, empresas públicas e impostos, ao preço de um sistema corrupto protegido pela Lei.
O enriquecimento ilícito continua à espera de ser crime identificável... e os treteiros olham para o lado!
«pouco faltou para dizer "os gregos merecem o que lhes está a acontecer"»
Não me parece que tenha faltado dizer, e com todo o acerto!
E o mesmo se diga da cambada que sempre quer os os orçamentos com saldo pendurado no tecto que cobrirá gerações futuras!
O que dizer de quem feito fofinho acha que meia dúzia de larachas sobre a comunicação e os media resolve a situação?
Uma espécie de rebolução que acaba por meter o mau na prisão?
A que se segue o incrível relato do fim de Passos e da Múmia, a acompanhar estórias infantis contadas para idiotas, para ver se a idiotia passa como norma em debates de gente que desmascara o neoliberalismo?
Quanto à preocupação do outro com as gerações futuras. A hipocrisia fecha-se nas malhas de quem está do outro lado da barricada e acena com a sua varinha de classe. Quando o salafrário mandava matar e morrer em África, não víamos os seus capatazes expressarem qualquer preocupação pelos mortos, estropiados, deserdados.
Ou no meio dos dilingues dilingues aos offshores, aos Mexia e aos António Borges, o que se espraiava era o amor sórdido e de classe pelos porno-ricos. E não estas mariquices igualmente sórdidas e hipócritas pelas gerações futuras
Claro que o diálogo de jose acantona-se ao TINA e do TINA, como se sabe, nada de bom se espera
Mas voltámos ao tempo do elogio da canalha e do austeritarismo uberalles contra os gregos e contra os portugueses.
Começam de novo a levantar a mão na saudação típica e só não vê quem não quer ver
Caro José,
Nada melhor para não denegrir um argumento, do que não chegar a ouvi-lo.
Pode haver mil e uma razões para a situação grega, a questão que se colocou foi a da eficácia do programa "choque e destruição" das medidas de austeridade. É que apenas têm um fim, vá lá, dois: um colocar o povo a pagar por uma dívida que não é sua e, à boleia, obrigar os custos salariais a reduzir-se, transferindo meios para as empresas.
É que há uma lógica no "disparate". O José é que deveria encontrar alguma no desastre social que foi criado, que parece defender. Eu sei que não defende, mas também não o vejo a criticar o programa de austeridade e sua falta de eficácia...
Não sei o suficiente sobre o assunto para saber se o programa de austeridade era adequado e muito menos se foi cumprido.
Limitei-me a comentar uma frase que se refere a uma situação antecedente.
Mas quanto às empresas, tenho por certo o seguinte: ou têm condições para ter lucros ou desaparecem; ou acumulam capital ou não crescem.
Jose de facto "não sabe" o suficiente sobre o assunto. Mas nos anos de chumbo troikistas berrava assim:
"APESAR DE TANTOS SACRIFÍCIOS IMPOSTOS AOS PORTUGUESES E DA VENDA A SALDO DE EMPRESAS PÚBLICAS A DIVIDA PÚBLICA DISPAROU NOS ANOS DE TROIKA " !!!!!
A !!!! é o símbolo da idiotice reinante.
Lógicamente não se vendeu nem 'austerizou' o bastante."
"A troika mete cá 5? mil milhões contra condições que nem de longe consistem em abater a dívida pelo mesmo montante e são os maus da fita!!
Vai brincar com os meninos da tua igualha!"
"Dizem alguns bons espíritos, e eu subscrevo, que quanto mais troika melhor"
deixado a 22/10/13 às 02:47
"É evidente que a austeridade é para continuar"
20 DE AGOSTO DE 2015 ÀS 15:10
"2012 – o ano do fim dos direitos adquiridos!"
Há mais, olá se há.
A hipocrisia e a não assumpção do dito, a falta de memória ou a mentira pura e dura é um sintoma mórbido da ideologia em causa Mas também da postura ética e da verticalidade do carácter
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