sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Da interpretação de acontecimentos históricos - II


(continuação)

3) a tendência para a monocausalidade: todos os acontecimentos fora da pipeta do laboratório têm uma multiplicidade de causas (materiais, formais, eficientes ou finais). Porém, seja por incapacidade de pensar o mundo em termos complexos ou por deliberada intenção de manipulação política, existe uma tendência generalizada para a redução dessas causas a uma só (ou a um número muito pequeno). Isso é compreensível, pois além das diversas causas ‘reais’ não estarem ao mesmo nível no que se refere ao seu carácter necessário e/ou suficiente (logo, à sua importância causal), esta é a única forma de conseguirmos ‘dar ordem à confusão do mundo’. Porém, não há dúvida que a maior parte das pessoas e comentadores leva esta tendência longe demais, exercendo com isso grande violência sobre a realidade.

4) a falta de acordo acerca dos determinantes últimos da acção humana: em termos gerais e simplistas, o que aqui está em causa é o desacordo radical, possivelmente insuperável e que remonta à antiguidade clássica, entre idealismo e materialismo. É a consciência humana que determina em última instância as circunstâncias materiais ou são as circunstâncias materiais que determinam em última instância a consciência humana? Descendo ao concreto, ninguém põe em causa que os participantes nos motins fizeram o que fizeram porque quiseram. Porém, porque é que quiseram? Por um acto radicalmente autónomo da sua consciência ou por um acto de consciência suficiente ou necessariamente atribuível às circunstâncias em que foram socializados e pelas quais se encontram rodeados? E não será diferente debater esta questão quando falamos de actos individuais versus fenómenos de massas, nos quais a autonomia individual parece estar, no mínimo, diluída? Não está em causa a (des)responsabilização, que aliás é uma discussão distinta: está em causa a compreensão do real para melhor agir sobre ele.

Não pretendo com tudo isto fazer uma rejeição ‘pós-moderna’ de todas as interpretações históricas como meras narrativas de valor idêntico. É evidente que não o são: tanto é assim que já aqui expus a minha própria ‘narrativa’ causal, em que procurei identificar quais são, para mim, os factores que melhor explicam o que se passou. Também não esqueço que as análises têm consequências performativas, pelo que não devem ser julgadas unicamente em termos da sua capacidade de explicar o real, mas também das consequências políticas que produzem. E, obviamente, também não pretendo, longe de mim, impedir a Helena Matos de continuar a utilizar argumentos débeis para fins propagandísticos. Mas se contribuir para elevar um pouco o nível do debate e a consciência crítica dos participantes e espectadores, dar-me-ei por satisfeito.

(Adenda: na sequência deste post justo e bem-humorado do Tiago Mota Saraiva e de modo a não criticar colectivamente os autores dos vários blogues, os nomes dos blogues incluídos originalmente no primeiro destes dois posts foram trocados por "aqui"...)

3 comentários:

Anónimo disse...

O carácter circunstancial da existência e da acção humana parece-me incontornável numa qualquer tentativa de interpretação da realidade. O assumir de tal implicação acarreta uma profunda alteração na forma de conceber as pessoas e o mundo, conceitos como individualidade e liberdade teriam de ser repensados e todos nós sabemos o quão difícil é abdicarmos de algo que nos define. Esta revolução parece-me inevitável mas como será que uma sociedade organizada e sem duvidas irá reagir a tão arrojada abordagem?

corpo (alma ? tem dias) disse...

nas ideias é tudo xpto , mas depois , na vida , o que manda são os instintos , a natureza animal. e há quem consiga sobrepor-se a ela , mas só pq a conhece bem.pq se sabe animal. Habermas ?autoconhecimento? ser livre?

de aí a biologia etologia e filosofia serem muito mais importantes que política e economia.
tudo falhou na era da ciência pq teimam em achar que não somos animais , como se isso fosse uma minus valia. aprende-se bem mais sobre humanidade num programa do national geografic que numa palestra do joão rodrigues.

corpo (alma? tem dias) disse...

e esta 3^parte estragou tudo o que disse anteriormente. quis mostrar letras e borrou as outras. informação confusa para autorecreação.
comportamento de manada ? procure nos arquivos do national...
o que não irá lá encontrar é progenitores ou grupos que não obriguem os rebentos a fazerem-se à vida assim que têm pés para andar.
mas gostei das suas anteriores análises. fica provado , até em casos que não se podem chamar de instituiçõess humanas , só de coisas de humano , a máxima chateaubrianica da utilidade , privilégio ( pensei que era de admirar , tão lúcida !) e abuso.