quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Tanto caminho por fazer

Fonte: AMECO

Não é possível discutir devidamente a economia política da crise e da retoma em Portugal sem ter em conta a questão da repartição funcional do rendimento. Entre o início do século e 2015, e em especial nos anos de chumbo do governo da direita, a parte dos salários no rendimento nacional caiu de forma muito significativa, o que quer dizer que a par da contracção da economia como um todo ocorrida nos últimos anos, teve lugar uma enorme transferência dos rendimentos do trabalho para os rendimentos do capital.

Esta redução da parte das remunerações do trabalho no rendimento deveu-se a vários factores. O elevado desemprego decorrente da crise – e da resposta política à crise – foi um deles, na medida em que aumentou a pressão sobre os trabalhadores para aceitarem cortes salariais e sobre os desempregados à procura de emprego para aceitarem salários mais baixos. Outros incluíram as medidas adoptadas no sentido da extensão do tempo de trabalho, os efeitos directos e indirectos dos cortes e congelamentos na função pública ou o congelamento do salário mínimo. E outros ainda passaram pelas alterações da legislação laboral no sentido do aumento da vulnerabilidade e atomização dos trabalhadores na sua relação com as entidades empregadoras, aliás com uma eficácia e rapidez tremendas no que diz respeito ao desmantelamento da contratação colectiva e à facilitação dos despedimentos.

A solução governativa saída das eleições de Outubro de 2015 permitiu, felizmente e finalmente, alterar o rumo político e reverter muitas das nefastas medidas introduzidas nos anos anteriores, o que não só teve consequências muito positivas ao nível do desempenho macroeconómico agregado como permitiu deter o acelerado declínio da parte das remunerações do trabalho no rendimento. Mas como é possível ver no gráfico que acompanha este post, ainda mais não fizeram de que começar a inverter timidamente esse declínio. É ainda muito o caminho que falta fazer para repor uma situação próxima do equilíbrio que existia há apenas alguns anos.

Isto sugere que a questão da legislação laboral, aquela em que este governo ainda não começou a corrigir o que foi feito nos últimos anos, é mesmo a questão-chave: não para a evolução do emprego e desemprego, que depende fundamentalmente da evolução da procura e não de outra coisa, mas para a determinação da repartição do rendimento – aliás tal como confirmado ainda ontem pelos representantes patronais, ao elegerem o congelamento da legislação laboral nos seus termos actuais como contrapartida para avalizarem o aumento do salário mínimo para 580€. É de saudar a indisponibilidade do governo para aceder a esta pretensão. Agora falta usar a margem de acção política sensatamente preservada. Será esta a prova dos nove para avaliar até que ponto este é um governo verdadeiramente de esquerda.

22 comentários:

Jose disse...

«nos anos de chumbo do governo da direita» como se não tivessem sido os anos do acordo Governo PS/ troika que se seguiu à prolongada desbunda socialista.

«solução governativa saída das eleições de Outubro de 2015 permitiu, felizmente e finalmente,.. permitiu deter o acelerado declínio» como se a economia não crescesse desde 2013 e não houvesse já reposição de salários.

«a questão da legislação laboral». Ora por aí é que vai a geringonçada muito bem a caminho de voltar a pôr o país na merda.

Vitor disse...

Emprego Mínimo Garantido é uma medida que se impõe na minha opinião. 2 ou 3 dias de trabalho garantido e o correspondente valor do salário mínimo.
Medida inclusiva que engloba todas as pessoas em especial pessoas com incapacidades.
O direito ao trabalho está no texto da constituição há muitos anos, contudo essa parte da constituição é recorrentemente ignorada e tomam-se medidas para supostamente garantir outras interpretações muito mais dúbias da constituição.
A proporção de população ativa que não tem acesso ao trabalho é enorme. A estatística do desemprego oficial não reflete minimamente esta realidade.

Anónimo disse...

Muito bom

Vitor disse...

Outra questão que acho que seria importante definir seria uma subida significativa do de valor de salário mínimo s para trabalhadores sazonais e contratos temporários. Na minha opinião não faz sentido o salário mínimo de um contrato precário ser o mesmo que o de um trabalhador com contrato permanente que implica uma série de obrigações acrescidas para a entidade patronal.

Geringonço disse...

O gráfico mostra a miserável governação Pafiosa mas o gráfico também mostra a tralha socialista, e como é importante não esquecer a governação socialista cúmplice com aqueles que detêm o capital.

Anónimo disse...

Caro Alexandre Abreu, note que o governo PS decidiu limitar a 4.1 % o aumento do salário mínimo, passando este de 557 para 580 euros por mês (valor que a direcção do BE também achou adequado para 2018). A UGT propunha 585 euros e a CGTP, que reivindica 600 euros desde 2016, manteve essa reivindicação para o próximo ano; as organizações patronais queriam que o governo se comprometesse, p. ex., a manter a legislação laboral inalterada, mas não contestaram os ditos 580 euros.

Note também que o governo espanhol - um governo claramente de direita - acaba de propor um aumento do salário mínimo para 2018 no país vizinho (hoje já supera os 700 euros por mês). Qual o aumento, em percentagem, de 2017 para 2018? Um aumento de 4%, praticamente o mesmo que o nosso "governo de esquerda" - com a concordância do BE - achou adequado para Portugal:

https://elpais.com/economia/2017/12/18/actualidad/1513600573_490512.html

[Vale a pena observar também o gráfico que mostra os aumentos do salário mínimo em Espanha, nos últimos anos (de 2016 para 2017 o aumento chegou aos 8%, muito acima do aumento verificado entre nós).]


Devem os trabalhadores portugueses ficar satisfeitos porque o nosso risonho primeiro-ministro não se comprometeu a manter inalterada a legislação laboral imposta pelo governo de Passos Coelho? A verdade é que também não se comprometeu a alterá-la antes das próximas eleições legislativas ... além de ter decidido "sair da austeridade" com aumentos bastante limitados do salário mínimo nacional (a comparação com o caso espanhol é elucidativa).

A. Correia

Anónimo disse...

"Anos de chumbo do governo de direita"

Na mouche

Estranha-se contudo e muito, a tentativa de crismar os anos de chumbo do governo de direita
como os anos do acordo Governo PS/ troika

Como se sabe a História é muito mais rica do que isto

E como se sabe há registos do sujeito das 17 e 52 a saudar a troika, a querer mais troika a lastimar-se pela ida da troika

Anónimo disse...

"como se não tivessem sido os anos do acordo Governo PS/ troika"

Passaram-se apenas meia dúzia de anos e a tentativa de reescrever a História é mais forte do que a honestidade.

Aldrabice pura e dura, tentativa de manipulação grosseira, propaganda demencial, irritação pelo desnudar da treta ?

O Memorando de Entendimento também foi assinado pelo PSD e CDS. Mais, o famoso economista Eduardo Catroga que negociou com o PS em nome do PSD, chega a declarar que o memorando é praticamente da sua responsabilidade e da do PSD

https://www.youtube.com/watch?v=V4UaXkJV0IY


Anónimo disse...

De facto a «solução governativa saída das eleições de Outubro de 2015 permitiu, felizmente e finalmente... deter o acelerado declínio»

Contra factos não há argumentos

O que dirá entretanto o sujeito das 17 e 52?

"como se a economia não crescesse desde 2013 e não houvesse já reposição de salários".

O ano de 2014 está suficientemente documentado como o ano em que a execução orçamental de Passos Coelho foi subvertida pelo Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional anulou mais de 1000 milhões de austeridade e Passos reagiu em conformidade: pediu uma clarificação técnica, mostrou-se profundamente preocupado com o chumbo, alertou para o impacto orçamental da decisão, cancelou uma viagem ao Brasil dada a complexidade da situação criada pelo TC e até, pasme-se!, questionou a capacidade dos juízes.

Quanto a José ainda foi mais excessivo e até chegou a pedir directamente a subversão da ordem constitucional

Teria Pinochet na mente?

Anónimo disse...

Mas é a questão laboral, a denúncia da situação escandalosa que se vive quanto à repartição funcional do rendimento, a legislação laboral, que tocam a corda mais sensível do fulano das 17 e 52.

"Entre o início do século e 2015, e em especial nos anos de chumbo do governo da direita, a parte dos salários no rendimento nacional caiu de forma muito significativa, o que quer dizer que a par da contracção da economia como um todo ocorrida nos últimos anos, teve lugar uma enorme transferência dos rendimentos do trabalho para os rendimentos do capital".

É que "a questão da legislação laboral, aquela em que este governo ainda não começou a corrigir o que foi feito nos últimos anos,... é mesmo a questão-chave para a determinação da repartição do rendimento"

Tudo o que possa fazer perigar essa transferência pornográfica de baixo para cima, tudo o que possa por em causa esta abjecta repartição do rendimento merece a irritação extremada (e de classe) do sujeito das 17 e 52.

Que de cabeça perdida faz soar do fundo das fauces aquele seu "merda" tão genuíno

Tão genuíno como a sede imensa do lucro e da concentração da riqueza

Jose disse...

«Estranha-se contudo e muito,...»

Muitíssimo, diria eu, que me lembro que os congelamentos e cortes chegaram antes da troika.
Mas foi seguramente um mero prelúdio de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que só agora se encaminha para o seu esplendor e nos levará aonde ninguém foi: ao fim dos empregos mal pagos por extinção de postos de trabalho.

Jose disse...

Descansem os geringonços que a legislação laboral vai ser alterada.

Mas sê-lo-á muito em cima das eleições legislativas, para que se saiba que basta votar no PS para alcançar grandes progressos progressistas... e o país que se f...

Anónimo disse...

Gostaria só de lembrar que as perdas da parte do trabalho na repartição dos rendimentos são um fenómeno quase mundial associado aos êxitos da direita.

Sem prejuízo das lutas para reconquistar uma parte mais justa dessa repartição, importa identificar os processos que levam a esta situação e agir sobre eles. A direita tem revelado a nível global uma notável adaptabilidade e sentido de oportunidade para aproveitar as inconsistências da ala social-democrata por um lado e a rigidez de uma certa esquerda por outro.

Importa pois, para a esquerda no seu conjunto, desenvolver ferramentas de análise politica mais finas e com melhor fundamentação económica.

Outro campo essêncial seria a conquista de espaço informativo, dada a forma como os média tradicionais e até alguns meios digitais alinham pela batuta dos interesses neoliberais.

Portanto, mais do que carregar às cegas, importa reflectir e descobrir as chaves da vitória a longo prazo.
S.T.

Anónimo disse...

Aqui vão algumas observações, para completar o meu comentário das 21:53 de ontem:

- O salário mínimo nacional (SMN) foi de 530 euros em 2016. Se o governo PS tivesse decidido aumentos de 8 % em 2017 e de 4% em 2018 - à semelhança do que fez o governo de Rajoy -, o SMN teria chegado aos 572.40 euros em 2017 (em lugar dos 557 euros verificados), alcançando 595.30 euros em 2018 (em lugar dos 580 euros que o governo agora anunciou).

- Com 600 euros de SMN em 2018 - como a CGTP correctamente propôs -, o rendimento anual associado chegaria aos 8.400 euros, em lugar dos 8.120 euros associados a um SMN de 580 euros [Repare-se que a diferença (280 euros) é muito superior aos cerca de 40 euros que cada família poderia poupar em 2018 na factura da electricidade se o Governo PS não tivesse cedido ao peso dos grandes interesses nesta matéria.].

- A parte da remuneração do trabalho no PIB caiu cerca de um ponto percentual por ano entre 2009 e 2011, e continuou depois a cair o mesmo ponto percentual por ano até 2015. É certo que, nos dois últimos anos, cessou esta descida; contudo, convém reconhecer que a subida registada desde 2015 é bastante modesta, não indo além de cerca de meio ponto percentual por ano. A "timidez" governamental no que diz respeito aos aumentos do SMN, no nosso país, contribuiu bastante para esse pequeno declive na recente subida, pois muitos (demasiados) salários correspondem ao SMN ou andam lá perto [O "modelo" de desenvolvimento em que o governo aparentemente aposta, centrado no turismo, também tem contribuído para este efeito.]

A. Correia

Anónimo disse...

Dum ponto de vista prático quem controla o discurso a nível da opinião pública, ganha!

Por outro lado um centramento excessivo no caso português priva o nosso público de informação importante a nível de meios de informação alternativos ou com um discurso diverso do consenso ordo/neoliberal.

Nesse sentido seria importante dar um passo adiante e criar uma página que funcionasse como aglutinador de artigos traduzidos para português ou que dessem um resumo e o link para o original. Um pouco como o LdB mas mais aglutinador e menos blog. Modelado talvez mais ao modo do http://vocidallestero.it/ , do https://jacobinmag.com/ ou do https://www.politico.eu/ ou ainda https://www.socialeurope.eu/

Não escondo que do meu ponto de vista a pureza doutrinária de esquerda deve em tal empreendimento ser secundarizada a favor de um frentismo soberanista pois nenhuma solução satisfatória tanto para uma esquerda moderada como radical é possível no quadro do presente protectorado monetário.

Do meu ponto de vista a escolha mais para a esquerda ou mais para a direita nem sequer está em cima da mesa, e só poderá estar quando o estado português secuperar a sua soberania monetária. Daí mais uma vez a necessidade de um frentismo soberanista que se congregue à volta da restauração dos poderes normais do estado.

Talvez o economista/pensador que melhor define a necessidade de um tal frentismo seja Jacques Sapir cujos textos são límpidos e claros sobre o Euro e seus malefícios, sobre a laicidade como fundamento da civilização europeia e e sobre a necessidade de reconstruir os estados como forma de possibilitar aos cidadãos controle efectivo sobre os governos e o destino dos seus países.

Haveria é claro, trabalho de tradução, edição e burocracia (gestão de copyrights, etc.) a fazer mas traria algo que penso não existir no quadro da imprensa digital em português: Uma perspectiva internacional de problemas que há muito deixaram de ser só portugueses ou sequer europeus.

Por muito que nos custe muito boa gente não lê fluentemente o inglês, o francês e muito menos o italiano, o espanhol ou o alemão. E esses também têm direito a uma informação despoluída de ordo/neoliberalismos e de propaganda europeísta. E devem ser importantes porque o voto deles também conta.

Aqui fica a sugestão.
S.T.

Anónimo disse...

Por vezes (raras) as boas noticias vêm da direita conservadora...
https://www.express.co.uk/news/politics/895286/Brexit-news-French-opposition-leader-calls-for-referendum-on-future-shape-of-EU

Daí eu privilegiar a abordagem frentista anti-Euro.
S.T.

Unknown disse...

Porque não voltar ao tempo da venda de escravos? Como sérias feliz.

Anónimo disse...

"uma página que funcionasse como aglutinador de artigos traduzidos para português ou que dessem um resumo e o link para o original"...

Poderia ficar ligado directamente ao LdB, sendo um repositório de artigos que constituíssem uma massa crítica argumentativa para alargar o debate a outros blogs e a outros fóruns

Anónimo disse...

Insulto é o argumento de quem não os tem

Anónimo disse...

A troika vem pela mãos do preso 44

Anónimo disse...

Em Espanha (depois duma subida de 8 % de 2016 para 2017, muito superior aos 5 % registados em Portugal), confirma-se que o salário mínimo subirá 4% de 2017 para 2018 (praticamente a subida percentual que aqui teremos), atingindo 736 euros. E, também no país vizinho - cujo governo é, indiscutivelmente, um governo de direita -, está prevista a subida dos 736 euros de 2018 para 850 euros até 2020, num aumento de cerca de 15.5 % (O governo poruguês não vai além de 600 euros em 2019, ou seja, um aumento inferior a 3.5 % de 2018 para 2019.):

https://elpais.com/economia/2017/12/26/actualidad/1514281679_625692.html .

Como escrevi no meu comentário das 12:26 do passado dia 21, 'A "timidez" governamental no que diz respeito aos aumentos do SMN, no nosso país, contribuiu bastante para esse pequeno declive na recente subida, pois muitos (demasiados) salários correspondem ao SMN ou andam lá perto [O "modelo" de desenvolvimento em que o governo aparentemente aposta, centrado no turismo, também tem contribuído para este efeito.]'

Infelizmente, basta observar a forma como o actual governo português tem gerido e continua a gerir esta questão do salário mínimo - nem sequer podendo alegar "metas europeias" como desculpa esfarrapada - para perceber que ele não merece ser considerado um governo de esquerda. Está feita a "prova dos nove".

A. Correia

Anónimo disse...

Vai-se repetir porque de tretas e de treteiros estamos todos fartos:

"Anos de chumbo do governo de direita"

Na mouche

Estranha-se contudo e muito, a tentativa de crismar os anos de chumbo do governo de direita como os anos do acordo Governo PS/troika

Como se sabe a História é muito mais rica do que isto

E como se sabe há registos do sujeito das 17 e 52 a saudar a troika, a querer mais troika a lastimar-se pela ida da troika

Pelo que não adianta alguém apregoar que se lembra que os congelamentos e cortes chegaram antes da troika. Pois chegaram. O neoliberalismo tem governado o país. Mas isso não faz esquecer o agravamento geral, pesporrento, criminoso às mãos da troika de Passos e dos seus muchachos.

Nem os berros dos nuchachos a pedir para se ir mais longe do que a troika. E a saudar a troika. E a lamuriarem-se pela suposta ida da troika.

Com os vende-pátrias girando à sua volta a pedir por mais. Desemprego, cortes nos salários, cacete em quem não cumprisse os mandamentos da governança maldita