segunda-feira, 3 de março de 2008

Esperança bloqueada?

Concordo com a análise do Daniel Oliveira sobre os bloqueios da esquerda portuguesa, responsáveis pela existência do que André Freire chamou o «enviesamento de direita» na condução das políticas públicas em Portugal. Fez-me lembrar uma coisa que o Daniel escreveu a propósito das eleições dos EUA, mas que se aplica neste contexto com particular acuidade: «este é o pecado da esquerda: esqueceu-se do enorme poder político da esperança». Na minha opinião, a esquerda socialista deveria elaborar um programa mobilizador. Nada de muito complicado. Por exemplo, seis propostas realistas de ruptura, como fez, e muito bem, José Sá Fernandes para a CML. Isto teria uma dimensão expressiva poderosa: estamos autorizados a ter esperanças fundadas porque existe uma força disposta a assumir todas as suas responsabilidades. Uma força sem medo do poder. Nem de coligações. Uma força com um programa igualitário de mudança, baseado em políticas concretas capazes de dar «uns empurrões nos sítios certos» (Pedro Viana em comentário) para tornar Portugal num sítio decente.

5 comentários:

João Dias disse...

Queria abordar um problema que eu acho fundamental a esquerda perceber para se poder afirmar como alternativa de poder. A fraca mobilização para a solidariedade face à forte mobilização para o egoísmo. Não estou a desculpar a esquerda ou a matar a esperança, estou a alertar para um problema sério que vem de desde a micro-estrutura familiar. Não será ao acaso que o discurso de direita apela à família ou à propriedade privada, está-nos constantemente a apelar aos nossos pequenos núcleos de egoísmo, são "traços egoístas aceitáveis e comuns" a uma sociedade com medo de perder ainda mais. A questão é que o Estado providência e as estruturas sociais necessárias à coesão de uma sociedade funcionam numa lógica muita mais lata e complexa. A direita associa a intervenção estatal a uma séria ameaça ao que é nosso, é mais difícil para a esquerda credibilizar um Estado minado por políticas de direita do que à direita descredibilizar um Estado minado pelas suas próprias políticas. É aqui que, na minha opinião, reside um dos paradigmas essenciais da dificuldade da esquerda em se afirmar na profusão das políticas sociais.

Ou seja, o discurso de esquerda de defesa do papel do Estado tem ser feito em simultâneo com a ideia clara de que esse Estado é manifestamente diferente do actual. Porque o que acontece, é que "parece" que a esquerda está a defender o Estado das políticas injustas gerido pela direita.


Daniel Oliveira diz:
"Só que, para isso (crescer o suficiente para assustar o PS), o eleitorado socialista mais à esquerda precisava de acreditar que o BE quer mesmo um dia transformar os seus votos em poder."

Pessoalmente, eu votava PS e agora voto BE porque acredito que o BE quer ser governo se o sufrágio democrático assim o permitir. Não corroboro nada esta ideia do Daniel, parece-me que o problema do BE é ser mesmo uma alternativa à esquerda, é muito difícil na sociedade portuguesa ter 40% de votação a defender direitos iguais para homossexuais e heterossexuais, a defender a legalização da prostituição, a defesa da inserção dos imigrantes... Eu sinto por parte de pessoas que se poderiam dizer de esquerda, que o BE assusta por querer cumprir todo um programa de esquerda, a maioria das pessoas de esquerda em Portugal parece só quererem uma parcela das políticas de esquerda. Um programa de esquerda que nos promete a melhoria das nossas condições de vida é facilmente aceite, um programa de esquerda que nos diga que é preciso ser sério e apostar na cobrança de impostos para equilíbrio da sociedade já não "colhe" tanto.

Pedro Viana disse...

Acho que o João Dias tocou em alguns pontos importantes. Destaco:

"Não será ao acaso que o discurso de direita apela à família ou à propriedade privada, está-nos constantemente a apelar aos nossos pequenos núcleos de egoísmo, são "traços egoístas aceitáveis e comuns" a uma sociedade com medo de perder ainda mais."

Como reagir? Na minha opinão, através de duas vias:

(1) pegar em alguns dos princípios mais queridos à Direita, e mais mobilizadores socialmente, e usá-los a favor de políticas de Esquerda; um exemplo paradigmático, é a defesa dos direitos das crianças; imaginem que a prioridade máxima do Estado era a defesa dos direitos das crianças; seriam as políticas necessariamente mais de Esquerda ou de Direita?...; eu não tenho dúvidas, seriam claramente de Esquerda, exigindo um reforço substancial do Estado Social (que obviamente beneficiaria o resto da população) que teria de ser responsável por assegurar que todas as crianças (incluindo as dos imigrantes ilegais, por exemplo) teriam alimentação, habitação, educação, saúde, ao melhor nível possível; a Direita ficaria desarmada! estão a ver a Direita a exigir que se pague menos impostos porque as crianças são parasitas do Estado e gastam muito?...; e não tenho dúvidas que esta mensagem seria politicamente ganhadora, pois socialmente não há nada que mais mobilize a solidariedade do que a defesa dos direitos das crianças; porque é que a Esquerda não faz isto?...

(2) correcta formatação da mensagem; por exemplo, vou pegar na defesa do ambiente; se formatarmos a criação de áreas protegidas como algo que é feito apenas para conservar a natureza pristina e intocável pelo homem, tal vai ser muito pouco apleativo para o eleitorado; no entanto, se formatarmos a mensagem de que as áreas protegidas são necessárias para que as gerações futuras possam usufruir da natureza, então a mensagem vai ser muito mais poderosa; a noção de que a formatação da mensagem política é fundamental é algo mais do que assente do outro lado do Atlântico; fazíamos bem em aprender com a Esquerda progressita que lá está a tentar mudar os termos do discurso político:

http://www.alternet.org/story/17574/
http://www.alternet.org/story/16828/
http://www.alternet.org/mediaculture/19811/

Pedro Viana disse...

Não resisto a chamar a atenção para uma das melhores formatações do pensamento de Direita a que assistimos nos últimos tempos: a luta entre as bolas de Berlim e a ASAE. A ASAE é um organismo essencial dum Estado que tenha como objectivo zelar pelo bem comum. Ou seja os princípios porque se norteia a ASAE são algo que merece o aplauso da Esquerda. Por outro lado a Direita detesta esses princípios, acima de tudo porque exigem ao Estado que regule e fiscalize a iniciativa económica privada. No entanto, a Direita (ou seja os seus comentadores mais mediáticos) em vez de dizerem abertamente o que não gostam na ASAE, formataram a sua oposição como sendo em defesa da liberdade de escolha do consumidor e da tradição, evocando a lembrança de alegres infâncias passadas na praia a comer bolas-de-berlim (!...). E a Esquerda, tristemente, não conseguiu de todo formatar uma mensagem eficaz de apoio ao papel da ASAE. A precepcão da maioria das pessoas sobre a ASAE foi formatada de modo negativo, dificultando no futuro apoiar quer a accão da ASAE quer a intervenção do Estado na regulação da actividade económica. A Esquerda parece não ter-se apercebido de todo do que estava em jogo nesta ofensiva da Direita sobre a ASAE.

João Rodrigues disse...

Estes comentários enriquecem e muito o blogue. Muito obrigado.

Os tópicos que abordam, do egoísmo ao efeito de enquadramento, passando pelas hipóteses de crescimento da esquerda terão que ser os nossos pratos fortes.

Um abraço

Anónimo disse...

Concordo com o expresso neste post, mas há aqui um grande se não... A principal razão pela qual existe o tal «enviesamento de direita» é que o nosso PS nunca foi um partido verdadeiramente reformista e social democrata, como muitos na Europa ou mesmo o Partido Democrata nos tempos de FDR. Creio que neste momento o caminho para a esquerda social e política é de se unir em torno de um projecto mínimo de salvação da republica, um projecto que transcenda a soma de poder de influência de PC, BE, CGTP, Alegristas e mais malta que anda por aí a pairar... Agora não tenhamos ilusões, com o aparelho do PS é impossível ter este programa de ruptura, é impossível ter a necessária credibilidade aos olhos das massas e mais, chegados ao poder desenvolver as referidas políticas de ruptura. É por aqui o caminho, mas um dos adversários terá de ser, ou melhor é, a direcção do PS e a maioria do seu aparelho que é responsável pelas políticas seguidas por este governo e pelo clima de perseguição que se vive no país.
Que o que se passou recentemente em Itália e à uns anos na França sirva de aviso! Não desperdicemos o actual momento histórico, nem assumindo uma postura inconsequente e tímida, nem entregando o ouro ao bandido e ofereçendo credibilidade aos mafiosos responsáveis pelo actual estado do regime. Unir e vencer é possível, há espaço e há receptividade popular para uma alternativa deste género. E não pensem que a direita vai estar nesta dormência ad eternum... Por enquanto o trio Menezes-Santana-Portas é uma catástrofe e a malta está a olhar para a esquerda à espera de resposta, se não as soubermos dar vão procurar noutros lados. A direita social e política que transcende as actuais direcções partidárias começa a esboçar um programa alternativo sólido...
Há um artigo da Capital and Class muito interessante sobre os actuais partidos Trabalhistas/sociais-democratas é de leitura obrigatória "Neither pragmatic adaptation nor misguided accommodation: modernisation as domination in the Chilean and British Left".
Sobretudo é preciso que acima das lógicas aparelhistas e preconceitos das direcções e militantes a esquerda à esquerda do PS institucional, se organize, mas para isso vai ser preciso tb muita mobilização de massas para forçar a coisa e meter juízo na cabeça de alguns porque não me parece que as actuais direcções e mesmo a sua militância estejam para aí viradas...

http://mundoemguerra.blogspot.com/2008/02/o-caminho-que-j-se-faz-tarde.html

PS - Já agora, fico preocupado com o exemplo que deram, não arranjam melhor poster para publicitar esta ideia que o Léon Blum??? O governo que abandonou a Republica Espanhola e abriu as portas ao Fascismo??? Não basta passar umas quantas leis fixes é necessário depois ter a coragem e frieza de tomar as medidas necessárias para as sustentar, mesmo que isso implique o confronto aberto e quando a opção é entre o confronto aberto com possibilidades de vitória ou a barbárie nazi, qual é a dúvida? O governo de Léon Blum esteve longe de estar à altura das responsabilidades que lhe foram conferidas, ao menos fica a lição. Lá está, o reformismo só serve até certo ponto, depois são necessárias rupturas qualitativas com o sistema... Mas sim por enquanto em portugal no ano 2008 ainda não estamos aí, para já bora lá "Salvar a República" e juntar a malta! (a sério!)