Em plena crise do modelo de desenvolvimento neoliberal, António Barreto (AB), inspirado pelo banqueiro Fernando Ulrich, vem propor no Público de hoje uma «medida de excepção» para acentuar o desemprego, a crise e as desigualdades salariais: a liberalização temporária dos despedimentos. Eu não ligaria muito a estas previsíveis opiniões das nossas desgraçadas «elites», mas como AB está agora sentado em muitos milhões de euros, generosidade do sítio do costume, é melhor que tomemos nota. Alexandre Soares dos Santos já mostrou que não brinca em serviço e criou uma espécie de supermercado das ideias que servirá como tecnologia de persuasão para difundir estas coisas num tempo que a sua fragilidade intelectual está à vista. O dinheiro pode muito mesmo quando as razões escasseiam.
Estas coisas são defendidas perante uma crise de procura sem precedentes, perante a interacção perversa entre o sobreendividamento e a deflação, quando até economistas convencionais reconhecem que um forte impulso público, coordenado à escala europeia e mundial, um recorte de direitos e obrigações que proteja mais os trabalhadores e um Estado social robusto são a única coisa que pode prevenir um desastre absoluto. Como defendeu recentemente o economista Paul De Grauwe, que assessora o cherne, a maior dificuldade em despedir ou em contrair os salários, o acesso a subsídios de desemprego mais generosos, que evitam cortes tão intensos na procura, a maior viscosidade dos preços, que bloqueia, pelo menos parcialmente, espirais descendentes geradoras de falência e de aumentos de desemprego, ajudam a estabilizar as economias. O aumento do investimento e da despesa dos Estados, keynesianismo ecológico e social, é uma condição necessária para superar a crise. Não há alternativa. Depois é preciso encetar um processo de reformas estruturais igualitárias que alterem a face do sistema socioeconómico e que revertam décadas de utopias de mercado.
Enfim, nada disto interessa a AB. Como não lhe interessa que a maior precariedade desincentive o investimento no aumento das qualificações por parte de trabalhadores e de patrões. Não lhe interessa que um dos efeitos mais salientes da desregulamentação unilateral das relações laborais seja o aumento das desigualdades que, como mostra a experiência de vários países, é prejudicial à criação de emprego. Não lhe interessa que a precariedade e a contracção permanente dos salários que lhe está associada reduzam os incentivos à modernização e à inovação empresariais.
A AB não interessa ainda que a UE, que, com as políticas keynesianas adequadas, poderia ser parte da solução para crise, esteja antes trancada num jogo concorrencial perverso em que o que parece racional para cada país individualmente considerado – promover as suas exportações por via da compressão dos custos relativos do trabalho e seduzir o capital por via fiscal – gera um resultado global irracional sob a forma de um mercado interno desequilibrado e contraído por um défice permanente de procura salarial. Não lhe interessa que este jogo seja hoje um dos grandes responsáveis pelo desemprego europeu que a crise vai acentuar. Não lhe interessa que a actual configuração da globalização tenha acentuado este problema. A realidade não lhe interessa para nada. Ao director do supermercado das ideias apenas interessa ver na crise uma oportunidade para reforçar as elites dos sítios do costume. Excepcionalmente, claro.
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4 comentários:
João,
Agradeço mais uma vez a gentileza do teu comentário que me referencia. Escrevo contudo para denunciar o que tem passado um pouco ao lado dos media, apesar de todos sabermos que eles existem. Mas a documentação que reuni aqui http://tinyurl.com/c33zbm faz-me pensar na existência de facto de um partido fascista em Portugal. E se for o caso, eu julgo que é dever da sociedade, particularmente da esquerda levar isto novamente ao TC e ao PR. Deixo à tua análise. Um abraço,
Carlos Santos
O keynesianismo é um mito. Os unicos recursos do Estado são aqueles que tira do sector privado. O que se limita a fazer é afectar os mesmos recursos de uma maneira distinta da do mercado, o que por norma é menos eficiente. Numa altura de escassez de capital e poupanças, despesismo estatal é um fardo que não se pode suportar. o que reduz escassez de bens e melhora o nível de vida das populações é a produção de bens e serviços de forma eficiente. Aumentar artificialmente a procura arredada não resolverá os problemas, para além de que essa não é a causa dos problemas actuais.
Viva,
A discussão nacional sobre o caracter da legislação laboral está ainda por fazer. Espero estar a contribuir para ela com este comentário ao seu post:
http://small-brother.blogspot.com/2009/04/argumentos-contra-liberalizacao-do.html
Muito bem. O supermercado de AB desde há muitos anos que está muito mal fornecido. Deixei uma chamada de atenção para este "post" no meu sítio Inquietude Permanente.
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