quinta-feira, 25 de março de 2010

A racionalidade do desastre colectivo

«Durante 50 anos, os alemães aceitaram pagar a maior factura da construção europeia, redimindo-se dos seus pecados na II guerra mundial e usando o mercado interno para sustentar o seu modelo económico de exportação. Foi um bom negócio. Mas a crise grega trouxe à tona uma nova Alemanha. Numa deriva soberanista e com algum preconceito contra o sul, aguçado pela proximidade de eleições regionais, a chanceleria recusa agora pagar pelos "erros dos outros". Este discurso está a deixar economistas muito nervosos, sobretudo em Bruxelas. Não apenas pela Grécia, a quem se recusa a resgatar, mas também pela incapacidade de reconhecer que a situação económica dos países dos sul, incluindo Portugal, é resultado directo do sue êxito económico». Luis Rego, Diário Económico.

À análise do correspondente do Diário Económico em Bruxelas, publicada na edição de hoje do jornal, só falta mesmo um elemento: a referência às vantagens que os interesses financeiros alemães retiram da situação actual.

Longe de transmitir uma posição clara sobre um eventual apoio da UE à Grécia, a postura do governo germânico nas últimas semanas tem sido marcada por constantes avanços e recuos, ora sugerindo que apoiará a Grécia e que se mantém fiel ao projecto do euro, ora insinuando que forçará a saída de alguns países do euro se necessário for.

Estas hesitações - às quais os 'mercados financeiros' vão respondendo impondo taxas de juro crescentes às economias mais frágeis - têm sido justificadas com base em argumentos de risco moral (tipo, se ajudarmos quem se porta mal, estamos a dar um incentivo ao mau comportamento), nas supostas divergências internas à coligação que governa em Berlim, ou na deriva populista impulsionada pela proximidade das eleições regionais. Todas estas razões contam, mas não são a história toda.

Como mostra este trabalho, já aqui citado por outras razões, os excedentes comerciais que a Alemanha acumulou nos últimos anos foram, em larga medida, transformados em empréstimos concedidos pelas instituções financeiras do país a outras economias da zona euro. Este processo não parou com a crise internacional, tendo-se reforçado com a mobilização massiva de recursos públicos no combate à crise.

Por outras palavras, as instituições financeiras alemãs estão entre os principais beneficiários das implicações do comportamento errático que o governo de Berlim tem assumido no contexto actual. Estão a perceber? Há alturas em que é mesmo difícil não acreditar em bruxas.

7 comentários:

asinus disse...

http://ruadopatrocinio.wordpress.com/2010/03/24/caros-vizinhos-contamos-convosco/

João Aleluia disse...

Outra vez a mesma inversão da realidade.

Que cambada de irresponsaveis!

A crise dos país perifericos não é responsabilidade da alemanha, ainda que o sucesso da economia alemã se deva em parte à improdutividade dos paises perifericos.

A alemanha emprestou dinheiro à periferia? Claro que emprestou e em condições mais favoraveis do que estes paises conseguiriam no mercado. E mais, muitas vezes emprestou porque os governos dos PIIGS foram lá pedir, como aconteceu não raras vezes com os nossos governos.

Se a alemanha não existisse, e o euro não existisse, os PIIGS não seriam mais ricos, antes pelo contrario, seriam exponencialmente mais pobres.

Se a alemanhã e o euro não existissem, os PIIGS estavam à mesma a perder a batalha da competitividade para os EUA, para a China, o Japão, ou qualquer outro país do mundo onde há pessoas que querem estudar e trabalhar. Ou alternativamente, viveriam numa economia fechada, uma especie de charco de PIIGS, onde todos viveriam na miseria consumindo apenas aquilo que produziam, ou seja, quase nada.

Por ultimo, se continuamos nesta bandalheira em que sempre que se destroi valor o estado mete dinheiro, e quando um estado já não tem dinheiro, os outros estados metem dinheiro, se continuamos assim a destruição de valor não tem fim!

Ricardo Paes Mamede disse...

O João nunca deve ter olhado com atenção para a evolução da produtividade alemã na última década e meia, que foi inferior à portuguesa. O sucesso comercial alemão deve-se a uma repressão salarial sem par, associado a uma fixação de taxas de câmbio na zona euro sobrevalorizadas para os países da periferia (por imposição alemã). Como estaríamos se a história tivesse sido outra não sei - e o João também não.

João Aleluia disse...

"O João nunca deve ter olhado com atenção para a evolução da produtividade alemã na última década e meia, que foi inferior à portuguesa."

Mesmo desconsiderando os enviesamentos estatisticos destas medidas de produtividade (diminuição da população activa, fundos estruturais com capital de borla, etc...), não me estranha nada que a produtividade dos PIIGS tenha crescido mais que a alemã na ultima decada, uma vez que partimos de valores tao baixos, é naturalissimo que tivessemos crescido mais que os alemaes, alias isso ate demonstram como os dinheiro da europa, em parte pagos pelos alemaes, sortiram alguns efeitos. No entanto a produtividade do trabalho em Portugal continua a estar a milhas da alema.

"O sucesso comercial alemão deve-se a uma repressão salarial sem par,"

Não se deve não, a alemanha já tinha atingido grande sucesso comercial antes da repressão salarial de que fala. Quanto ao porque da repressão salarial, como ja disse noutro comentario, existem duas maneiras de aumentar a produtividade, ou cada factor de produção produz mais, ou cada factor de produção custa menos, isto é tao certo como 2+2=4. A alemanha, apesar de ter um sistema de educação ja relativamente bom, sobretudo quando comparado com os PIIGS, este podia ser muito melhor nomeadamente ao nivel do ensino superior. Mas na alemanha, tal como nos outros paises do mundo, melhorar a educação não ganha eleições, nem tem resultados imediatamente. Portanto a solução encontrada pelos politicos alemaes foi a repressao salarial. Importante notar que ainda que seja feito um investimento serio em educação e em desenvolvimento tecnologico, o que de facto a alemnha não esta a fazer, a repressao salarial seria sempre necessaria no curto prazo de modo a competir com economias emergentes que partem de bases salariais muito mais baixas.
Para mais, a unica razão porque os PIIGS não procederam à mesma repressão salarial do que a alemnha, é porque os seus governos não tem credibilidade junto dos seus povos para o fazerem.

"associado a uma fixação de taxas de câmbio na zona euro sobrevalorizadas para os países da periferia (por imposição alemã)."

Quanto à questão da taxa de adesão, o que teve um impacto nos PIIGS, não foi a taxa de adesão ser mais ou menos elevada, pois essa situação teria sido rapidamente sanada, atraves da adaptação dos preços venda e do sourcing dos inputs. O verdadeiro problema é que a maior parte das industrias exportadoras dos PIIGS dependiam das desvalorizações periodicas e propositadas das suas moedas, que lhes permitiam vender mais barato e pagar menos (em termos reais) aos trabalhadores. Uma vez que a taxa de cambio esta fixa, acabou-se a brincadeira.

"Como estaríamos se a história tivesse sido outra não sei - e o João também não."

Sei, sei, porque as questões que estamos a discutir aqui não são novidade, nem inovação da UE, a historia está cheia de exemplos do que acontece em situações de integração economica e monetaria.

Enfim, a titulo de conclusão, o que mais me irrita em papers como este do RMF. é o locus de controlo externo, é tudo culpa dos outros! Enfim, pergunto-me se é isto que estes professores ensinam aos alunos?

Ricardo Paes Mamede disse...

"a produtividade do trabalho em Portugal continua a estar a milhas da alema."

É um facto, mas não é essa a questão. O ponto que aqui interessa frisar é que o suposto desempenho excelente da Alemanha nos últimos anos é um mito. A economia Alemã tem estado estagnada sob todos os pontos de vista (incluindo a produtividade) excepto um - a balança comercial.

"a unica razão porque os PIIGS não procederam à mesma repressão salarial do que a alemnha, é porque os seus governos não tem credibilidade junto dos seus povos para o fazerem."

Se quiser pensar no assunto encontra mais meia dúzia de razões num instante. Uma delas é que a integração dos mercados europeus não garante o abaixamento dos preços para todos - tende antes a promover uma convergência dos preços, reduzindo-os onde são mais elevados e subindo-os onde são mais baixos. Como os preços dos bens transaccionáveis tendem, em média, a subir mais nas periferias do que no centro (em resultado do próprio processo de integração), tal dificulta a contenção salarial naquelas. Além disto, a maior exposição de pequenas economias abertas às variações dos preços do petróleo (que subiram acentuadamente nos últimos anos) aponta no mesmo sentido.

"O verdadeiro problema é que a maior parte das industrias exportadoras dos PIIGS dependiam das desvalorizações periodicas e propositadas das suas moedas, que lhes permitiam vender mais barato e pagar menos (em termos reais) aos trabalhadores."

Entre depender de um 'crawling peg' e ter de viver com uma apreciação real da moeda (como aconteceu com o euro desde 2002-3) vai uma grande diferença. Se as coisas fossem como diz a política cambial não servia para nada. Há quem acredite nisso. Eu não. E a história não parece estar contra mim.

"porque as questões que estamos a discutir aqui não são novidade, nem inovação da UE, a historia está cheia de exemplos do que acontece em situações de integração economica e monetaria."

Sugiro-lhe que estude a desvalorização do peso Argentino no início da década. Talvez chegue à conclusão que os exemplos de que a história está cheia não são necessariamente os que tem em mente.

Ricardo Paes Mamede disse...

Já agora, ninguém aqui fala em culpa. Deixo isso para Ratzinger. Estou mais interessado nas estruturas existentes e em discutir até que ponto elas são as mais adequadas para potenciar o desenvolvimento económico e social - não apenas em Portugal, mas também na Alemanha. Isto não significa por em causa a política doméstica. Mas a ideia 'é tudo culpa nossa' é um argumento tão sofisticado quanto aqule que diz que 'a culpa é dos outros' - não nos serve de muito.

João Aleluia disse...

1. Concerteza que a economia alemã tem estado estagnada, tal como as economias relevantes da UE, e concerteza que o aumento da produtividade se deve à repressão salarial, não é isso que eu contesto.

2. Apesar de existirem factores que tornar a repressão salarial mais dificil nos PIIGS a falta de credibilidade e inepcia dos governos é de longe o maior problema. Uma vez que um governo que diz a verdade ás pessoas e que se comporta de forma honesta e responsavel tem a autoridade moral para levar a cabo medidas impopulares.

3. Apreciação real da moeda? É verdade, mas no entanto cerca de 80% das exportações Portuguesas são para a zona euro.
Sem duvida que é mau para as economias da zona euro a excessiva apreciação do euro face ao dollar, e sem duvida que são as economias mais fracas que mais sofrem. Mas também é preciso ver o outro lado da desão ao euro, as taxas de juro muitissimo mais baixas e o amplo acesso ao credito para todos os agentes economicos, e mais importante ainda, o fim das politicas monetarias suicidas (que infelizmente andam agora a ser repetidas pelo BCE) e da alta inflação.

4. Não considero que a politica monetaria não sirva para nada, considero que serve para muito e que na maior parte dos casos serviu para destruir as economias. A politica monetaria devia estar restringida por lei a ser utilizada para fazer pequenas expansões quando a economia esta em grande crescimento e portanto existem mais activos na economia que precisam de ser representados por nova moeda, para evitar deflação, e para fazer pequenas contrações em grandes recessões, pelos motivos opostos. Quando os politicos e os economistas se esqueçem que a moeda representa os activos de uma economia, e começam a imprimir dinheiro na ilusão de que estão a criar riqueza, a catastrofe sucede-se inevitalvelmente, como tantas vezes ja aconteceu.

5. A historia do peso Argentino não é de modo algum comparavel á historia do euro e muito menos á relação de portugal com euro, uma vez que o principal parceiro comercial portugues é a zona euro, enquanto que os pricipais parceiros comerciais argentinos estavam na america latina, e a praticar politicas de desvalorização competitiva, como alias é natural nessa area geografica. Porque não falar antes do Equador, que ainda não abandonou o dollar? é um exemplo mais parecido com portugal, uma vez que o maior parceiro comercial sao os EUA. Para mais, estou plenamente convencido de que se a economia tivesse sido previamente preparada, acordos regionais tivessem sido celebrados, e o governo argentino fosse responsavel, a dollarização da argentina teria trazido enormes benficios ao pais.

6. Por ultimo, a questão da culpa é de extrema importancia, pois se continuarmos à considerar que não temos culpas naquilo que de mau nos acontece, nunca vamos mudar a maneira como este pais funciona e que está na genese da crise economica e social em que nos encontramos.