Imaginem se a Assembleia da República andasse a patrocinar directamente notícias em jornais ditos de referência. Haveria uma reacção, dado o maior escrutínio democrático.
sexta-feira, 12 de março de 2021
Da miséria editorial
Imaginem se a Assembleia da República andasse a patrocinar directamente notícias em jornais ditos de referência. Haveria uma reacção, dado o maior escrutínio democrático.
quinta-feira, 11 de março de 2021
Iniciativas há muitas
Se é verdade que a justeza de uma posição nunca foi definida pelas companhias, também é verdade que não devemos elogiar as más companhias, sobretudo quando estas procuram sobretudo promover o capitalismo deseducativo.
Estou a pensar em intelectuais de esquerda que, subestimando as posições de comunistas e de bloquistas, os primeiros mais atempadamente, elogiaram a iniciativa reaccionária pela sua posição sobre a abertura das escolas. Bem sei que a propaganda cool, em inglês e com alusões aos Pink Floyd, é dirigida a segmentos ditos qualificados da pequena, média e alta burguesia, mas isso não justifica tudo, embora explique muito.
Estes liberais, com a sua fraudulenta conversa da liberdade, são um alvo, até porque o seu programa económico é no fundo uma versão aprimorada do programa do Chega, não o esqueçamos.
quarta-feira, 10 de março de 2021
Onde está ele?
Notícia não é o cão morder no homem, mas sim o homem que morde no cão.Há quase 30 anos, houve quem desse corpo a essa anedota (ver aqui). Mas há muito que o que se passa é o contrário.
Ainda agora se passou isso.
Ao fim de meses de prisão e de liberdade vigiada e de uma decisão judicial histórica que lhe limpa o cadastro, anula condenações e permite-lhe ganhar as eleições a Bolsonaro, Lula da Silva discursa! Pois, ao fim de uns minutos, a pivot da RTP Cristina Esteves passa a emissão - "Lula faz agradecimentos" - ... para o jornalista Luís Baila para que explique o que se passou e, mais adiante, pergunta-lhe se a anulação das acusações foi "apenas processual" e se Lula pode, afinal, ainda vir a ser condenado e preso. Baila reitera que assim é e que até correm mais processos contra ele, além do Triplex. E pronto! A emissão vai para o noticiário das 15h que... repete o noticiário das 14h. Minutos depois, Cristina Esteves despede-se com a sensação de dever cumprido e passa a emissão para a pivot Dina Aguiar! A SIC notícias também andou pelo estado de emergência e a audição dos partidos pelo presidente da República. A TVI24 esteve mais uns minutos em directo com Lula do que a RTP para logo passar... aos números da pandemia e ao estado de emergência, um tema nunca abordado no último ano! A CMTV andou por todos os lados menos pelo Brasil.
Mas nos jornais também se passa o mesmo. O Público mantém na 1ª página online a pandemia e as vacinas. O Expresso idem...
Onde páram, pois, os jornalistas que antes andavam atrás do homem que mordeu no cão?
Uma dezena de razões
A decisão sobre a data de reabertura das escolas é política, e não técnica, mas o governo tem bons argumentos técnicos para contrariar os dois peritos que recomendam manter escolas do ensino básico fechadas até à Pascoa. Haja coragem.
terça-feira, 9 de março de 2021
Da prática e da contradição
António Costa constatou o óbvio ululante no Público, ou seja, o fracasso das políticas neoliberais. Na mesma semana, do alto da presidência portuguesa, imaginando-se no centro do mundo, Augusto Santos Silva foi notícia, e logo no Financial Times, porque sentenciou que a “credibilidade” da UE estaria ameaçada pela não ratificação do acordo de comércio e investimento, ditos ainda mais livres, com o Mercosul. Parece que há países com preocupações ambientais, entre outras. Na prática, as únicas políticas credíveis ainda são as que falham.
segunda-feira, 8 de março de 2021
Dia de lutas
domingo, 7 de março de 2021
Não há qualquer semelhança entre finanças familiares e finanças públicas
“Entrevistador: Agora, isto [a dívida pública] não é como uma dívida das famílias, isto não é como um saque a descoberto; quão importante é, então, que paguemos isto?
Convidado: Esse é um ponto realmente importante, há muito tempo que falamos disto [da dívida pública] como se fosse uma dívida familiar, mas, quando se é dono de uma casa, o que nos preocupa com a dívida é o que acontece se não pagarmos, os oficiais de diligências podem aparecer, e podes perder a sua posse, mas não é assim para o Estado, sobretudo por causa de a quem este pediu emprestado. E se olharmos para isso, para quem devemos de facto este dinheiro, o dinheiro [que o Estado pediu] emprestado desde a pandemia, na verdade, 92% do mesmo é devido ao Banco de Inglaterra, que é, de facto, em última análise, outro ramo do Estado. Por isso, se estiveres a pedir emprestado a ti mesmo, tal como acontece com as finanças públicas, tens um credor muito mais paciente, que não vai bater à tua porta em breve”.Pedalar
Se Ana Cordeiro Santos não vem ao blogue, o blogue vai até à economia política, divulgada numa excelente análise em quatro partes, da autoria da jornalista Luísa Pinto, no Público, com uma relevante pergunta de partida: Porque é que procurar casa se tornou um inferno?
“O tema da financeirização da habitação está a ser estudado um pouco por todo o mundo. Em Portugal também. Ana Cordeiro Santos, investigadora da Universidade de Coimbra, dedicou-se exaustivamente ao tema enquanto coordenadora do Finhabit, um projecto de investigação que culminou na publicação de “A nova questão da habitação em Portugal”. Este trabalho mostra como o nexo finança-habitação tem vindo a acentuar desequilíbrios e desigualdades. O escrutínio feito às políticas públicas levadas a cabo em Portugal atesta que agravaram a transformação da habitação num activo financeiro transaccionável.”
Em complemento, aproveito para deixar aqui um estudo, publicado na Análise Social, sobre a financeirização da habitação e desigualdades no nosso país, comparando as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, da autoria de Ana Cordeiro Santos e Raquel Ribeiro.
sábado, 6 de março de 2021
Vida e Obra

Um comício à chuva
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Fotos de Maria Cecília Alves |
Anos a fio disso. Mas agora tudo estava por fazer e ia ser possível construir tudo. Outro país.
Levanto a cara do écran do computador e está a dar um programa de televisão - "O último apaga a luz". Tudo parece hoje como que adormecido, ensabonetado, expurgado de emoções fortes, vibrantes. A palavra tornou-se demasiado fácil, barata, e perde-se tanto tempo com nada. Utiliza-se a televisão para lixo que é remunerado com publicidade. Anos a fio disto. E tempo é coisa que não temos. Mas só se aprende com tempo.
É preciso tudo outra vez.
Parabéns
Há uns anos, dei conta de um panfleto de 1997 e da análise premonitória que o acompanhou. Distribuí este panfleto à porta do ISEG há quase um quarto de século. Não sou muito de guardar coisas, mas conservo um.
sexta-feira, 5 de março de 2021
António Costa é óptimo a fazer discursos de esquerda
Nesta entrevista, o Primeiro-Ministro e líder do PS reproduz muitas posições que há anos são subscritas pela esquerda em Portugal: a necessidade de reforçar o SNS (mais investimento, mais pessoas, carreiras mais atractivas), de reduzir a precariedade no mercado de trabalho, de estender a protecção social a segmentos da população dela excluídos, de responder aos problemas de habitação e de exclusão social nos bairros periféricos na zonas metropolitanas. Costa enfatiza os problemas que decorrem da inserção de Portugal no euro e dos acordos comerciais da UE com países terceiros – em particular, o seu impacto na indústria nacional. Afirma mesmo que “esta crise foi o maior atestado de falhanço das visões neoliberais”.
O problema de Costa nunca foi desconhecer a agenda ou os slogans da esquerda. Um dos segredos do seu sucesso é a capacidade de reproduzir o discurso de tradições políticas que não são a sua.
Há quem ache que estes discursos são sinceros, outros duvidam. É pouco relevante. A experiência mostra que Costa liga o botão do discurso de esquerda quando as circunstâncias exigem. O contexto actual é fácil de perceber – e a entrevista revela-o à transparência. Aproximam-se eleições autárquicas (mais difíceis do que até há pouco se esperava) e a necessidade de aprovar orçamentos de Estado sem maioria no parlamento. É preciso pressionar BE e PCP a cooperar com o PS. Para isso, há que convencer os eleitores de esquerda de que o projecto de Costa para o país é o que desejam.
O problema de António Costa é que já governa desde 2015. As declarações programáticas já não chegam. SNS, precariedade, protecção aos desempregados, habitação, combate à exclusão, são problemas que exigem coragem e medidas. Se elas não aparecerem ou não convencerem, de pouco servem os discursos e as bandeiras.
Avantes
quinta-feira, 4 de março de 2021
Um preço social muito grande
«Já há muito tempo que nós sentimos a necessidade de reabertura das escolas. Claro que não viemos antes a público defender a nossa posição porque compreendemos que durante um período essa abertura seria impossível, ou difícil, devido à situação vivida no país. Mas neste momento o encerramento das escolas está a ser demasiado prolongado. As crianças não são os grandes transmissores da infeção na comunidade».
Das declarações de Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), ao Jornal da Noite, ontem na SIC. Esta associação, juntamente com a direção do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos (CEP-OM) e a Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente (CNSMCA), subscreveram uma Carta Aberta em que assinalam a urgência de reabertura faseada das escolas e «a integração das crianças em atividades adequadas às suas reais necessidades», alertando para o impacto que «a doença covid-19 tem sobre estas ao nível do desenvolvimento, da aprendizagem, dos comportamentos, das rotinas e no relacionamento familiar e social».
Estas organizações lembram ainda que «desde o início se verificou que as crianças eram pouco afetadas, apresentando em regra doença ligeira, com casos muito esporádicos de doença grave, e cedo se percebeu que, em contraste com outras doenças virais mais conhecidas, contribuíam pouco para a disseminação da doença (...), não se tendo verificado surtos relevantes com origem nos estabelecimentos de ensino», em resultado da eficácia dos planos definidos para o início do ano letivo e da «boa adesão de profissionais escolares e de alunos» aos mesmos.
O preconceito custa vidas
Num mundo de pernas para o ar, uma jornalista opina, sob a forma de notícia, no início de Fevereiro: “a Sputnik foi prejudicada pela propaganda do Kremlin”. Na realidade, o acesso a esta vacina foi prejudicado pela russofobia na UE.
quarta-feira, 3 de março de 2021
Cem anos de história sem caricaturas
Há partidos que, não sendo nunca apenas ação política no presente, nem apenas história, são muito imbricadamente as duas coisas. É o caso do PCP (...) Se houve partido que melhor assegurou condições para que em Portugal se resistisse à ditadura foi o PCP (...) Quem repete há quase meio século que os comunistas portugueses queriam implantar uma ditadura “de tipo soviético”, era bom recordar que, dos oito objetivos fixados para a “revolução democrática e nacional” que o PCP preconizava para Portugal, cinco foram adotados no programa do PS de 1973; onde não havia coincidência, o do PS parecia mais radical. Da “destruição do estado fascista e instauração de um regime democrático” ao “reconhecimento aos povos das colónias o direito à imediata independência”, à Reforma Agrária ou à “liquidação do poder dos monopólios”, os comunistas conseguiram atingir quase todos os seus objetivos porque a grande maioria do povo assim o quis nas eleições de 1975, e porque uma amplíssima maioria de 93% dos deputados constituintes, incluídos os do PS e do PPD, aprovaram uma Constituição que consagrou esses objetivos. Depois das tensões do período revolucionário, empenhado em lutas sociais por todo o país, abertamente perseguido no Norte, no Centro e nas ilhas, ameaçado de ilegalização por alguns dos vencedores do 25 de Novembro, o PCP soube participar desse amplo consenso constitucional, o mesmo que há tantos anos se tende a omitir, como se ele não tivesse dado forma legal à democracia portuguesa em tudo quanto de original ela (ainda hoje) tem (...) Nenhuma caricatura do PCP estalinista e ortodoxo aguenta semelhante percurso. Não é por acaso que se faz 100 anos e se está presente na nossa história coletiva.
terça-feira, 2 de março de 2021
O encerramento das escolas foi decisivo para a redução da mobilidade?
Dados recentes publicados pelo INE, sobre níveis de mobilidade, vêm reforçar esta ideia, sendo de realçar, isso sim, o impacto das primeiras medidas de confinamento, adotadas a 15 de janeiro. De facto, entre os dias 15 e 22 a percentagem de pessoas que «ficou em casa» passa, em sete dias, de 21,6% para 28,2%, sugerindo que é esse impulso que se prolonga para lá de 22, até 31 de janeiro, data em que se atinge o máximo de pessoas em casa (33%). Ou seja, não só o encerramento de escolas não foi decisivo para a diminuição do número de contágios, como nem sequer parece ter vindo a reforçar essa tendência através de um esperado contributo, indireto, para a redução da mobilidade.
Na altura, Marcelo Rebelo de Sousa justificou o fecho das escolas com a necessidade de dar um «sinal político» capaz de reforçar, junto da população, a consciência da gravidade da situação pandémica e a premência de reduzir ao máximo a mobilidade e os contactos sociais. Isto é, reconhecendo que o problema não era o de as escolas serem focos de contágio relevantes (que não são), mas sim a necessidade instrumental (e por isso sacrificial, como bem refere Susana Peralta), de reter as crianças em casa para reforçar o confinamento dos pais. Reforço esse que, de acordo com os dados da mobilidade, não aconteceu.
Ora, sabendo que o encerramento de todos os estabelecimentos de ensino se tornou na altura inevitável, mas reconhecendo hoje que o seu efeito poderá ter sido irrelevante para a melhoria da situação, importa com redobrado sentido não desvalorizar os impactos brutais do prolongar dessa medida (nas aprendizagens, no agravar das desigualdades e na saúde das crianças, sobretudo das mais desfavorecidas), e começar portanto a reabrir as escolas, o mais rapidamente possível.
Luta com distinção
Falta de quadros
Só alguém muito carenciado de gente capaz é capaz de pensar que Pedro Passos Coelho ainda tem alguma coisa a oferecer ao país. E só um jornal enviesado faz um alarde destes na 1ªpágina, sem revolta dos seus jornalistas.
Mas a direita é assim: não tem de ter programa, não tem de explicar o que quer que seja, não tem de ter ideias para mudanças estruturais. Não tem de prometer nada: basta defender o que existe. Ou, pior, basta dizer e defender as ideias que vêm de fora, que em geral não têm em conta os interesses nacionais de Portugal. Essa é a sua função conservadora.
Foi assim nos anos 70, quando a direita se colou às reformas trazidas pelo FMI e fez delas cavalo de batalha nos governos seguintes, nomeadamente na redução de intervenção do Estado, na desarticulação do sector público nascido das nacionalizações e na legislação laboral, para que se quebrasse a espinha pública e a presença sindical. Foi assim nos anos 80, quando a direita cavaquista se tornou o carro de assalto das ideias neoliberais em Portugal, com o fim de desmantelar tudo o que cheirasse a colectivo, a esforço público, a intervenção do Estado e ainda barafustava quando o Tribunal Constitucional impedia a subversão da Constituição. Foi isso que aconteceu nos anos 90 e início do século XXI com o abraço de urso da moeda única e de toda a arquitectura institucional, que acarretou uma mutação económica silenciosa mas estrutural nas opções sectoriais do país (que passou a basear-se nos serviços) e uma transferência - sem discussão - de poderes soberanos para uma esfera comunitária, onde Portugal mal risca, tudo sem efeitos de monta no défice externo. Foi na sequência disso que se abriu as portas a um poder desmedido nas empresas - mudando-se de paradigma no Direito Laboral - com a aprovação do Código do Trabalho em 2003, a pretexto da simplificação da legislação laboral dispersa, o que levou à estagnação salarial sem efeitos de monta no défice externo. Foi isso que aconteceu em 2010/2015, quando a direita abraçou as pressões da União Europeia para que Portugal fosse ajudado pela troica e iniciasse a marcha de um rolo compressor sobre a segurança no emprego e a protecção dos desempregados, que levou a uma escalada nunca vista do desemprego e da emigração, tudo para que fosse possível baixar salários e esvair a intervenção sindical, tudo sem efeitos duradouros no défice externo.
Ao fim de quatro décadas de vagas consecutivas de política de direita, em que a política fiscal não combateu as desigualdades sociais que iam engrossando e agravou-as ao fazer pesar o fardo de quem vive do seu trabalho (no IRS, salários e pensões quase pagam a receita cobrada), estamos num belíssimo ponto para de novo apostar num cavalo arrogantemente liberal (ex-neoliberal), sem visão alguma para o país.
Veja-se o que deu quando se deu largas à sua língua, numa altura em que a direita defendia a redução rápida do défice e dívida orçamentais como política de eficiência e libertação de verbas para a sociedade e, portanto, sabia que iria cortar em tudo:
segunda-feira, 1 de março de 2021
Querido diário - Como acabar com o desemprego trabalhando de graça
A citação pode ser encontrada aqui.
Na realidade, ela retrata bem o que acontece quando se coloca um contabilista liberal a gerir uma economia. Pagar menos salários reduz os custos das empresas, mas reduz ainda mais os rendimentos de outras que vivem dos gastos de quem recebe salários. Mas tentemos fazer um resumo.
A 2 de Março de 2013 e fazendo jus às manifestações de 15 de Setembro de 2012 (contra as mexidas na TSU que cortavam os salários em 7% para os transferir para as empresas), realizaram-se mais manifestações de protesto no país contra as políticas de austeridade, traçadas no Memorando de Entendimento com a troica e que o Governo PSD/CDS de Pedro Passos Coelho abraçara como suas. Mais: abraçara como sendo as políticas estruturais que iriam salvar a competitividade do país.
Foi, aliás, exactamente isso que Passos Coelho foi dizer no debate parlamentar quinzenal que se realizou no dia seguinte, surdo às vozes da rua.
Durante desse debate, Passos Coelho autoelogiou-se por a União Europeia ter aceite uma flexibilização no pagamento do empréstimo à troica (ver aqui), sem perceber ainda aquilo que a UE já percebera: a encrenca que estavam a ser os programas de austeridade.
“Só é possível obter esta disponibilidade dos nossos parceiros para nos ajudar a regressar a financiamento não oficial na medida em que formos bem sucedidos a executar o nosso programa de ajustamento”, destacou Passos Coelho. “É preciso prosseguir com firmeza e resiliência o caminho que temos vindo a seguir”, acrescentou. Uma flexibilidade que vai surgir na medida em que “formos credíveis a corrigir os desequilíbrios, e na medida em que a nossa atitude não seja, como alguns querem, a de mudar de caminho e renegociar tudo, mas cumprir o essencial dos nossos objectivos. Esta é a primeira conclusão” que se retira da decisão tomada em Bruxelas, que ainda não forneceu “uma solução final, do ponto de vista técnico”. A outra conclusão que se deve retirar é que os parceiros europeus “instam-nos a seguir o caminho das reformas porque sabem que este resultado só será duradouro para futuro na medida em que seja acompanhado de uma reforma estrutural importante”, prosseguiu Passos Coelho. “Foi a ausência dessa reforma, aliada a falta de competitividade económica, a um nível elevado de endividamento” que conduziu o País a esta situação.
Um tipo de discurso que volta a ouvir-se de novo.
A questão da competitividade essa nunca chegou. E ainda esperamos por ela, apesar de o governo de António Costa insistir no grosso do pacote laboral de Passos Coelho (Agosto de 2012), para não ferir susceptibilidades em Bruxelas. Já sobre o salário mínimo, a frase de Passos Coelho surgiu depois de o secretário-geral do PS António José Seguro ter defendido o seu aumento como condição para a economia crescer. Como defendia a CGTP, o salário mínimo deveria ter chegado aos 500 euros em 2011, mas ainda estava abaixo disso:
"Estamos em Março de 2013 e o salário mínimo continua nos 485 euros, o que, retirando as contribuições obrigatórias para a segurança social, significa qualquer coisa perto de 432 euros", disse na altura o sceretário-geral da central sindical Arménio Carlos. Sobre a importância de aumentar o SMN ver aqui (procurar Barómetro nº12).
No Parlamento, Passos Coelho defendeu-se contra-atacando, leviana e cegamente, como faria qualquer crente deputado do partido da "Ilusão Liberal".
“Faço eu e o meu Governo mais para combater o desemprego naquilo que ele tem de estrutural do que o senhor deputado faz”, quando diz que “a primeira condição para ter política de crescimento é aumentar o salário mínimo”.
No 1º trimestre de 2013, segundo o INE, havia 927 mil desempregados, mas o número dos trabalhadores subutilizados atingia 1,419 milhões de trabalhadores.
“Quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é exactamente a oposta. Foi isso que a Irlanda fez no início do seu programa”, recordou o primeiro-ministro. “Mas a Irlanda tinha um nível de salário mínimo substancialmente superior ao nosso”, reconheceu. “Foi por isso que o anterior Governo não incluiu essa cláusula” no Memorando de Entendimento, projectou Passos Coelho, e foi também por isso que o actual Governo não o fez.
Só faltou esclarecer o seu valor, mas não o fez. Como descreveu o jornalista Bruno Simões no mesmo artigo:
"a Irlanda estabelece legalmente o salário mínimo por hora trabalhada e por escalão de idade e de formação. Desceu o seu valor de referência para os adultos qualificados em 2010, que passou de 8,65 euros por hora para 7,65, e repôs agora o valor de então. Nos cálculos do Eurostat – feitos a partir de um método que permite comparações entre os vários países e que não coincidem com os valores legais (paridades do poder de compra) – a Irlanda é dos países europeus que garantem salário mínimo mais elevado: 1462 euros mensais, que comparam com 566 euros em Portugal".
Passos Coelho, mais a diante no debate, chegou mesmo a defender - naquele mantra sempre dito pelos deputados à direita - que aumentar o SMN provocaria o desemprego e que só se deve discutir o aumento do SMN quando o País tiver condições para tal, quando "o tecido
produtivo tenha condições para o fazer".
"Não deixaremos em sede de concertação social de discutir o aumento do salário mínimo nacional levado pelos aumentos de produtividade, numa altura em que o país esteja em condições de estar a ultrapassar, a dobrar o nível de atividade, que nesta altura ainda é recessivo e que nós queremos inverter para recuperação".
Na verdade, isso nunca aconteceu. O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira - que chegou depois a ser economista-chefe interino da OCDE até 2016 - ano em que foi agraciado por Cavaco Silva com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D.Henrique e passou para responsável dos estudos por país da OCDE - prometeu
uma ronda na concertação social para discutir o salário mínimo. O que nunca se realizou. O salário mínimo seria apenas aumentado para 505 euros em 2014 e parcialmente pago com verbas da Segurança Social...
Procure-se aqui o Caderno nº9 (pag.43 e 45) que se dedica às actas das reuniões da Comissão Permanente da Concertação Social e revela os subterfúgios usados para adiar sem prazo a questão:
Obrigadinho, uma vez mais
O que vai acontecer ao emprego após a pandemia?
Mas a verdade é que estas já vinham de trás e têm vindo a acentuar-se nas últimas quatro décadas. Antes da pandemia, os relatórios sobre a evolução salarial nos EUA e no conjunto dos países da OCDE eram unânimes: o fosso entre os muito ricos e os muito pobres aumentou consideravelmente e a fração dos salários no PIB (isto é, a parte da riqueza produzida anualmente que vai para o fator trabalho) tem vindo a cair. A tese que reunia maior consenso entre economistas convencionais é a de que esta tendência se explica pelo progresso tecnológico, que estaria a favorecer o capital físico e os trabalhadores mais qualificados e a penalizar os restantes. O problema é que esta visão neoclássica, que assume que os salários e lucros são determinados pela produtividade marginal de trabalhadores e capital (ou seja, pelo seu contributo relativo para a produção), depende de um conjunto de hipóteses muito pouco realistas, como a existência de mercados perfeitamente competitivos ou o pleno emprego dos fatores. Outras correntes, que procuram uma resposta sistémica para o problema e dão ênfase ao papel das instituições realmente existentes, têm apontado para o impacto negativo nos salários de fatores como a globalização, a financeirização e as reformas laborais orientadas para a flexibilização do mercado trabalho.
domingo, 28 de fevereiro de 2021
Como se o confinamento fosse a cura
É consensual, de facto, que as metas adiantadas como condição para desconfinar serão atingidas já em meados de março, fazendo por isso bem o Governo em anunciar o plano de desconfinamento no próximo dia 11, começando evidentemente pelas escolas. Um exercício simples - que não pretende constituir-se como «projeção» nem «modelo» - a partir da média de variações entre 20 e 26 de fevereiro, sugere que antes ao final de março se chegaria a zero em vários indicadores (ver gráfico). Chegaria, claro, porque todos estes exercícios tendem a ser rígidos (ou especulativos) nos seus pressupostos, lidando mal com a complexidade de fatores e com a própria dinâmica da realidade.
Recorde-se, já agora, que o Jorge Buescu que por estes dias clama contra o desconfinamento e a reabertura das escolas, é o mesmo matemático que, no início da pandemia, avançava com projeções dantescas - sempre tão apetitosas para o sensacionalismo de alguma imprensa - sobre a evolução da mesma em março do ano passado (pouco depois de ter dito que era preciso «acabar de vez com o vírus da corono-histeria»).

Numa projeção posterior, publicada no Observador a 15 de março (gráfico aqui ao lado), o matemático mantinha apenas os dois primeiros cenários, entendendo que «o cenário "à italiana"» estava já fora de questão, uma vez que o país deveria «ter tomado as medidas italianas há uma semana». Curiosamente, foi deste cenário rejeitado que a realidade mais se aproximou, com cerca de 4 mil casos no final do mês.
Voltando a 2021, vale a pena sublinhar que a descida abrupta dos diferentes indicadores, desde o pico de janeiro, tem paralelo na subida vertiginosa registada depois de 25 de dezembro, reforçando a hipótese da particular - e episódica - conjugação de factores adversos no Natal, a começar pelo relaxamento das restrições face às celebrações da época. E não, como muitas vezes ainda se considera, o resultado de um suposto efeito da ausência de confinamento em outubro ou novembro, numa espécie de lógica endémica da pandemia, em que assentam modelos fechados sobre si mesmos e, por isso, propensos ao medo e alarmismo. Como se o confinamento, total e obsessivo, e não a vacina, fosse a cura. Aliás, desse ponto de vista, mais importante que confinar ou desconfinar nas semanas que antecedem a Páscoa, será talvez preciso acautelar devidamente o fim-de-semana da própria Páscoa.
sábado, 27 de fevereiro de 2021
Lénine fez o melhor que pôde
Bem sei que Lénine tem as costas largas, sendo submetido a um nível de exigência ético-política que não se coloca aos internacionalistas liberais da mesma época, tantas vezes racistas e cúmplices do colonialismo, capitaneados por Woodrow Wilson e quejandos. E isto em contraste com alguém que inspirou, na teoria e na prática, tantos anti-colonialistas e anti-imperialistas, desiludidos com a circunscrição fundamentalmente europeia da ideia de autodeterminação nacional, em 1919, na Conferência de Paz de Paris. Num dos seus sempre primorosos textos, o historiador Rui Bebiano denunciou:
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Gastar? Não Gastar? Gastar demasiado? Notas sobre o debate macroeconómico
Como as “bolhas” das redes sociais não são muito dadas a textos (um pouco mais) longos e os blogues estão, hoje, sobretudo dependentes do tráfego das primeiras, decidi experimentar com a nova moda das newsletters no Substack, recuperando o velhinho email, para escrever sobre Economia Política e Desenvolvimento. Sendo gratuita, a periodicidade da newsletter será “quando tiver tempo e alguma coisa para dizer”. Se tiverem paciência e não se importarem em receber um email de vez em quando, subscrevam aqui: https://nunoteles.substack.com/
Tudo será replicado, no entanto, aqui no Ladrões. Fiquem com o primeiro artigo.
Ziguezagues
É certo que a pandemia mudou muita coisa nas nossas vidas, mas as viragens nas posições de política económica parecem dar-se a uma velocidade difícil de acompanhar. Ainda antes da crise pandémica, várias foram as vozes, da imprensa económica internacional às instituições financeiras internacionais, que se manifestaram sobre a necessidade de uma política orçamental mais expansionista. A crise pandémica naturalmente veio reforçar estas recomendações. Começámos então a ouvir falar de uma mudança de paradigma na teoria e política macroeconómica. Tais recomendações são festejadas pela esquerda, aparentemente vingada na sua oposição à austeridade e nas suas propostas de aumento das despesas públicas. Entretanto, dois dos defensores de uma política orçamental mais activista, os eminentes economistas neo-keynesianos, Larry Summers e Olivier Blanchard, vêm agora alertar para os exagerados gastos anunciados por Biden nos EUA. Voltaram atrás?
Larry Summers é uma eminência parda da elite norte-americana, com um longo currículo nos círculos de poder, que, aliás, gosta de alardear. Esteve no centro das reformas neoliberais da presidência Clinton – a lei Glass-Steagall, oriunda do New Deal, de regulação bancária foi repelida durante o seu mandato enquanto ministro das finanças norte-americano – e é apontado como um dos responsáveis pela timidez do plano de recuperação de Obama em 2009. Alguns anos mais tarde, voltou à ribalta nos debates económicos, recuperando o conceito de “estagnação secular” e consequente necessidade de políticas de estímulo orçamental em larga escala. Face à proposta da Administração Biden de um programa orçamental que anda em torno de 10% do PIB norte-americano (mais do que toda a economia canadiana), Summers veria finalmente as suas propostas colocadas em prática. Mas, não. Com um artigo no Washington Post, Summers avisa que este pacote é demasiado ambicioso e terá, provavelmente, como efeito aumentar a inflação e as taxas de juro.
Outro economista neo-keynesiano, Olivier Blanchard, um dos primeiros defensores do programa de “desvalorização interna” em Portugal e economista-chefe do FMI nos anos das suas intervenções no Sul da Europa, também teve uma mudança de estado de alma em relação à austeridade. Face ao ritmo medíocre de crescimento económico das economias mais desenvolvidas, o economista fez um pequeno mea culpa em relação à política imposta pelo FMI e passou a defender que, dada as baixas taxas de juro praticadas um pouco por todo o mundo, se exigia aos Estados que gastassem mais, já que não existiam riscos de insustentabilidade da dívida pública. Em Dezembro passado, anunciava mesmo a mudança de paradigma macroeconómico. Agora, vem secundar a opinião de Summers num “fio” do Twitter, alertando para o provável sobreaquecimento da economia e aumento da inflação que o plano de Biden provocará.
PRR: mais um passo no caminho da servidão
Evidentemente, perante uma situação de guerra ou calamidade, foi preciso rasgar os véus institucionais criados para fingir que Estados soberanos, dotados de um banco central e emitindo dívida na sua moeda, dependem dos mercados financeiros. Com maior ou menor contorcionismo de procedimentos para que o público não perceba exactamente o que se passa, a despesa pública tem sido feita com o dinheiro emitido pelos bancos centrais – como sempre se fez, ainda que de forma mais ou menos camuflada, nos EUA e no Japão – e isso é uma situação que o sistema neoliberal não pode permitir que se generalize.
Na sequência desta pandemia, abolida a independência política dos bancos centrais, os governos poderiam começar a investir muito mais no Estado de bem-estar (saúde, educação, habitação, emprego, segurança social), na investigação científica ao serviço da saúde e da humanização do trabalho, na requalificação das carreiras da administração pública com recrutamento de quadros com elevadas qualificações, e poderia retomar também a política económica anti-cíclica, redescobrindo o planeamento estratégico para o desenvolvimento, etc. Deixaríamos de perguntar “haverá dinheiro?” porque o foco do debate político passaria a ser o bem-estar dos cidadãos, a preservação da biosfera, a erradicação da pobreza e a drástica redução das desigualdades sociais. As condicionantes da despesa pública passariam a ser o nível de inflação que se tiver assumido como limiar e o relativo equilíbrio das contas externas, ambas sujeitas à vigilância do poder legislativo apoiado por assessoria técnica (o actual conselho de finanças públicas seria extinto).
Uma mudança de paradigma da política económica no seio do capitalismo? Nem pensar! Os centros de comando do capitalismo neoliberal e os centros de difusão da sua ideologia não admitem tal coisa e tudo farão para o impedir. Estaria em causa o poder do capital liderado pela finança e grandes corporações, acompanhados pelos seus acólitos, com destaque para muitos economistas do (errado) pensamento dominante.
O fantasma da inflação é o risco mais invocado, mas estes ideólogos nunca explicam, em concreto, qual será a sua origem. E não explicam porque não podem revelar a sua falta de fundamento: a teoria quantitativa da moeda é uma teoria falsa, embora ensinada como se fosse verdadeira. E, olhando para os factos, não se vê inflação relevante nas economias que têm uma capacidade produtiva razoavelmente organizada, mas longe do pleno emprego, apesar da criação de moeda em larga escala. Após uma década de injecção massiva de liquidez nas economias do grande norte, não houve inflação, muito menos a hiperinflação que alguns analistas garantiam. É que a troca de títulos de dívida por moeda não conduziu a um aumento da procura; afinal, só a despesa pública pode fazer subir a procura, compensando a retracção do sector privado, numa conjuntura de estagnação ou recessão. Aliás, a proibição da política orçamental na UE é a principal causa da ascenção da extrema-direita, no quadro de um regime monetário que é estruturalmente semelhante ao do padrão-ouro dos anos trinta. Parece que há muita gente que, dizendo-se de esquerda, não conhece Karl Polanyi, ou pelo menos não leu os capítulos 19 e 20 de A Grande Transformação.
A insistência nesta retórica do risco da dívida excessiva é certamente uma forma de não deixar que ganhe força a alternativa política ao neoliberalismo; é a preservação da hegemonia das suas ideias que está em jogo. Contudo, no caso particular da UE, há algo mais que foi varrido para debaixo do tapete nesta discussão pública do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A crise foi aproveitada para, a coberto do pacote financeiro Next Generation EU – de solidariedade e construção de um futuro próspero para todos! –, impor aos países da zona euro um controlo ainda mais apertado dos respectivos orçamentos de forma a eliminar as pequenas margens de manobra que ainda poderiam ser aproveitadas por algum governo de inclinação menos ortodoxa. Até porque não é seguro que Draghi seja bem sucedido nesta tentativa de meter definitivamente a Itália no colete de forças neoliberal.
A criação de impostos europeus (supranacionais, mas sem democracia federal) destinados a pagar o endividamento da UE, acompanhados de um mais apertado escrutínio dos orçamentos dos Estados-membros, é apenas mais um passo para a eliminação do que resta de soberania nacional. O voto dos povos da UE já não conta para o respectivo orçamento. O seu enquadramento quanto aos saldos e à dívida é imposto pela UE, agora acompanhado de reformas ainda mais específicas, e cada vez mais imperativas, decididas pela Comissão muito para além do que está no Tratado de Lisboa. Havendo alguma resistência política, lá estará o BCE para disciplinar o país desviante. Basta-lhe reduzir o volume de compras da dívida desse país e, ao mesmo tempo, proferir uma declaração de desagrado. Isso será o suficiente para os títulos perderem valor e os juros dispararem, pelo que só resta uma submissão à grega e a sujeição a uma punição exemplar.
Entretanto, dado que os alemães receiam a acumulação de dívida da periferia no balanço do BCE, está em preparação uma alternativa para o pós-pandemia: suspender gradualmente o actual financiamento aos Estados (indirectamente, através do mercado secundário) pelo financiamento directo, sob condição de austeridade, através do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Se tal projecto for concretizado, pode tornar-se uma verdadeira bomba nos mercados financeiros. Ninguém acredita que a Itália se sujeite tranquilamente a tal reconfiguração no financiamento dos Estados-membros, pelo que o tempo pós-pandemia será certamente um tempo de grandes tensões políticas na UE, agravado pela erosão do centrismo e crescimento da extrema-direita por falta de alternativa convincente à esquerda. Dado que anda por aí muita gente que se diz de esquerda com expectativas fantasiosas sobre uma reforma progressista da zona euro, vejo-me na obrigação de dizer com clareza: por falta de “condições objectivas e subjectivas”, Portugal não vai sair do euro, mas dentro do euro estamos condenados à austeridade e à decadência como qualquer periferia no mundo; mais, a democracia da UE, incluindo o pseudo-Parlamento Europeu, é uma farsa.
Como bem sabem os economistas que estudaram os processos de desenvolvimento, não será o dinheiro do PRR e do Portugal 2030 que permitirá ao país sair da estagnação. Desde Maastricht, o dinheiro até hoje recebido permitiu fazer coisas interessantes mas a verdade é que o país continua muitíssimo longe do que lhe foi prometido com a moeda única. No colete de forças da União Económica e Monetária, o declínio será temporariamente mascarado pela construção de novas infraestruturas e melhores equipamentos sociais (com falta de funcionários, porque estes estragam as “contas certas”), mas é um processo imparável. Gunnar Myrdal, uma referência nos estudos do desenvolvimento económico quase banidos dos curricula, explicou com clareza os mecanismos que, num processo de integração, permitem às regiões desenvolvidas sugar as menos desenvolvidas.
Isso aconteceu no nosso país (com boas vias rápidas ligando o interior ao litoral) por falta de uma estratégia de desenvolvimento regional, incluindo a regionalização do poder político, e repete-se hoje com a emigração de jovens qualificados, ou com as nossas start-ups inovadoras, rapidamente deslocalizadas ou absorvidas pelas grandes empresas de países mais desenvolvidos. Este processo decorre sob os nossos olhos e só nos resta o modelo de uma economia que depende dos ciclos do turismo e das bolhas do imobiliário geradas por capitais especulativos.
O governo não sabe, mas a comunidade académica da Economia Política sabe (ou devia saber) que o desenvolvimento exige um conjunto integrado de políticas públicas de que não dispomos na UE. A começar por uma política orçamental articulada com a política monetária do banco central, com uma política industrial à maneira de Taiwan e Coreia do Sul, com parcerias estratégicas entre Estado e empresas suportada por uma administração pública muito qualificada, e com uma política comercial externa apoiada por uma política cambial inteligente. Só mantendo por muitos anos a consistência destas políticas, além de outras, orientadas por uma visão estratégica, será possível escapar à nossa presente condição de periferia estagnada e, a prazo, irremediavelmente pobre. Se um dia, por iniciativa de outros, a UE se vier a extinguir, ou a reformular sem as pretensões federalistas subjacentes à moeda única, o espaço das políticas públicas que permitem o desenvolvimento alargar-se-ia imenso. Ainda assim, seria apenas a condição necessária.