«Eu creio que não é exagero (...) dizer que estamos hoje a viver em Portugal, nos últimos dois anos, uma mudança de paradigma, uma ruptura com aquilo que nós entendíamos ser o regime político e social. (...) O debate político em Portugal, nos últimos quarenta anos, fez-se em referência à Europa. Quando Portugal perde as suas colónias e regressa ao espaço pequeno das suas fronteiras, encontra no espaço europeu, naquilo que eram os padrões de desenvolvimento, direitos sociais, direitos laborais, padrões de serviço público, padrões de consumo, de crescimento económico e também, obviamente, direitos e liberdades cívicas, (...) um dos pólos mais importantes. (...) A entrada dos fundos de coesão, dos programas europeus e, ao mesmo tempo, os patamares das democracias ocidentais europeias, de alguma forma estruturaram o imaginário de toda uma geração que viveu a democracia, mas também a identidade dos partidos e das forças políticas e a forma como nós pensámos que era o futuro da modernização da sociedade portuguesa.
Nos últimos três anos a Europa deixou de ser tudo isto. A austeridade trazida pelo memorando da troika, pelas imposições da troika - e depois o que a troika colocou em cima das imposições iniciais do memorando - vêm perverter, vêm estilhaçar esta imagem de uma pertença europeia, que possa servir como motor de desenvolvimento e de modernização progressista do país. (...)
(...) Mantendo o garrote da dívida nos termos em que ele existe hoje, nós caminhamos para uma eternização do presente (...), um país perpetuamente em crise e perpetuamente em ajustamento. (...) Aquilo que nos dizem é uma espécie de paradoxo: é que para ficar na Europa temos que deixar de ser europeus ou deixar de ter como referencial essa ideia das democracias ocidentais europeias como espaços de bem-estar, de democracia e liberdade. E portanto eu creio que hoje a centralidade da dívida é de alguma forma o caminho possível para criar uma proposta política que seja suficientemente abrangente, mobilizadora e capaz de desequilibrar este colete de forças da chantagem que nos foi colocada por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. (...) Ou seja, talvez mais facilmente que no passado, entre os diferentes partidos políticos, associações, movimentos, diferentes protagonistas, a centralidade, a urgência, a transparência do garrote da dívida sobre a sociedade portuguesa é de tal maneira óbvia (...), que tem quase uma nova dimensão constituinte: é necessário tratar da reestruturação da dívida para poder colocar em prática, de novo, o jogo democrático de ter alternativas e escolhas políticas sobre o caminho da sociedade portuguesa. (...) A questão da dívida pode ser a questão determinante para rearticular uma força política que permita defender o país.»
Da intervenção de Ana Drago (a ver na íntegra) na conferência promovida pelo Congresso Democrático das Alternativas, no passado dia 2 de Abril.
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