terça-feira, 23 de dezembro de 2025

São cheques ensino, senhores


Vale a pena ver esta declaração de Porfírio Silva sobre a proposta de alargamento do acesso ao alojamento estudantil a alunos não carenciados, apresentada pelo ministro Fernando Alexandre aos reitores e presidentes dos institutos politécnicos. Proposta essa que estes rejeitaram, travando assim a tentativa ministerial de adulteração e privatização de uma resposta essencial no fomento da igualdade de oportunidades e no acesso ao ensino superior.

Há uma frase na intervenção do ministro que é lapidar, de facto, para perceber o verdadeiro alcance e o objetivo da sua proposta: com a atribuição de um voucher a todos os deslocados, independentemente da sua condição económica, «as residências estudantis deixariam de ser o espaço para onde nós empurramos os alunos da ação social de rendimentos mais baixos e passariam a ser espaços que as universidades e os politécnicos teriam que promover, de forma mais competitiva, para atrair alunos, de rendimentos mais baixos e de rendimentos mais elevados».

Está aqui tudo. Da visão elitista e convenientemente pejorativa das residências estudantis públicas («empurramos», senhor ministro?), às lógicas de competição e falsa liberdade de escolha, instigando as instituições a disputar alunos (que alunos e com que meios, senhor ministro?), na transfiguração de um recurso indispensável na democratização do acesso ao ensino superior. Quer diversificar, em termos de origem social, as residências estudantis? Reforçe o seu financiamento e o investimento, para aumentar a oferta e a qualidade. Reforce a provisão pública, não passe cheques.

Conscientes da impopularidade eleitoral do cheque-ensino, que contraria, na prática, a prometida liberdade de escolha, PSD e CDS-PP não têm coragem de o assumir nos programas que levam a eleições, ao contrário do Chega e da Iniciativa Liberal, de onde Fernando Alexandre é realmente oriundo. Mas onde podem, no que podem e quando podem - de forma dissimulada e seguindo o velho manual de instruções - lá vão tentando ganhar terreno, desviando os recursos necessários à provisão pública para financiar e incentivar a expansão das residências privadas.

2 comentários:

Anónimo disse...

De tanto ouvir falar resolvi ouvir hoje a intervenção do ministro, do princípio ao fim.

A liberdade de escolha usada por ele tinha como enquadramento a incapacidade de um aluno pobre de província poder optar por um curso fora da sua área de residência e não ter de ficar pela instituição mais perto da sua casa porque não tem dinheiro. Não foi utilizada no sentido americano do termo.

Sem ter utilizado a expressão, o que ele disse foi que as residências universitárias são ghettos de pobres.

No minuto 17 usou a frase que gerou a controvérsia. Falou não apenas nas residências mas também nos hospitais. A frase foi acompanhada de um "sabemos" mas não foi acompanhada de explicação. É natural que os jornalistas a tenham aproveitado.

Já agora, lembrar o que ele disse no fim (a propósito das propinas, no caso os pobres pagararem as propinas dos filhos dos que têm dinheiro): somos um país completamente insensíveis às desigualdades.

Anónimo disse...

Em tempo: a propósito das propinas. O argumento é falacioso: os pobres pagam as propinas dos que têm mais dinheiro. Mas também os que têm mais dinheiro pagam os hospitais dos pobres. O ponto é que todos possam sentir que têm acesso e são bem tratados nos hospitais - públicos.

Não sou de esquerda. Nunca fui. Talvez cristão social, o que dá centro-direita. Mas acredito na universalidade dos serviços públicos. Uma das melhores formas de os matar é o targeted. Lá se vai a coesão da comunidade.