segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O dia seguinte

A vida fez com que um bom grupo de ladrões se reunisse no painel que ontem se encontrou para discutir economia no encontro Democracia e Serviços Públicos que teve lugar na Universidade de Lisboa.

Parece-me poder resumir desta maneira o painel e o encontro: (a) o que a divide esquerda socialista da direita e das políticas neoliberais não é uma mera questão de mais ou menos Estado; (b) existem, e são cada vez mais claras, soluções políticas e de política alternativas às que se apresentam como únicas e inevitáveis.

O que divide a esquerda socialista da direita neoliberal não é a defesa de muito Estado pela primeira, contra a defesa de pouco Estado, pela segunda, mas antes a definição do que o Estado deve e não deve fazer e como o deve fazer. O Estado não regrediu com a direita no poder. O que mudou foi a sua natureza. Da provisão de serviços públicos, deslocou-se para a subcontratação destes serviços ao sector privado, da segurança contra riscos decorrentes do desemprego, da idade, da doença, reorientou-se para protecção contra ameaças internas e externas, reais e imaginárias. O Estado concentrou-se na 'regulação', também ela (quase) subcontratada a entidades 'independentes'. O modo como o Estado funciona transformou-se ele próprio, com a substituição de administração pública por gestão (quase) empresarial.

As actividades tradicionalmente associadas ao Estado Social e à gestão de equipamentos e infra-estruturas públicas caracterizam-se por estarem protegidas da concorrência externa e por serem custeadas com recursos provenientes de impostos e taxas. Para o capital financeiro elas são apetecíveis: boa rendibilidade, baixo risco. Quando o Estado abre mão da provisão a oportunidade é prontamente aproveitada.

Com a privatização da provisão o Estado deixa de ser um palco de confronto e negociação de onde podem emergir soluções de compromisso, para se transformar no que já foi designado de 'Estado Predador' - uma coligação de interesses económicos rentistas que prosperam no quadro de um regime de acumulação baseado na expropriação dos recursos públicos. O caso português é ilustrativo. Na sequência do processo de privatizações (re)constituíram-se em Portugal grupos económicos que se caracterizam fundamentalmente pelo acantonamento na produção de bens não transaccionáveis e pela penetração crescente na esfera da provisão de bens públicos.

O debate no painel permitiu identificar acordos em torno de linhas de política:

Reconhecimento da centralidade do papel do Estado. O termo 'Estado estratega' foi já utilizado para caracterizar o que agora, mais do que nunca é necessário: um Estado que em nome de prioridades públicas reassume o controlo de sectores estratégicos, se responsabiliza pela provisão de serviços públicos e pela gestão do território, e que utiliza os meios de que dispõe para incentivar e orientar o investimento privado. Entre nós é urgente compreender que a redução dos défices e das dependências externas, que efectivamente crescem a taxas alarmantes, depende de uma reorientação do investimento privado dos sectores abrigados da concorrência internacional, para a produção de bens transaccionáveis, exportáveis e capazes de substituir importações. Em Portugal é preciso contrariar a livre circulação de pessoas, bens e capitais entre o público e o privado; é preciso separar serviço público de negócio privado.

Valorização do serviço público. “O nosso País não está condenado a escolher entre serviços decadentes e burocratizados, de um lado, e a erosão do Estado conduzida segundo a ideologia gestionária da modernização, do outro”, disse Jorge Bateira. Existem outras modernizações possíveis que respeitem os funcionários do Estado e os vejam como pessoas que podem e querem valorizar-se e ser actores de mudança. Reformas que começam por ouvir aqueles que são os rostos da Administração Pública e os cidadãos. Modernizações que, sem reduzir os servidores do Estado à condição de oportunistas e egoístas, nutram os valores característicos da ética de serviço público.

Combate à desigualdade pela valorização do trabalho. A provisão pública de serviços aos cidadãos é apenas um dos instrumentos do combate às desigualdades. O caso português, como tantos outros, é ilustrativo das limitações das políticas sociais meramente reparadoras. A par das políticas reparadoras é necessário desmercadorizar o trabalho. Reconhecer que a repartição do rendimento depende de instituições sociais e de políticas. Que toda a legislação que regula as relações de trabalho, a par das políticas macroeconómicas que podem estimular mais ou menos o emprego e orientar melhor ou pior o investimento, são determinantes fundamentais da repartição primária. Isto é tanto mais importante quanto o desemprego e a exclusão deixaram já de ser os únicos mecanismos geradores de pobreza e o próprio sistema produtivo voltou a produzir, a par de mercadorias, trabalhadores pobres.

4 comentários:

F. Penim Redondo disse...

O Fórum foi claramente virado contra o Governo, representado como entidade subordinada aos "interesses económicos" e que, se assim não fosse, poderia resolver a generalidade dos problemas dos portugueses.
Os tais "interesses económicos" não foram endereçados directamente preferindo-se "apertar" com o Governo para os meter na ordem. São quase sempre referidos em termos muito abstractos do tipo "neo-liberalismo", "financeirização", etc.
Omitiu-se a questão das receitas do Estado no quadro do regime actual e a forma como estão dependentes da actividade económica das empresas e da taxação dos salários dos seus trabalhadores.


As relações laborais, na "economia real" das empresas, foram em larga medida subestimadas e não me apercebi de qualquer apelo aos trabalhadores explorados para se movimentarem nas empresas. Aliás penso que esses trabalhadores estariam muito pouco representados no elenco dos oradores (e dos assistentes ?) se exceptuarmos a intervenção "institucional" de Carvalho da Silva.
A generalidade das intervenções foi feita por académicos, professores, médicos e outros funcionários e versou sobre os serviços prestados aos cidadãos pelo Estado. Os cidadãos figuraram assim como receptores passivos dos serviços do Estado, como se os seus interesses se encontrassem suficientemente representados e defendidos pelas classes profissionais que os prestam. Não me consta que tenham sido tratadas as relações de produção nem avançadas quaisquer propostas para a sua transformação com excepção do enquadramento profissional de certas categorias de funcionários públicos (a avaliação dos professores parece ter monopolizado o debate sobre a educação).


Em síntese: sem se apresentar qualquer alternativa para a organização social da produção e consequentes fontes de receitas para o Estado insinuou-se que o Governo podia controlar e limitar a actividade dos privados como entendesse e, apesar disso, proporcionar aos seus funcionários muito melhores condições de trabalho e dessa forma, por arrasto, prestar muito melhores serviços à generalidade dos cidadãos.


Como se o capitalismo estivesse entre parêntesis ou se tratasse de um Fórum Pós-Capitalista.

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