sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

O salário médio aumentou. Isso é bom sinal?

O mais recente inquérito ao emprego divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) tem uma conclusão que salta à vista: entre o final de 2019 e o fim de 2020, a remuneração bruta mensal média subiu cerca de 3,5% em Portugal. Por outro lado, o rendimento médio mensal líquido cresceu 6,4% em termos reais (ou seja, tendo em conta a inflação).

À primeira vista, esta tendência podia ser vista como positiva: mesmo num ano em que a economia portuguesa sofreu uma das maiores quebras anuais de que há registo, inclusivamente mais grave do que nos piores anos da troika, o aumento do salário médio podia ser um sinal de esperança. Esta evolução pode dever-se, em parte, a medidas como o aumento do salário mínimo e o pequeno aumento dos salários na função pública (de 0,3%) aprovados no OE2020, antes do início da crise. A progressão nas carreiras pode também ter contribuído para a evolução positiva das remunerações médias.

Mas há outra face da moeda que nos obriga a olhar com menos entusiasmo para estes números: a destruição significativa do emprego mal remunerado durante a crise. No próprio relatório, o INE nota que os trabalhadores mais pobres, menos qualificados e mais jovens (e, tipicamente, precários) arcaram com quase 70% da perda de emprego registada neste período. O relatório identifica uma redução de quase 39 mil empregos no escalão dos que ganhavam entre 310€ e 600€, bem como uma destruição de 94 mil postos de trabalho no escalão entre 600€ e 900€. O desemprego tem aumentado desproporcionalmente nestes grupos.

O estudo "The Illusion of Wage Growth", de três investigadores do Federal Reserve Bank of San Francisco, aponta o mesmo padrão no caso dos EUA. Os autores distinguem os efeitos da "margem intensiva" (medida do crescimento salarial entre os que mantêm o emprego) e da "margem extensiva" (medida do impacto no crescimento salarial das entradas e saídas no mercado de trabalho), concluindo que o aumento dos salários médios agregados se deve ao desaparecimento desproporcional de empregos mal pagos, já que os trabalhadores no grupo dos 25% com menor rendimento representam cerca de metade da perda de emprego. Em Portugal, a tendência é semelhante.

Os números estão em linha com o relatório publicado recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que conclui que somos o país europeu com maior quebra salarial no 1º semestre de 2020 e que esta afeta sobretudo os trabalhadores mal pagos e as mulheres. A pandemia atinge desproporcionalmente os grupos mais expostos à doença e mais concentrados nos setores de atividade afetados pela pandemia. Com isso, abre-se um fosso entre quem manteve o emprego (tipicamente melhor remunerado e mais estável) e quem perdeu tudo com a pandemia. Sem surpresa, não é uma crise simétrica. 

Tanto a taxa de desemprego como a taxa de subutilização do trabalho aumentaram ao longo do ano passado, e ainda não é certo o efeito que o novo confinamento pode ter nas dinâmicas do emprego. É por isso que a evolução do salário médio não será um bom indicador para avaliar a situação difícil que a maioria das pessoas atravessa. Seria um erro confundir estes números com a realidade do mercado de trabalho. Até porque a crise está longe de estar ultrapassada.

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